A cúpula climática da ONU deste ano, COP30, acontecerá no coração da Amazônia pela primeira vez. É um marco para a América Latina, mas devido aos altos custos de viagem e hospedagem, além de questões logísticas complexas, muitos repórteres da região estão tendo dificuldades para participar do evento.
A cidade costeira de Belém espera receber 45 mil pessoas, disputando 18 mil camas de hotel normalmente disponíveis. O governo diz que está trabalhando para aumentar a oferta, mas, como resultado, os preços dos hotéis dispararam.
Na semana passada, o Observatório do Clima divulgou nota pública afirmando que a crise de hospedagem na capital paraense “ameaça tornar a COP30 a menos inclusiva da história” e já afasta delegações estaduais e representantes da sociedade civil.
“Os custos estão significativamente maiores”, afirmou à LatAm Journalism Review (LJR)Fermín Koop, editor-adjunto para a América Latina do Dialogue Earth e veterano em coberturas de COPs, com 10 conferências no currículo.
“Em COPs anteriores, mesmo em cidades com alto custo de vida, geralmente havia uma gama de opções de acomodação a distâncias viáveis. Em Belém, a oferta limitada e a alta demanda elevaram os preços bem além do que muitos jornalistas ou seus veículos conseguem pagar.”
Jornalistas ambientais da América Latina estão adotando diferentes estratégias para superar as barreiras financeiras e logísticas para participar. Eles estão encurtando estadias, compartilhando acomodações e buscando apoio financeiro de organizações parceiras para cobrir o evento presencialmente.
Eles temem que a situação em Belém reduza a diversidade de vozes cobrindo a COP30 e compartilhando as perspectivas de suas comunidades.
O desafio da hospedagem na COP30 em Belém
Koop também é mentor da Earth Journalism Network, uma rede global que tem um programa de subsídios para jornalistas irem à COP. Ele disse que os altos custos de viagem forçaram repórteres a reservar mais cedo que o usual, dividir acomodações e planejar a cobertura de forma mais estratégica para aproveitar ao máximo uma estadia mais curta.
Eduardo Franco Berton, editor da RAI Bolívia, uma organização boliviana focada em jornalismo investigativo ambiental, precisou adaptar sua cobertura por questões financeiras.
O seu principal foco no evento será mostrar como os fundos climáticos estão efetivamente chegando às comunidades locais na Amazônia, graças ao trabalho de organizações socioambientais. Originalmente, ele esperava permanecer durante toda a conferência, mas agora participará apenas da primeira semana.
“Esses custos afetaram diretamente a duração da minha estadia”, disse Berton à LJR.
“Para manter os custos baixos, ficarei em um apartamento fornecido por uma organização parceira, o que me permite focar meus recursos na própria cobertura.”
Apoio a jornalistas que vão cobrir a cúpula climática em Belém
Paula Díaz Levi, editora-chefe do Climate Tracker América Latina, também teve que ajustar seus planos. Durante a COP30, a organização, que apoia jornalistas climáticos em todo o mundo, terá em sua equipe jornalistas do Chile e do Brasil, assim como cinco repórteres do México, Honduras e Costa Rica.
O foco da cobertura será produzir reportagens aprofundadas que reflitam as realidades latino-americanas, abrangendo processos-chave como financiamento climático e a transição energética.
O Climate Tracker também quer acompanhar o progresso feito desde a COP29, em um momento crítico para o cumprimento das metas do Acordo de Paris, um tratado internacional sobre mudanças climáticas.
Apesar de ter conseguido garantir acomodação para o evento, Díaz disse que os preços extremamente altos em da hospedagem na COP30 em Belém fizeram com que eles limitasse a estadia apenas à segunda semana da conferência.
“Essa situação também afetou muitas delegações e veículos de mídia do Sul Global, limitando o número de jornalistas capazes de participar pessoalmente”, disse Díaz à LJR. “Para a primeira semana, ainda faremos a cobertura, mas remotamente.”
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Impacto na diversidade de cobertura da COP30
O problema vai além dos custos individuais.
Koop disse que o principal desafio é o acesso, não só em relação ao credenciamento para o evento em si, mas também a capacidade financeira e logística de chegar até Belém e operar de lá. Essas questões se tornaram desafios ainda maiores para muitos jornalistas latino-americanos, cujos orçamentos das redações são limitados e viagens internacionais já são uma barreira.
“Além disso, a infraestrutura local está sob pressão devido ao fluxo repentino de milhares de participantes”, disse Koop. “Isso dificulta a presença de veículos menores e jornalistas freelancers para cobrir o evento em profundidade, o que corre o risco de deixar grande parte da narrativa nas mãos de grandes veículos de comunicação internacionais.”
Díazi disse que muitos colegas que estiveram em COPs anteriores decidiram não ir ao evento este ano por causa de custos proibitivos e gargalos logísticos. Segundo ela, alguns veículos e jornalistas independentes estão buscando soluções criativas, como compartilhamento de custos ou colaboração remota, mas as barreiras continuam altas.
“Isso inevitavelmente afeta a diversidade e a qualidade da cobertura da região, que já é sub-representada nas reportagens climáticas globais”, disse a jornalista.
“O maior desafio é a falta de financiamento e apoio institucional. Muitos veículos de comunicação na América Latina não têm condições financeiras para enviar seus repórteres à COP ou não estão interessados em se envolver de forma mais aprofundada, e aqueles que vão frequentemente dependem de bolsas ou apoio externo.”
Muitos jornalistas da região estão aguardando o resultado de bolsas ou de apoios financeiros para definir se poderão ou não fazer a cobertura presencialmente. É o caso de diversos colegas de Berton.
“Como trabalham para veículos digitais — similares à RAI Bolivia — com orçamentos limitados, não conseguiriam cobrir esses custos de outra forma”, disse Berton.
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Importância da cobertura regional
A redução da presença de jornalistas latino-americanos é particularmente preocupante considerando o papel que deveriam desempenhar em uma COP realizada na Amazônia.
Koop disse que a mídia internacional vai cobrir as grandes manchetes políticas, mas os jornalistas locais podem trazer contexto, histórias e nuances regionais que correm o risco de ser ignoradas.
“Nosso papel é unir mundos. Garantir que o que for discutido nas salas de negociação seja informado e conectado às realidades vividas pelas pessoas e ecossistemas da América Latina”, disse Koop.
“Também podemos amplificar as vozes regionais e responsabilizar nossos próprios governos, especialmente em uma COP onde a América Latina estará no centro da conversa.”
Díaz concorda com a importância da imprensa local para amplificar vozes da região e garantir que contextos e nuances não sejam ignorados. Para ela, o papel principal do jornalismo latino americano é centralizar o continente na narrativa, garantindo que a cobertura seja produzida por e para a região.
“Embora as agências de notícias internacionais sejam importantes, elas frequentemente falam de uma perspectiva europeia ou do Norte Global”, disse Díazi.
“O jornalismo latino-americano é essencial para a entrega de uma cobertura crítica e interseccional que fale diretamente com nossos públicos, especialmente considerando que nossos países estão entre os mais vulneráveis às mudanças climáticas e precisam urgentemente de ações climáticas ousadas.”
Este artigo foi publicado originalmente na LatAm Journalism Review, um projeto do Knight Center para o Jornalismo nas Américas, e é republicado aqui sob licença Creative Commons. Todos os direitos reservados à autora.
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