Mais uma pesquisa confirma que a era do “clique-zero” já é uma realidade, com a queda de tráfego gerado pelo Google após a introdução dos resumos feitos por IA no topo das buscas afetando dramaticamente a audiência da mídia online.
Segundo um levantamento da associação de editores norte-americanos Digital Content Next (DCN), publicado na semana passada, o tráfego vindo do Google para sites jornalísticos e de entretenimento caiu 10% ao longo de oito semanas entre maio e junho de 2025, em relação às semanas anteriores.
A divulgação do relatório ocorreu poucos dias antes de a Folha de S.Paulo entrar com uma ação judicial contra a OpenAI por uso não autorizado de conteúdo para treinar seu chatbot de inteligência artificial. O jornal brasileiro se junta a veículos como o New York Times e o Financial Times, que também optaram por recorrer aos tribunais.
Outros, como o Washington Post, preferiram assinar contratos de cessão de seu conteúdo. Mas o impacto para a indústria não se resume ao que acontece com grandes organizações jornalísticas, estendendo-se a todo o ecossistema de informação formado por grandes, pequenos, “nichados” e sites de entretenimento que também publicam notícias.
Tráfego gerado pelo Google em queda após resumos por IA
Segundo a DCN, empresas não jornalísticas que publicam conteúdo de interesse geral sofreram mais, com retração de 14%, enquanto as marcas jornalísticas registraram queda de 7%.
O estudo foi feito com 19 membros da associação, incluindo grandes redações de notícias e marcas globais de mídia digital. Em dois terços dos casos analisados, houve queda — não variação pontual.
As semanas mais críticas foram particularmente severas. Na semana de 25 de maio, o tráfego caiu 16% para veículos jornalísticos.
Já na semana de 22 de junho, a queda foi de 17% entre marcas não jornalísticas.
Segundo a entidade, os números não representam flutuações aleatórias, mas sim perdas sustentadas que atingem tanto quem trabalha com cobertura de notícias quanto quem produz conteúdo de entretenimento ou atemporal.
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Impacto dos resumos por IA do Google
O relatório reforça conclusões de estudos anteriores — entre eles uma do Pew Research Center — que mostram redução na taxa de cliques sempre que resumos automáticos feitos por inteligência artificial estão presentes na busca.
Segundo o Pew, cerca de seis em cada dez entrevistados (58%) realizaram pelo menos uma pesquisa no Google em março de 2025 que produziu um resumo gerado por IA.
Análises adicionais descobriram que os usuários do Google eram menos propensos a clicar nos links de resultados ao visitar páginas de pesquisa com um resumo de IA em comparação com aqueles sem um. Para pesquisas que resultaram em um resumo gerado por IA, os usuários muito raramente clicavam nas fontes citadas.
O Google, com seu recurso AI Overview — agora chamado de AI Mode —, não é o único buscador a oferecer esses resumos. Mas está no centro do debate por ser o principal caminho para quem quer achar alguma coisa na internet.
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Jason Kint: “O Google venceu”
Jason Kint, CEO da DCN, afirma que a empresa de buscas deixou de atuar como parceira de distribuição de notícias e passou a ser concorrente direta dos sites jornalísticos e de entretenimento, retendo a audiência e reduzindo o alcance dos conteúdos.
“Isso transforma o que por muito tempo foi um mecanismo de descoberta em um beco sem saída, em que o clique desaparece. E, claro, esse é o objetivo. O Google venceu”, escreveu o executivo.
Segundo Kint, trata-se de uma mudança estrutural no funcionamento da busca, e não de uma oscilação passageira.
Em sua avaliação, o novo modelo prejudica ainda mais a sustentabilidade do jornalismo digital: leva a menos leitores, menos impressões de anúncios e menos conversões em assinaturas. Além disso, compromete a diversidade e a responsabilidade no ecossistema de informação da web aberta.
Resposta do Google sobre queda de tráfego
Em resposta, o Google afirmou em blog corporativo que a IA na busca estaria “gerando mais consultas e cliques de maior qualidade”.
A DCN contesta, dizendo que a empresa não apresentou dados concretos que sustentem essa visão e que o tom da publicação sugere entusiasmo infundado por parte das empresas jornalísticas — o que, segundo Kint, os dados da própria DCN não sustentam.
O que a DCN propõe para solucionar a crise do tráfego gerado pelo Google
Para enfrentar o problema, a DCN propõe quatro medidas.
A primeira é transparência: o Google deve divulgar dados auditáveis sobre a taxa de cliques nos AI Overviews, segmentados por tipo de consulta, categoria de conteúdo e localização.
A segunda é o direito de “opt-out” real: as empresas de mídia devem poder impedir o uso de seus conteúdos nas respostas por IA sem perder visibilidade na busca. No Reino Unido, o governo enfrenta resistência feroz da indústria jornalística e cultural devido a um projeto de lei que obrigaria os criadores de conteúdo a notificarem as empresas de IA uma a uma, o que na prática se torna inviável.
A terceira é o licenciamento justo: se outras empresas, como OpenAI, Amazon, News Corp, The Guardian e The Atlantic podem negociar com empresas jornalísticas, o Google também pode.
A quarta é a regulação: os resumos por IA devem ser tratados como parte do monopólio de busca da empresa. Segundo a DCN, auto-preferência não é inovação, é exclusão.
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