• Estudo propõe que campanha focada em vacinar para proteger os outros é mais eficaz
  • E que a vacina só vai imunizar a população se atingir pelo menos 55% das pessoas 

Por Aldo De Luca | MediaTalks, Londres

Enquanto os principais laboratórios do mundo disputam uma corrida contra o tempo para descobrir a vacina contra a Covid-19, estudo realizado nos Estados Unidos e no Reino Unido chama a atenção para o fato de que esse esforço de nada vai adiantar se os governos dos países não promoverem campanhas capazes de convencer a maioria da população a se vacinar.

O trabalho foi liderado pela pesquisadora Heidi Larson, da London School of Hygiene & Tropical Medicine. Segundo ela, é o primeiro a quantificar o efeito da desinformação sobre a intenção de pessoas se vacinarem. Descobriu uma queda de 6 pontos percentuais, mesmo quando a exposição a notícias falsas era rápida.

Em entrevista ao jornal The Times, Larson afirmou: 

“Mostramos que a desinformação pode mudar a opinião das pessoas e sua inclinação a aceitar uma vacina contra a Covid-19, decisão capaz de colocar vidas em risco em todo o mundo”. 

O estudo ressalta que a necessária imunidade de rebanho capaz de impedir a propagação até agora incontrolável do vírus só será atingida se pelo menos 55% da população de cada país aceitarem se vacinar.

E alerta para as dificuldades de atingir esse índice sem campanhas que combatam a hesitação provocada pela desinformação online e off-line que tem minimizado os riscos da doença e atacado a eficácia e a segurança da vacina. 

 

Campanhas que apelem ao altruísmo para proteger os outros são mais eficazes 

Para testar o apelo mais eficaz para convencer as pessoas a se vacinarem, o estudo ouviu em setembro 8.001 pessoas nos Estados Unidos e no Reino Unido e lhes fez duas perguntas. Na primeira, se estariam dispostas a se vacinar para proteger a si próprias da Covid-19. E, na segunda, se aceitariam se vacinar para proteger seus familiares, amigos e pessoas de grupos de risco. 

Os entrevistados, todos com mais de 18 anos, tinham quatro opções de respostas:

1) definitivamente sim;

2) sem certeza, mas inclinado para sim;

3) sem certeza, mas inclinado para não; e

4) definitivamente não.

O estudo mostrou que tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido os respondentes mostraram- se mais dispostos a se vacinar para proteger os outros do que para proteger a si mesmos. 

No Reino Unido, o percentual dos que aceitariam se vacinar sobe de 54% para 63,4% quando o apelo de proteger a si mesmo muda para proteger os outros. Nos Estados Unidos o fenômeno é semelhante, com os índices subindo de 41,2% para 51,9%.

Desinformação derruba a intenção de quem quer se vacinar

Para testar os efeitos da desinformação recente sobre a vontade de quem quer se vacinar, os pesquisadores submeteram as pessoas pesquisadas à leitura das cinco principais fake news veiculadas nas redes sociais dos dois países no período de 1 de junho a 30 de agosto.

O estudo mostrou claramente que os falsos prejuízos veiculados pela desinformação são capazes de derrubar todos os índices, prejudicando com mais ênfase a intenção de quem aceitaria se vacinar para proteger os outros. 

Entre os que aceitariam se vacinar para proteger a si mesmos o comportamento foi:

  • Reino Unido o índice cai 6,4 pontos percentuais (de 54% para 47,6%)
  • Estados Unidos cai e 2,4 pontos percentuais (de 41,2% para 38,8%)

Entre os que aceitariam se vacinar para proteger os outros a queda é mais acentuada:

  • Reino Unido: queda de  9 pontos (de 63,4% para 54,4%)
  • Estados Unidos: queda de 7,1 pontos (de 51,9% para 44,8%)

Mesmo assim, os índices finais dos que aceitariam se vacinar para proteger os outros permaneceram mais altos após a queda causada pela desinformação do que os percentuais dos que se vacinariam para proteger a si mesmos, mostrando ser esse o melhor caminho para motivar as pessoas a se vacinarem.

Os principais motivos de quem diz que não vai se vacinar

Tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido, os principais argumentos de quem não pretende tomar a vacina estão associados à crença de que a Covid-19 não representa um risco para eles ou de que não ficarão doentes se a contraírem. 

A segurança é outro ponto ressaltado. No Reino Unido, o maior temor nesse sentido é o que “a aprovação da vacina pode ser apressada”. Já nos Estados Unidos o temor é de que a “vacina não seja segura”.

Também há uma parcela significativa, tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido, dos que “querem esperar os outros”, mas os nesta condição estão mais propensos a se vacinar do que os que tendem a rejeitar a vacinação.

Desinformação pretensamente científica tem maior poder de reduzir intenção de se vacinar 

Entre as fake news mais disseminadas em cada país selecionadas pelo estudo, a que afirma que a vacina seria capaz de alterar o DNA das pessoas que a tomarem ficou em primeiro lugar entre os respondentes norte-americanos e em segundo entre os britânicos. 
A fake news que mais chamou a atenção dos britânicos foi a que dá conta de que cientistas teriam expressado dúvidas sobre a vacina depois de todos os macacos empregados nos testes terem morrido.

Os entrevistados que não relataram nem mesmo uma única fonte confiável foram significativamente mais suscetíveis à desinformação. 

Vencer “bolhas de filtro” e desinformação na memória de longo prazo são outros desafios 

Com base em estudos que têm mostrado que uma breve exposição à desinformação pode se embutir na memória de longo prazo das pessoas, os pesquisadores alertam que as mensagens pró-vacinação podem encontrar mais dificuldade quando a desinformação sobre a vacina já se arraigou na consciência do público.

Também chamam a atenção para o fenômeno das “bolhas de filtro”, no qual pessoas selecionam partes do conteúdo a que estão expostas, absorvendo mais os dados compatíveis com suas crenças anteriores.

Foi o caso dos respondentes que disseram que não tomariam a vacina. Ao serem expostos às desinformações, parcelas consideráveis (27% entre os norte-americanos e 13% entre os britânicos) concordaram com as fake news e as consideraram confiáveis.

Para superar esses desafios, os autores recomendam campanhas com mensagens claras em torno da segurança e eficácia da vacina e que levem em conta os fatores socioeconômicos que influenciam na decisão de tomar a vacina. 

Campanhas devem focar nos mais propensos a não tomar vacina

Mulheres, grupos de minorias étnicas, aqueles sem diploma universitário e grupos de baixa renda mostraram-se menos dispostos a aceitar uma vacina tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos. Embora nos dois países os grupos com mais de 65 anos tenham menos probabilidade de rejeitar a vacina em relação ao grupo de 18/24 anos, a parcela de idade mais avançada nos Estados Unidos mostrou-se mais suscetível à desinformação.

Considerando que as taxas de incidência e mortalidade do Covid-19 são mais altas em alguns grupos étnicos negros e minoritários, bem como em grupos de baixa renda  e de idade mais avançada, tanto no Reino Unido como nos EUA, os pesquisadores consideram vital que as campanhas de estímulo à vacinação não apenas garantam acesso suficiente a esses grupos, mas que a confiança na vacina seja construída antes do início da distribuição. 

Quanto mais fontes confiáveis, maior a intenção de se vacinar

Tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido, a maior intenção de se vacinar verificou-se entre os que informaram dispor de fontes confiáveis, entre elas os noticiários de TV, governo, autoridades de saúde e até celebridades. 

Os pesquisadores alertam, porém, que a disposição do público não é estática, por ser altamente sensível ao estado da pandemia, ao risco percebido de contrair a doença e até ao alinhamento político.

O estudo mostrou que os republicanos, nos Estados Unidos, e os sem filiação aos principais partidos do Reino Unido resistem mais à proposta de tomar a vacina. Misturar saúde com política é um problema para o qual já deveríamos estar todos vacinados. 

O estudo completo está aqui. 

 


Aldo De Luca,  Conselheiro e colaborador do MediaTalks byJ&Cia, é jornalista brasileiro radicado em Londres. Formado em Jornalismo pela UFF (Universidade Federal Fluminense), foi repórter especial do jornal O Globo em 1987 e 1988. Fundou junto com Luciana Gurgel a agência Publicom, que se tornou uma das maiores empresas do setor no Brasil e em 2016 foi adquirida pela WeberShandwick (IPG Group).  Além de jornalista,  é Engenheiro pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Integra a  FPA (UK Foreign Press Association).

 

 

Aldo De Luca,  Conselheiro e colaborador do MediaTalks byJ&Cia, é jornalista brasileiro radicado em Londres. Formado em Jornalismo pela UFF (Universidade Federal Fluminense), foi repórter especial do jornal O Globo em 1987 e 1988. Fundou junto com Luciana Gurgel a agência Publicom, que se tornou uma das maiores empresas do setor no Brasil e em 2016 foi adquirida pela WeberShandwick (IPG Group).  Além de jornalista,  é Engenheiro pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Integra a  FPA (UK Foreign Press Association).