EnquantoGoogle e Austrália estão em pé de guerra em torno do pagamento às empresas jornalísticas por conteúdo, na Europa dois países seguem caminhos diferentes para equacionar o chamado desequilíbrio causado pela concentração das verbas publicitárias nas mãos das plataformas digitais.

A Espanha usou a força: entrou em vigor no dia 16/1 uma nova legislação tributária que impõe taxas aos agregadores de internet por se vincularem a conteúdos de mídia protegidos por direitos de propriedade intelectual.

No Reino Unido, o Facebook partiu para um acordo, que entrou em vigor nessa terça-feira (26/1), com a criação da seção Facebook News, que pagará pela divulgação de artigos de veículos de imprensa que aparecerem na nova barra.  A seção de notícias havia sido lançada inicialmente nos Estados Unidos, em 2020.

“Taxa Google” na Espanha pode apoiar jornalismo do País

Segundo o governo espanhol, o novo imposto, chamado de Taxa Google, semelhante aos já aplicados em países como Alemanha, França ou Bélgica, gerará cerca de um bilhão de euros, que serão usados para apoiar as áreas mais atingidas pela pandemia. Entidades defensoras do jornalismo comemoraram a medida e pedem que a verba seja utilizada também para apoiar o setor de imprensa.

A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) escreveu que “os jornalistas e os veículos de imprensa são os mais afetados pelo Google e pelo Facebook. Essas empresas fizeram uma fortuna através da livre exploração de conteúdo de mídia e da captação da receita publicitária gerada pelo trabalho dos e das jornalistas. Portanto, é justo que parte da receita gerada pelo novo imposto seja destinada ao apoio do jornalismo”.

Anthony Bellanger, secretário-geral da FIJ, declarou que “o mundo enfrenta simultaneamente uma crise econômica, sanitária e ambiental, e o debate para alcançar um sistema tributário justo não pode seguir sendo adiado. Saudamos os esforços da Espanha para tributar grandes operadores digitais, mas é essencial que parte dessa receita recolhida vá para jornalistas e para o setor dos veículos de imprensa.”

Outras entidades, como Associação de Jornalistas da FSC-CCOO, Federação de Associações de Jornalistas da Espanha (FAPE), Agrupação de Jornalistas da UGT e Federação de Sindicatos de Jornalistas (FeSP) também pediram que o dinheiro seja destinado a apoiar o jornalismo.

Com lançamento do Facebook News, plataforma expande para o Reino Unido o pagamento por conteúdo iniciado nos Estados Unidos  

 

O Reino Unido tornou-se na terça-feira (26/1) o segundo país a se beneficiar do Facebook News, lançado como teste nos Estados Unidos em 2019 e de forma permanente em junho passado. Diferentemente do que acontece hoje com links e trechos de notícias exibidos pelo Google, as empresas jornalísticas serão remuneradas pelo conteúdo exposto no Facebook News.

Entre os veículos britânicos que aceitaram a oferta estão The Guardian, Financial Times, The Economist, The Mirror, Daily Mail e Sky News.

O Facebook News exibe as principais manchetes e matérias do dia, junto com um feed adaptado aos interesses pessoais do usuário e seções cobrindo negócios, entretenimento, ciência e tecnologia e esportes. Segundo a revista Techcrunch, o feed personalizado inclui fontes de notícias já seguidas e outras ainda não seguidas, mas que estejam alinhadas aos interesses pessoais do usuário. É possível sinalizar as matérias preferidas para treinar os algoritmos.

Pode até ter sido mera coincidência, mas o acordo que viabilizou o lançamento havia sido anunciado em dezembro, três dias depois de o governo britânico divulgar a criação de um órgão regulador para as gigantes digitais.

Atualmente, a maior parte do consumo de notícias via Facebook acontece por meio de links compartilhados no feed de notícias de um usuário. A empresa explicou que com o Facebook News, uma equipe de curadoria do agregador de notícias Upday fará a seleção, escolhendo entre as principais notícias publicadas pelos participantes, priorizando conteúdo original.

Segundo a Techcrunch, o Upday seria uma colaboração conjunta entre a editora alemã Axel Springer e a Samsung, que também opera um serviço de notícias em seus telefones alimentados por ela.

Este é um ponto que gerou controvérsia logo que o acordo foi anunciado. Ao comentar o lançamento, o editor de mídia da BBC, Amol Rajan, afirmou:

“O Facebook sempre disse que não quer tomar decisões editoriais. Ele terceiriza a verificação de fatos para organizações como a Full Fact e terceirizará a curadoria deste serviço de notícias para uma organização chamada Upday, encarregada de selecionar matérias ‘confiáveis’ e ‘relevantes’, o que quer que um editor de plantão decida o que isso significa”. 

Jesper Doub, director de parcerias jornalísticas do Facebook na Europa, disse que a nova seção “constitui um investimento plurianual que permitirá ao verdadeiro jornalismo estar ao alcance de novos públicos, enquanto são oferecidas aos editores mais oportunidades publicitárias e assinaturas”. Ele destaca também que o objetivo é aproximar o usuário de “histórias que têm impacto em sua vida e na comunidade que o cerca”.

A empresa diz estar negociando para implementar o Facebook News em outros países como França e Alemanha. O MediaTalks já havia publicado sobre o acordo no começo de dezembro do ano passado.

O acordo contemplou inicialmente algumas das principais organizações jornalísticas britânicas, como Guardian, Reach (Daily Mirror), Daily Star, Archant (que publica jornais regionais importantes), The Economist, Conde Nast, ESI Media (Evening Standard), JPI Media (Scotsman), Illife (editora de jornais regionais) e Hearst (editora de revistas como Country Living e Women’s Health).  Entre os grandes editores, ficaram de fora o grupo News Corp, que publica o The Times e o The Sun, e o DGMT, dono do Daily Mail.

O Facebook não comentou quanto investirá no programa, mas o The Guardian antecipou que “alguns editores esperam ganhar milhões de libras por ano com os acordos de longo prazo assinados com a rede social“. O jornal afirma que fontes da indústria estimam que a conta anual total do Facebook deve chegar a dezenas de milhões somente no Reino Unido.

Segundo a empresa, o Facebook  gera para as editoras participantes mais de 95% de tráfego de novos leitores. Em agosto, a empresa havia revelado planos de expandir o serviço para vários países, incluindo o Brasil. Mas agora menciona apenas França e Alemanha como os próximos da lista, embora Aida sem data de lançamento:

“Continuaremos a trabalhar com editores em países onde as condições de mercado e os ambientes regulatórios convidem a esse tipo de investimento e inovação”.

Na França, o Facebook também anunciou em dezembro um acordo com algumas editoras de jornais e revistas para pagar pelo conteúdo, só que em resposta a uma decisão judicial que o obrigou a negociar com as empresas jornalísticas.

Novas leis a caminho 

A decisão de priorizar o Reino Unido é tomada em um momento de alta pressão sobre as plataformas para amenizar seu impacto sobre a indústria de mídia no país e na União Europeia.

No comunicado em que anunciou a Unidade de Mercados Digitais (DMU) no dia 27/12,  o governo britânico foi explícito quanto a esse objetivo, ressaltando que “o código de conduta a ser aplicado pelo novo órgão regerá a relação comercial entre empresas jornalísticas e plataformas, a fim de ajudá-las a se manterem no mercado e de garantir acordos justos para os editores“.

A unidade, que começa a funcionar em abril, ficará sob a responsabilidade da poderosa autoridade de concorrência britânica, a CMA (Consumers Market Authority). Sua implantação é uma das recomendações de um extenso relatório examinando o impacto das plataformas sobre jornalismo, negócios e privacidade dos usuários feito pela própria CMA, que servirá como base para a elaboração do código de conduta.

A União Europeia anunciou também em dezembro o que classificou de reforma ambiciosa no ambiente digital. O anúncio veio duas semanas depois de a Grã-Bretanha anunciar a criação da Unidade de Mercados Digitais, demonstrando que apesar do Brexit, ilha e continente estão em boa sintonia quando o assunto é regulação das plataformas.

Trata-se, segundo o documento apresentado em Bruxelas, de “um conjunto abrangente de novas regras para todos os serviços digitais, incluindo redes sociais, mercados virtuais e outras plataformas online que operam na União Europeia”. O pacote é composto por duas legislações complementares: a Lei de Serviços Digitais e a Lei de Mercados Digitais, que valerão para os 27 países da comunidade.

Em muitos aspectos essas legislações afetam direta ou indiretamente a indústria jornalística, sobretudo em concorrência − já que envolvem o mercado publicitário − e conteúdo, pelo efeito que pode ter sobre a desinformação e valorização de informações confiáveis.

 

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