Se a Coroa Britânica apanhou com acusações de perpetuar mentiras, praticar bullying e até racismo, a imprensa britânica também levou golpes duros na entrevista de Meghan e Harry ao programa de Oprah Winfrey na noite deste domingo (7/3) na rede americana CBS. Meghan acusou a família e os assessores de proibi-la de dar entrevistas livremente, de não defendê-la da intrusão implacável da imprensa e do tom da cobertura, que tachou de falso e enganoso.

O casal travou guerra com os tabloides britânicos desde que se uniu, e vem tomando diversas medidas legais contra eles. Em 12 de fevereiro, Meghan ganhou um processo na Suprema Corte do Reino Unido contra o Mail on Sunday por publicar trechos de uma carta de 2018 para seu pai, Thomas Markle, após seu casamento com o príncipe Harry. Falando sobre o julgamento, ela disse: “O dano que eles causaram e continuam a causar é profundo”.

Mas o desconforto com notícias negativas não tem vindo apenas por matérias publicadas pelos tabloides. Na semana passada, coube ao respeitável The Times revelar que funcionários da equipe de comunicação do Palácio de Kensington denunciaram ter sofrido bullying por parte da duquesa, o que provocou a abertura de uma investigação formal.

O debate disparado pelas declarações do casal sobre a imprensa não é novo, nem exclusivo dos Sussex. A relação de amor e ódio de celebridades com a imprensa e com as redes sociais é recorrente, mas poucas vezes foi exposta com tamanha magnitude.

Mesmo antes da entrevista a Oprah, o casal já via sinalizando que este seria um dos temas. No mês passado, o príncipe Harry disse ao apresentador James Corden, em uma entrevista passeando por Los Angeles em um ônibus aberto, que suas experiências com a imprensa acabaram contribuindo para que ele se afastasse da família:

“Todos nós sabemos como pode ser a imprensa britânica e isso estava destruindo minha saúde mental”, disse ele.

Meghan não poupou os jornais, dizendo que por causa da pressão dos tabloides pensou em cometer suicídio. E acha que havia dois pesos e duas medidas na forma como a mídia cobriu assuntos relacionados a ela em comparação ao tratamento recebido por Kate Middleton.

“Agora vejo melhor o que estava em jogo naquele momento. Eles realmente pareciam querer uma narrativa de herói e vilão”, disse Meghan.
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A imprensa também foi exposta nas revelações sobre o episódio em que Kate teria sido levada às lágrimas durante uma prova de roupas que antecedeu ao casamento. Segundo Meghan contou a Oprah, a história teria sido oposta: ela é que teria chorado, a ponto de a futura rainha da Inglaterra ter pedido desculpas e levado flores.

Mas sobrou de novo para a imprensa, pois Meghan reclamou de essa versão nunca ter aparecido publicamente – talvez por nunca ter sido contada, nem mesmo por ela própria, pois é difícil imaginar que um jornal abrisse mão desse furo, sobretudo no momento em que Meghan desfrutava de alta popularidade.

Na entrevista, Meghan e Oprah fizeram referência ao fato de que um assessor real estava ouvindo, em fevereiro de 2018, o primeiro telefonema entre elas após o casamento, embora saiba-se que a duquesa e a apresentadora já haviam falado em particular antes disso. Meghan acusou a família real de amordaçá-la:

“É realmente libertador poder ter o direito e o privilégio de dizer sim, estou pronta para falar, de poder fazer minha própria escolha e falar por mim mesma.”

Meghan e Harry também sugeriram haver um acordo tácito entre a imprensa sensacionalista britânica e a Coroa, com um lado alimentando o outro. A duquesa chegou a lembrar sobre festas de verão realizadas pela realeza envolvendo os tabloides. Harry disse que eles não se importam com a idoneidade das fontes – se são criminosos ou corruptos.

As acusações de racismo não atingiram apenas a realeza, mas respingaram na imprensa britânica. Nos comentários e análises após a entrevista do casal para a CBS, muitos têm associado o tratamento dado a Meghan ao fato de ela não ser branca e britânica. Esse sentimento foi corroborado por manifestações de pessoas influentes como a tenista Serena Williams, mencionando a imprensa diretamente.

 

O outro lado: assessores reais dizem que Meghan tinha total controle de suas entrevistas

O jornal britânico The Telegraph, alinhado ao pensamento conservador e aos valores da monarquia britânica, disse que ter confirmado com diversas fontes uma outra versão: a de que Meghan detinha controle total sobre suas entrevistas e mantinha relacionamentos pessoais não apenas com Oprah, mas com outras figuras poderosas da indústria, incluindo o editor da Vogue, Edward Enninful, com quem colaborou para a capa de uma edição da revista em 2019.

Essas fontes confirmaram que Meghan e Oprah tiveram um encontro particular no Palácio de Kensington logo após o telefonema mencionado na entrevista, sem a presença de funcionários de relações públicas do palácio. Uma fonte real disse:

“Foi a duquesa que comandou todos os acontecimentos. Ela recebeu conselhos, mas no final foram Meghan e Harry que tomaram as decisões.”

Outro assessor revelou que a duquesa decidia quais pedidos queria atender:

“Essa ideia de amordaçamento e de que pedidos de entrevistas foram vetados pelo palácio simplesmente não é verdade. A instituição não se envolveu quando se tratou do relacionamento de Meghan com a imprensa. Eles recebiam pedidos diariamente de todo o mundo. Um pedido chegava, a duquesa decidia se queria atender, e tudo era organizado.”

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Essas fontes reais ouvidas pelo The Telegraph disseram que até o casamento a equipe de relações públicas do palácio cuidava do relacionamento com a imprensa. Foram eles que estavam à frente no anúncio do noivado, em novembro de 2017, quando Meghan e Harry deram uma entrevista a Mishal Husain, da BBC, especialmente selecionado pela equipe.

Mas a situação mudaria. Depois de trabalhar no casamento real em maio de 2018, a equipe de relações públicas do palácio foi “posta de lado”, pois Meghan passou a dar cada vez mais atenção à sua equipe de consultores dos Estados Unidos, incluindo seu ex-agente Nick Collins, seu gerente de negócios Andrew Meyer e seu advogado Rick Genow.

Como foi a cobertura 

No domingo, antes da entrevista, as primeiras páginas variaram entre especulações sobre o que seria falado, sobre se a rainha iria assistir e críticas ao momento da entrevista, quando o país ainda vive o pesadelo da pandemia e o príncipe Philip está hospitalizado há duas semanas.

 

Depois de tratar a entrevista com certo desdém, chamando de um espetáculo secundário, o Daily Mail, que faz parte do mesmo grupo do Mail On Sunday, que perdeu o processo movido por Meghan, dedicou mais de vinte matérias relacionadas ao especial em seu site na manhã de segunda-feira (8/3), com uma enxurrada de fotos antigas e análises. Na manchete dele e da maioria, destacou-se a acusação de racismo.

 

O apresentador do Good Morning Britain , Piers Morgan, crítico de longa data de Markle, abriu seu programa sugerindo repetidamente que o príncipe Harry havia “metralhado” sua família com a entrevista reveladora e que isso foi “tão desleal”. “Ele tem atacado sua família inteira na TV global enquanto o príncipe Phillip está no hospital”, e que “o príncipe Charles tem financiado aquele casal nos últimos 5 anos.”

“A América está destruindo nosso país e destruindo nossa monarquia agora”, disse Morgan, dando alimento aos que acusam a imprensa de preconceito por Meghan não ser britânica.

Outro tabloide, The Sun, apostou na previsão de que a entrevista fechou de vez as fronteiras do país para Meghan e Harry, sobretudo por não terem contato antes aos membros da família o que seria falado. E chegou a usar o termo “Megxile” para se referir ao exílio talvez para sempre do casal.

Famosos x imprensa, a eterna guerra 

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Não é de hoje que famosos reclamam de paparazzi, do tratamento impiedoso da mídia quando incorrem em falhas como os demais mortais – e a mãe de Harry, Diana, foi uma das vítimas mas clássicas da perseguição. Ela própria também deu uma entrevista explosiva à BBC, que ainda causa polêmica 25 anos depois.

Ocorre que celebridades não são como os demais mortais. E faturam com a fama.

Com o advento das redes sociais, o desconforto subiu à estratosfera, pois em vez de um punhado de jornalistas fazendo críticas – ou falando verdades, novamente dependendo do ponto de vista – agora são milhões de autojornalistas empoderados.

Quando resolveram deixar o Reino Unido, no chamado Megxit, no início de 2020, Harry e Meghan apontaram o assédio da imprensa e nas redes como uma das razões. Isso foi ironizado na época, já que os Estados Unidos também têm uma imprensa que adora perseguir celebridades.

Em abril de 2020, advogados do casal enviaram cartas aos editores do The Sun, parte da News Corp de Rupert Murdoch, The Daily Mail e Daily  Mirror informando que Harry e Meghan não iriam mais responder a quaisquer perguntas de seus jornalistas sob uma nova política de “engajamento zero”, exceto quando necessário e por meio de advogados.

O casal disse que se recusou a “se oferecer como moeda por uma economia de clickbait e distorção”, acusando os tabloides de publicar histórias sobre eles que eram “distorcidas, falsas ou invasivas além da razão”.

O tabloide britânico Daily Star vem expondo diariamente na capa o paradoxo de o casal reclamar do excesso de visibilidade mas ao mesmo tempo provocar situações para se tornarem notícia. Tachou-os de “publicity-shy”, passou a aplicar tarjas sobre seus olhos e ironizam cada novo movimento da dupla.

News of the World e a má fama dos tabloides 

É inegável que os tabloides britânicos por vezes passam dos limites. O caso célebre do News of The World, pertencente ao magnata Rupert Murdoch, com tiragem de quase 3 milhões de exemplares, acabou fechado em 2011 depois de grampear telefones de autoridades e famosos. O escândalo foi tamanho que deu origem a um inquérito público – o Levenson Inquiry – com propostas para mudar a regulamentação da imprensa, nunca levadas a cabo no país.

Mas as reclamações feitas por Meghan não se referem somente aos tabloides. E de certa forma acabam arrastando o jornalismo de qualidade para uma vala comum onde também estão as redes sociais, por meio das quais ela passou a ser atacada impiedosamente.

Não se pode dizer que o jornalismo não tenha nada a ver com isso. Muitos desses ataques foram pautados por notícias na imprensa séria. Algumas eram sobre deslizes à luz das demandas da sociedade, como o uso de um pouco ambientalmente aceitável jatinho para voar até Ibiza em 2019.

A notícia apareceu primeiro no Majorca Daily Bulletin, jornal local de Ibiza, que na matéria chegou a mencionar a declaração dada pelo casal um pouco antes sobre a intenção de ter apenas dois filhos para reduzir a pegada ambiental, em uma sugestão velada de hipocrisia pelo uso do avião particular.

Todo mundo embarcou na onda. O uso do jatinho virou motivo de execração pública, comparado a declarações politicamente corretas, como um discurso feito por Harry dias antes em um evento do Google sobre mudança climática, criticado por ter reunido celebridades que chegaram de jatinhos e iates à Sicília.

O embate Palácio x Meghan & Harry toma conta do noticiário britânico 

A ofensiva de relações públicas empreendida pelo Palácio de Buckingham na última semana tem sido pesada. O The Times publicou com exclusividade no dia 2/3 a confirmação de rumores antigos de que Meghan era intratável e maltratara funcionários que trabalhavam para o casal, enquanto este dividia com os gentis William e Kate o mesmo teto do Palácio de Kensington, as mesmas entidades filantrópicas, os mesmos perfis nas redes e a mesma equipe de RP. No dia seguinte, Buckingham anunciou a abertura de uma investigação.

Os limites entre cobrança por resultados e bullying podem ser difíceis de estabelecer. Mas, além de mágoas, a confusão revelou um fato concreto e desabonador: três semanas depois de o jornalista Jamal Khashoggi ter sido assassinado dentro da embaixada da Turquia por ordem do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, a duquesa de Sussex usou um brinco que ganhara do líder saudita como presente de casamento em uma solenidade durante visita às ilhas Fiji. E pediu à equipe para escrever no release que a jóia era “emprestada”.

Esse é um exemplo típico do desconforto com um fato incômodo, mas relevante. Ela própria achou por bem mentir sobre a procedência da jóia. E, ao voltar-se contra a imprensa por exibir tais fatos, adota a prática medieval de matar o mensageiro que trouxe más notícias.

Justiça simpática ao casal 

Os processos de Meghan e Harry contra jornais podem não agradar nos corredores das redações, mas o mesmo não ocorre nos tribunais. Ambos foram agraciados recentemente com decisões judiciais favoráveis.

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A mais rumorosa é a vitória de Meghan em um processo contra o Daily Mail, pela publicação de trechos da carta enviada por ela ao pai, em 2019, rompendo o relacionamento. No dia 2 de março, o juiz Mark Warby determinou indenização (ainda provisória, podendo aumentar) de £ 450 mil à duquesa.

O valor não é o único motivo a comemorar. Decidiu-se por um julgamento sumário, em que o jornal não pôde apresentar testemunhas. E entendeu que além de invasão de privacidade houve quebra de direitos autorais. Na sexta-feira (5/3), nova derrota para a News Association: o juiz determinou a publicação da notícia sobre o veredito favorável à  duquesa na primeira página. E deixar a informação durante uma semana em destaque no MailOnLine.

O veredito foi recebido com desconforto, pelo precedente aberto para que famosos acionem judicialmente a imprensa usando a mesma tese de quebra de privacidade de direitos autorais, no caso de documentos privados.

Já Harry processou a Associated Newspapers por matérias no Mail on Sunday afirmando que ele havia dado as costas às Forças Armadas ao mudar-se para os Estados Unidos. Em dezembro, o jornal teve que publicar um pedido de desculpas e fazer uma doação para a fundação que administra os Jogos Invictus, dos quais ele é patrono.

Em dezembro, Meghan fez um acordo de privacidade com a agência britânica Splash UK – que está em processo de concordata – por causa de fotos dela e do filho Archie tiradas no período em que moraram no Canadá, depois de deixar o Reino Unido. Pelo acordo, a agência assumiu o compromisso de não voltar a produzir fotos do casal ou do filho.

 

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