O advento da internet trouxe grandes problemas para as organizações jornalísticas tradicionais: primeiro, acabou com os monopólios geográficos que desfrutavam. Depois, aumentou exponencialmente a concorrência, permitindo que veículos online independentes passassem a oferecer conteúdo e disputar com elas a preferência do público.

Por fim, colocou entre elas e sua audiência um intermediário, já que a maioria das pessoas passou a se informar por meio das mídias sociais e dos agregadores de notícias.

Mas com as plataformas de mídias sociais focadas em postagens curtas, o scrollytelling, com seus materiais mais longos e elaborados, pode ser a compensação trazida pela internet como redenção para as organizações de notícias não dependerem tanto das mídias sociais, reengajarem seu público e garantirem sua sobrevivência. Esse caminho é defendido pelo cientista de dados Benoit Pimpaud, em artigo para o site UX Planet.

O que é o scrollytelling?

É a evolução do storytelling, a partir de sua combinação com o scrolling, ou seja, é a narração de histórias por meio da rolagem das telas de nossos dispositivos.

Mas antes vale esclarecer melhor o conceito de storytelling. Pense nesta matéria que você está lendo, no episódio de sua série favorita, no anúncio da TV ou nos tuítes que você acompanha: todos eles contam histórias. A storytelling, ou a narração de histórias, está em todo lugar.

Yuval Harari, autor do best-seller Sapiens, sentenciou que o “Homo Sapiens é um storytelling animal”. E que a prática de contar histórias surgiu com o próprio homem, fazendo com que a espécie passasse a acreditar nas mesmas histórias e assim cooperasse entre si e dominasse o mundo.

Forma de narrar é tão importante quanto o conteúdo

Tanto quanto o conteúdo, a forma de contar a história passou a se tornar importante. Logo se descobriu que por melhor que seja o conteúdo, o entendimento e a lembrança dos conceitos pode ser mais eficiente dependendo da maneira como as ideias são apresentadas.

O livro mais lido do mundo, a Bíblia, não teria feito tanto sucesso sem as parábolas. E assim a técnica de apresentação de ideias foi evoluindo. E sobreviveram as que melhor se adaptaram aos novos tempos, como já ensinava Darwin.

A narrativa do momento

Num mundo em que o celular e o tablet passaram a imperar com suas telas rolantes, Pimpaud ressalta que o scrollytelling tem se firmado cada vez mais como a forma de narrativa do momento. Não é algo novo. O conceito surgiu no início da década passada. Nos últimos anos, trabalhos memoráveis foram veiculados.

Veja este ótimo exemplo indicado por Pimpaud. Foi publicado pela National Geographic para comemorar o “Ano do Pássaro” em 2018 nos Estados Unidos. Clique na imagem para ver as estratégias migratórias de bilhões de pássaros de sete das principais espécies que habitam aquele país:

Rolagem é a experiência mais intuitiva do usuário

Pimpaud destaca que a rolagem é o tipo de experiência do usuário (UX na sigla em inglês) mais fácil e intuitiva em dispositivos digitais: até crianças pequenas mostram capacidade de brincar com tablets táteis.

Além disso, ele reforça, a rolagem não se limita a telas táteis. Funciona muito bem no computador também. Telas maiores destacam elementos gráficos e fornecem uma experiência de usuário mais forte.

Com o desenvolvimento da tecnologia, o scrollytelling foi agregando novos recursos e atualmente é uma das formas mais poderosas de contar histórias multimídia do jornalismo de dados e visual. Clique na imagem abaixo e veja este outro ótimo exemplo destacado por Pimpaud. Foi publicado pelo The New York Times, em dezembro de 2019, demonstrando como os Estados Unidos se tornaram uma nação sem privacidade a partir do rastreamento de 12 bilhões de celulares:

Domínio da apresentação do conteúdo na mão de quem o absorve

Rolar para baixo ou para cima para avançar ou retroceder em uma história a qualquer momento, pausá-la para refletir ou repeti-la para entendê-la melhor mantém o leitor ativamente “em contato” com a história, enquanto a explora em sua própria velocidade. Pimpaud enfatiza que é mais fácil envolver os leitores com a sensação de exploração e controle que a rolagem traz.

Com o scrollytelling, o leitor pode ver a animação e voltar para conferir um gráfico. Ver o vídeo e esclarecer melhor o tópico lido no texto. Entender mais facilmente as ideias com a comunicação gráfica do jornalismo de dados em movimento. Uma forma de narrativa que passa o domínio da apresentação do conteúdo de quem o produziu para quem o está absorvendo.

O poder do scrollytelling pode ser medido pelo surgimento de publicações exclusivamente com esse tipo de narrativa, como a britânica The Pudding, uma publicação digital de jornalismo visual especializada em cultura. Clique na tela abaixo para explorar sua última matéria publicada, na qual ela convida o leitor a sair da sua “bolha musical” e explorar as músicas mais ouvidas em cada uma das principais cidades do mundo, inclusive brasileiras:

Narrativa exige tempo, investimento e equipe multidisciplinar

Criar uma peça de scrollytelling exige tempo, investimento e a colaboração entre diversos profissionais, incluindo jornalistas, designers e programadores. Desenvolver uma ótima peça fluida e envolvente é um trabalho de longo prazo, que vai na contramão do mundo do jornalismo dominado pelas breaking news instantâneas. Mas pode ser uma grande aposta vencedora, por ser um conteúdo exclusivo num mundo de informações comoditizadas.

Por isso várias redações ao redor do mundo se movimentam nessa direção. E um novo filão, o do “slow journalism”, aposta firme nessa narrativa. Na sequência  de movimentos semelhantes como o “slow food”, os veículos dessa linha apostam num jornalismo mais lento e reflexivo, com alguns deles publicando apenas uma peça de scrollytelling por semana. Um dos grandes expoentes do “slow journalim” é o norte-americano ProPublica, especializado em jornalismo investigativo, que foi o primeiro veículo online a ganhar um prêmio Pulitzer.

Clique na imagem abaixo para explorar uma das últimas peças publicadas pelo ProPublica. O veículo compilou mais de 500 vídeos postados na rede Parler, a preferida dos apoiadores de Trump, antes de ela ser retirada do ar. Todos mostram cenas captadas no dia 6 de janeiro, data da invasão do Capitólio. Podem ser vistas em sequência de tempo e divividas em três áreas: na cidade de Washington, junto do Capitólio e dentro do Capitólio. Dá ao leitor a visão mais abrangente possível do que foi um dos eventos mais sombrios da história recente norte-americana na visão dos próprios participantes:

Outros ótimos exemplos poderiam ser mostrados. E serão cada vez mais frequentes. Quem rolar, verá.

 

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