A campanha eleitoral americana passou, Joe Biden completou 100 dias de governo, mas veículos de imprensa que se notabilizaram pelo apoio incondicional ao ex-presidente Donald Trump continuam firmes em seu alinhamento, contribuindo para a polarização da sociedade. 

O caso da repórter Laura Italiano, que no dia 27/4 demitiu-se do New York Post acusando o jornal de tê-la obrigado a escrever uma matéria falsa sobre a Vice-presidente Kamala Harris, é o mais novo sinal de que as eleições parecem ainda não ter acabado para alguns. E coube ao Washington Post, que sempre se posicionou frontalmente contra o ex-presidente, desmascarar a farsa. 

Não é a primeira vez que um repórter é denunciado por ter publicado uma matéria falsa intencionalmente. Mas a história envolvendo Italiano vai além da falha individual.

O New York Post, que pertence ao império do magnata Rupert Murdoch, é um tabloide sensacionalista que sempre apoiou Trump abertamente. Na campanha eleitoral chegou a ser suspenso pelo Twitter por promover na plataforma uma reportagem sobre o filho do então candidato Joe Biden, revelando dados retirados de um antigo computador dele que havia sido abandonado em uma oficina. 

O Twitter considerou que a extração das informações eram trabalho de um hacker, o que infringe as normas da plataforma. 

A matéria falsa

A matéria que deu origem ao escândalo, publicada no dia 23/4, afirmava que crianças migrantes estavam recebendo cópias de um livro de autoria da vice-presidente Kamala Harris como parte de um “kit de boas-vindas”.

O artigo, que foi publicado também online, trazia o título de primeira página “Kam On In” na edição impressa.

Baseado numa imagem da agência de notícias Reuters que mostrava o livro infantil “Superheroes Are Everywhere” de autoria de Harris sobre um berço em um abrigo para migrantes, a matéria do tabloide de Nova York sugeria que a obra da vice-presidente estaria sendo distribuída em massa para crianças levadas ilegalmente para os Estados Unidos.

O desmentido

O Washington Post desmascarou as alegações na terça-feira (27/4), demonstrando que o artigo estava inteiramente baseado na imagem captada num abrigo em Long Beach, na Califórnia, de um único exemplar do livro infantil de Harris publicado em 2019.

Na realidade, os exemplares do livro de Harris foram algumas das doações recebidas por uma campanha de arrecadação de itens para crianças em toda a cidade, disse um porta-voz do abrigo ao The Washington Post.

A reação do New York Post

Depois de desmascarado pelo The Washington Post, o New York Post retirou momentaneamente sua matéria do ar. Em seguida, a republicou corrigida, acompanhada de uma nota do editor:

 “A versão original deste artigo dizia que crianças migrantes estavam recebendo o livro de Harris em um kit de boas-vindas, mas foi atualizada para observar que apenas uma cópia conhecida do livro foi dada a uma criança. ”

A reação da repórter autora da matéria

A repórter Laura Italiano, autora da matéria, se demitiu no mesmo dia que a história foi desmascarada.

Num tuíte à noite, ela disse que havia apresentado sua demissão aos seus editores no New York Post. Segundo o The Washington Post, ela trabalhava desde a década de 90 no tabloide.

Num segundo tuíte publicado dezessete minutos depois, ela confirma que a história era falsa, mas que tinha recebido a ordem de escrevê-la e que esse foi o motivo de ter rompido com o jornal:

“A matéria de Kamala Harris – uma história falsa que recebi a ordem de escrever e que não tive força suficiente para derrubar – foi meu ponto de ruptura”.

Mas nas redes as opiniões ficaram divididas, com muitos recriminando a jornalista por ter participado. E por só ter se demitido depois que o caso se tornou público. 

Num tuíte no final do dia, o Washington Post assim resumiu o caso:

“Uma matéria do New York Post sobre Kamala Harris desencadeou uma indignação conservadora. Quase toda a matéria estava errada. Agora a repórter pediu demissão.”

Fake news na mídia não terminaram com saída de Trump

A história desencadeou um ciclo de desinformação de vários dias entre os líderes republicanos e nas mídias sociais de seus seguidores. Entre os boatos que repercutiram, foi sugerido que Harris estaria usando os fundos do contribuinte para lucrar com a situação na fronteira sul do país.

A notícia também repercutiu na grande mídia. O fato voltou a preocupar aqueles que achavam que a era das fake news na mídia norte-americana iria refluir com a saída de Trump da Casa Branca.

O Huffpost menciona que um repórter da Fox News chegou a questionar a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, sobre o livro na primeira coletiva de imprensa depois da publicação da matéria. A  Fox veiculou na TV sua própria versão do artigo, além de ter mencionado a história em pelo menos cinco programas diferentes de rádio.

A emissora continua pregando as teses de Donald Trump. Mas anda às voltas com um processo de US$ 4,3 bilhões movido por empresas de software que se consideraram prejudicadas por sugestão de terem participado de fraude eleitoral. 

O ex-presidente não ama a imprensa. E ficou de mal com as redes sociais depois de ter sido excluído por causa da invasão do Capitólio.

Durante cinco anos e meio – do lançamento da candidatura até ser banido do Twitter, em janeiro – tuitou uma vez por dia em média contra jornalistas e veículos, segundo levantamento de uma organização de monitoramento americana. 

Trump continua fora das redes, e já anunciou que vai lançar sua própria plataforma de mídia social, sem moderação de conteúdo. Enquanto isso não acontece, Fox e New York Post continuam firmes ao seu lado, com uma linha editorial feita sob medida para agradar os saudosistas do ex-presidente. 

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