No mesmo dia em que 11 pessoas foram presas pela polícia britânica, acusadas de racismo online contra jogadores da seleção inglesa, a associação que representa as principais ligas do país, PFA, divulgou um estudo mostrando que casos de abuso online vêm aumentando, apesar dos esforços públicos para combatê-los.

O trabalho foi feito usando a tecnologia de inteligência artificial para identificar a origem e natureza dos abusos. A entidade atacou duramente as plataformas, questionando o argumento de que não há recursos tecnológicos capazes de encontrar os que praticam abusos. 

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O presidente-executivo da PFA, Maheta Molango, ex-jogador de futebol suíço que acaba de assumir o comando da entidade, disse: “Chegou a hora de passar da análise à ação. O trabalho mostra claramente que existe tecnologia para identificar abusos em grande escala e as pessoas por trás de contas ofensivas. Se o sindicato dos jogadores pode fazer isso, os gigantes da tecnologia também podem. ”

Jogadores se uniram ao coro. O ex-zagueiro do Manchester United e da Inglaterra, Rio Ferdinand, afirmou: “Agora é a hora de mudar. Se temos esse tipo de tecnologia à nossa disposição, por que as empresas de mídia social não a usam para eliminar o abuso racista e discriminatório?”

Final da Eurocopa foi a gota d’água 

O episódio da final da Eurocopa, quando os jogadores Marcus Rashford, Bukayo Saka e Jadon Sancho perderam pênaltis e foram alvo de  ataques em suas redes sociais, mobilizou autoridades e celebridades, do futebol à monarquia, contra o racismo online.

A PFA foi uma das primeiras a se manifestar na ocasião, já enquadrando a situação como um caso de polícia. A pressão foi ganhando apoio, com posicionamentos do primeiro-ministro e do príncipe William, entre muitos outros, até culminar nesta quinta-feira (5/8) na detenção dos suspeitos.

O jogador Buyako Saka, da seleção inglesa. (Reprodução/Instagram)
Twitter mantém mais da metade das ofensas racistas online

Centrado no Twitter, o estudo feito pela empresa Signify monitorou 6 milhões de posts feitos durante a temporada 2020/2021 do futebol inglês, e também durante o período da Eurocopa. Entre o começo e o fim dos torneios, os posts racistas tiveram uma alta de 48%. 

A pesquisa patrocinada pela associação aponta ainda que mais da metade (56%) das ofensas racistas detectadas e relatadas ao Twitter permanece online até hoje. O restante foi tirado do ar.

Entre usuários flagrados na infração, que tiveram posts bloqueados, apenas 15% perderam suas contas na rede social.

“Os dados deste relatório sugerem que as plataformas estão se concentrando na remoção de postagens individuais e ofensivas, em vez de responsabilizar aqueles que as escrevem”, afirma a PFA.

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O capitão do Watford e representante do conselho de jogadores da Football Association,  Troy Deeney, disse: “As empresas de mídia social são grandes negócios,  com os melhores profissionais de tecnologia. Se eles quisessem encontrar soluções para o abuso online, eles poderiam. Este relatório mostra que eles estão optando por não fazê-lo. Quando é o suficiente, o suficiente? Agora que sabemos que contas abusivas e sua afiliação a um clube podem ser identificadas, mais deve ser feito para responsabilizar essas pessoas. ”

Agressões têm origem no Reino Unido na maioria dos casos

Os pesquisadores ressaltam a baixa atividade de robôs ou ataques coordenados, o que reforça o caráter espontâneo dos xingamentos. Todo perfil da rede social identificado como robô foi removido das estatísticas.

O estudo afirma ainda contrariar o senso comum do debate britânico sobre ataques online, de que seriam de pessoas de fora do Reino Unido, e também de que a detecção dos infratores esbarraria na proteção de dados pessoais.

Metade das contas de infratores monitorados tem origem no Reino Unido. A América do Sul, por exemplo, é responsável por 3% dos perfis classificados como autores de ofensas online.

(Divulgação/PFA/Signify))
Moderação do Twitter falha, aponta associação

A PFA critica o método de moderação do Twitter, que chama de um “simples filtro de palavras”, o que seria uma estrutura simplória diante dos nuances dos ataques.

Recentemente uma reportagem da BBC mostrou que o Instagram mantinha no ar emojis de macacos em comentários claramente racistas. A empresa admitiu publicamente a falha de moderação.

Um dos exemplos usados pela pesquisa britânica é um post do jogador brasileiro Gabriel Jesus, em que ele tenta se desculpar pelo desempenho ruim do Manchester City em partida da Premier League.

A sequência de comentários usa emojis de macacos, xingamentos e uma foto do jogador, ainda em sua comunidade no Brasil, pintando sua rua de verde e amarelo para a Copa do Mundo de 2014. 

Homofobia supera racismo como fonte de ataques, diz estudo

Apesar do foco no combate ao racismo, a pesquisa da PFA mostra que a homofobia ainda é a fonte de mais ofensas online contra jogadores atuando no futebol inglês. Na Eurocopa, o racismo teve seu pico de fato com a final, mas durante o torneio os posts monitorados tinham em sua maioria conteúdo homofóbico.

O mesmo acontece na liga feminina de futebol da Inglaterra, onde o sexismo, o assédio sexual e a homofobia são temas de 90% dos ataques dirigidos às jogadoras no Twitter.

Do total monitorado e identificado como ataques homofóbicos, 84% não foi retirado do ar pelo Twitter, aponta o estudo.

(Divulgação/PFA/Signify)
Combate ao racismo nas redes já vinha sendo cobrado

Entidades e jogadores do futebol inglês vêm pressionando e fazendo boicotes às redes sociais, para que tomem ações mais incisivas contra usuários autores de abusos online.

Após o início das investigações do caso da Eurocopa, o primeiro-ministro esteve com representantes do Facebook e do Twitter, que se comprometeram a colaborar, fornecendo dados de agressores.

Nesta quinta-feira, no comunicado em que detalhou a prisão dos acusados, a polícia britânica afirmou que aguarda a identificação pelas empresas de 50 perfis de redes sociais para avançar no inquérito.

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