Chris Cuomo, apresentador da CNN americana e irmão do ex-governador de Nova York que se afastou do cargo por denúncias de assédio sexual, voltou às manchetes ao admitir que em 2005 tocou inadequadamente uma colega de trabalho, Shelley Ross, então produtora da ABC News, onde os dois trabalhavam.

Em agosto, Chris havia sido criticado por ter ajudado o irmão a se defender das acusações, atitude que foi considerada por muitos um conflito de interesses devido à sua posição na rede de TV, colocando em questão sua isenção.

O jornalista se manifestou após Ross tornar o episódio público em texto publicado no jornal The New York Times acusando-o de assédio sexual, e afirmou que o encontro “não foi de natureza sexual”.

Produtora viu hipocrisia em declarações e imagem de Cuomo no caso do irmão governdaor

Andrew Cuomo, irmão do jornalista, deixou o governo após uma série de mulheres alegarem assédio sexual e conduta imprória. O assunto é investigado pela procuradoria-geral estadual.

Segundo Ross deixa claro em seu texto no jornal americano,  ela decidiu trazer o episódio à tona por achar inadequado o desfecho do caso do ex-governador, uma vez que o jornalista admitiu ter aconselhado o irmão sobre como conduzir a questão após as queixas se tornarem públicas.

O apresentador continuou na CNN, e apesar de críticas na mídia especializada, não sofreu nenhuma punição, apenas se manifestou publicamente aos espectadores afirmando que aconselhou o então governador “como irmão”. Uma pesquisa mostrou que ele perdeu audiência entre o público feminino. 

Chris Cuomo volta à TV, reitera desculpas pelo escândalo do irmão, mas perde audiência entre mulheres

Shelley Ross escreveu no Times: “dado o papel do sr. Cuomo como defensor e conselheiro de seu irmão, fico novamente pensando sobre sua relação com a verdade e a responsabilidade.

Este homem sempre se preocupou ‘profundamente’ com as questões de assédio sexual [se referindo a declarações dadas por Cuomo em seu programa]? Ele acredita o suficiente na responsabilidade para se apresentar e realizar algumas ações significativas?”

Nesta quinta-feira (23/9), Cuomo emitiu uma declaração: “Como Shelley reconhece, nossa interação não era de natureza sexual. Aconteceu há 16 anos em um ambiente público, quando ela era uma importante executiva da ABC. Eu me desculpei com ela então, e eu fui sincero.”

Cuomo abordou produtora em bar, na frente do marido dela

Ross, uma produtora executiva veterana que teve longos períodos na ABC e CBS, na sexta-feira acusou Cuomo de assédio sexual durante uma festa da empresa. O apresentador teria tocado a nádega da produtora em frente ao marido dela.

“Quando o sr. Cuomo entrou no bar do [bairro nova-iorquino] Upper West Side, ele caminhou em minha direção e me cumprimentou com um forte abraço, enquanto abaixava uma das mãos para agarrar e apertar com firmeza a bochecha da minha nádega.”

Cuomo, disse ela, disse que ele podia fazer isso “agora que ela não era mais sua chefe”. 

“Nunca pensei que o comportamento do sr. Cuomo fosse de natureza sexual. Quer ele tenha entendido na época ou não, sua forma de assédio sexual foi um ato hostil com o objetivo de diminuir e menosprezar sua ex-chefe na frente da equipe”, analisou Ross.

Outro caso 

A rede ABC enfrenta outro caso de assédio. No início de setembro, Kirstyn Crawford, que foi produtora no programa Good Morning America, um dos shows de maior audiência no EUA, entrou com processo na Suprema Corte do Estado de Nova York alegando que Michael Corn, todo-poderoso do programa  assediou em 2015, durante uma viagem de negócios a Los Angeles.

Ela afirma que a ABC sabia da situação e ainda promoveu o executivo.

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O e-mail de Cuomo

Segundo a produtora Shelley Ross, após cerca de uma hora do episódio no bar, o jornalista a escreveu pedindo desculpas, e, na visão de Ross, procurando se prevenir legalmente sobre o acontecido. Cuomo é formado em direito.

O jornalista escreveu: “Agora que penso nisso … estou envergonhado …” no assunto do e-mail e pediu desculpas. 

“Embora minha saudação tenha sido uma função de estar feliz em vê-lo … Christian Slater foi preso por um (tipo de) ato semelhante (embora nascido de uma alegada intenção negativa, ao contrário da minha) … e como marido, posso ter empatia por não gostar de ver minha esposa ser acariciada como tal … então passe minhas desculpas ao seu bom e nobre marido … e peço desculpas a você também, por colocá-lo em tal posição … tempo líquido, eu vou me lembrar da lição, não importa como estou feliz em ver você …”.

Ross observou que Cuomo, um ex-advogado, parecia estar se protegendo legalmente com o e-mail ao se diferenciar de Christian Slater, ator que foi acusado de apalpar uma mulher na rua. As acusações acabaram retiradas.

(Reprodução)
Produtora comenta tentativa de assédio de chefe na NBC

Em seu artigo, Ross também insistiu que não queria ver Cuomo demitido por seu comportamento no evento há 16 anos. “Espero que ele permaneça na CNN para sempre, se quiser”, escreveu ela. 

A produtora, no entanto, critica o que descreve como hipocrisia, ao observar uma trajetória em que Cuomo em um momento aconselhou o irmão sobre sua imagem num caso de assédio, e depois posou com uma camiseta escrito “verdade” nas redes sociais, sendo que já teve postura semelhante ao ex-governador no passado.

Ross menciona ainda que vem lutando contra o assédio no trabalho durante toda sua carreira de 40 anos na imprensa. Ela inclusive cita um episódio em que Roger Ailes, então chefe da emissora NBC, a propôs uma “aliança sexual” para admiti-la na redação.

“Liguei para um advogado e me preocupei que pudesse ser o fim da minha carreira na televisão.

Para minha surpresa, o sr. Ailes nunca negou. Ele se desculpou pelo que chamou de “loucura da meia-idade” e me convenceu a aceitar o emprego, prometendo que nunca teríamos outro problema. Eu aceitei, ingenuamente pensando que poderia ajudar a reformar o local de trabalho, um predador de cada vez.”

A conduta de Ailes na Fox News virou tema do filme O Escândalo (Bombshell). 

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“Eu não tenho rancor contra o sr. Cuomo”

Ainda sobre Cuomo, a produtora encerra sugerindo que o apresentador use seu prestígio para atuar de forma transparente contra o assédio sexual no trabalho. 

“Não tenho rancor do Sr. Cuomo; Eu não estou procurando por ele para perder o emprego. Em vez disso, esta é uma oportunidade para ele e seu empregador mostrarem como a responsabilidade pode ser na era MeToo.”

“Eu gostaria de vê-lo se arrepender jornalisticamente: concordar no ar para estudar o impacto do sexismo, assédio e preconceito de gênero no local de trabalho, incluindo o seu próprio, e então fazer um relatório sobre isso.”

“Chame isso de ‘A Educação Continuada de Chris Cuomo’ e torne este um momento divisor de águas, em vez de outra mancha na carreira de um âncora de notícias masculino poderoso.”

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