Londres – A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) anunciou nesta segunda-feira (27/9) a criação de um observatório internacional que terá como missão avaliar regularmente o setor de notícias e informação, mais especificamente o impacto das transformações no ambiente de mídia digital sobre a democracia. 
O anúncio foi feito durante a Cúpula para Informação e Democracia, que aconteceu em Nova York paralelamente à Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). 
O grupo de trabalho encarregado de estruturar o Observatório Internacional sobre Informação e Democracia será liderado pelo acadêmico norte-americano Shoshana Zuboff e pelo ex-secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría.
Observatório tem objetivo de se tornar um monitor mundial da liberdade de imprensa

Realizada no dia 24 de setembro, a primeira Cúpula para Informação e Democracia contou com a participação de chanceleres de vários países, do atual secretário-geral da OCDE, do diretor-geral da UNESCO (braço da ONU para a cultura) e de personalidades da sociedade civil.

O encontro foi uma das ações da Iniciativa de Informação e Democracia, que a RSF lançou há três anos com o objetivo de conceber e implementar salvaguardas democráticas no espaço global de informação e comunicação.

“Uma bomba atômica explodiu em nosso ecossistema e o campo de batalha é nossa mente: mentiras se espalham mais rápido do que fatos enfadonhos e plataformas têm um viés contra a democracia, afirmou Maria Bessa, copresidente do grupo de trabalho em infodemias e CEO da Rappler, portal de notícias das Filipinas.

Fazem parte da iniciativa 43 países, que assinaram seus compromissos. O Brasil não está entre eles. 

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No discurso de abertura, o presidente do fórum, Christophe Deloire, que também é secretário-geral da RSF, disse que o Observatório Internacional de Informação e Democracia será  “o equivalente para a ruptura democrática ao que o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) representa para a questão da do clima.” 

A RSF vem destacando a ação de governos contra a mídia em diversos países, e mantém um índice mundial com avaliação de condições de trabalho para jornalistas em 180 países, além de listar líderes globais considerados predadores da liberdade de imprensa — o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, integra o grupo.

A equipe que vai configurar o observatório, encarregada de determinar os objetivos, metodologia e recursos, será presidida conjuntamente por Shoshana Zuboff, professor Emérito da Harvard Business School e autor de The Age of Surveillance Capitalism, e Angel Gurría, ex-secretário geral da OCDE e ex-ministro mexicano das Relações Exteriores e das Finanças.

Facebook vem sendo alvo de críticas sobre critérios e impactos das redes da empresa

O fórum também anunciou a criação de um grupo de trabalho sobre sistemas de prestação de contas das plataformas de redes sociais para seus usuários, cuja composição será divulgada em breve.

O Facebook tem enfrentado críticas seguidas sobre seus critérios de moderação. Em 2020, a plataforma criou um Conselho de Supervisão externo, formado por representantes da sociedade civil, acadêmicos e jornalistas. 

Na semana passada, o conselho emitiu um comunicado cobrando mais transparência da direção do Facebook, depois que o Wall Street Journal revelou a existência de um mecanismo especial de exceção para celebridades e políticos. 

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Big Techs possuem o lobby mais poderoso da Europa

Com vários países avançando em leis para regulamentar a atuação das plataformas digitais, o lobby das Big Techs é cada vez mais pesado.

Um estudo feito por dois institutos especializados em relações governamentais e transparência demonstrou que as empresas de tecnologia são as que mais gastam para influenciar decisões políticas na União Europeia. Google, Facebook e Microsoft lideram os investimentos. 

O relatório mostra que os gastos da indústria digital com o lobby europeu atingiram o recorde histórico de € 97 milhões (R$ 600 milhões) por ano. A quantia é maior do que a aplicada por setores como farmacêutico, automotivo e financeiro.

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Observatório deve manter agenda similar à das cúpulas do clima, da ONU

“O fortalecimento e aprofundamento do trabalho dos governos signatários da Parceria para a Informação e Democracia e a sociedade civil está garantido graças à anunciada realização de reuniões ordinárias que equivalerão às Conferências das Partes, as bem conhecidas COPs [cúpulas do clima], e serão baseados em relatórios fornecidos pelo observatório, o equivalente ao IPCC. O fórum continuará produzindo recomendações concretas em seus relatórios e será um espaço de consulta e diálogo entre os governos e a sociedade civil”, disse Deloire. 

As discussões do encontro em Nova York se concentraram nas recomendações feitas em dois relatórios, um sobre Como Acabar com as Infodemias (publicado em 2020) e outro pedindo Um Novo Acordo para o Jornalismo (publicado em junho de 2021) .

Uma coalizão da sociedade civil sobre informação e democracia lançada antes da cúpula fortalecerá essas atividades por meio de uma campanha de mobilização internacional. 

A convocatória publicada pela coalizão em 20 de setembro destaca o papel central que essas organizações da sociedade civil pretendem desempenhar na criação de salvaguardas democráticas no espaço digital.

A cúpula foi presidida pelo ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, que saudou a criação do Observatório. “Esta ferramenta será particularmente útil para analisar tendências no espaço de informação global em uma base regular”, diz ele. “Este observatório também poderá alimentar nosso trabalho e nossas reflexões nas instituições multilaterais”.

O ministro anunciou um workshop sobre os objetivos do observatório no Fórum da Paz de Paris (que ocorre de 11 a 13 de novembro) e sugeriu uma nova reunião paralela à próxima Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 2022.

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