Londres – Observando o Brasil de longe desde que se mudou para Londres, há quatro anos, o publicitário Washington Olivetto acha que o melhor ativo para melhorar a imagem do país no exterior é o talento de suas pessoas.

Uma amostra desses talentos estará a partir de hoje (29/9) falando de suas carreiras e contando histórias de bastidores na primeira temporada em vídeo do programa W/Cast, que abre com um dos maiores nomes da música brasileira: Lulu Santos.

O modelo do W/Cast, gravado na casa do publicitário no Rio de Janeiro, sua base quando está no Brasil, é o de uma conversa entre amigos.

Lulu e Olivetto são amigos de longa data, e parceiros musicais em dois grandes “hits”: as regravações de “Como Uma Onda no Mar” e “Descobridor dos Sete Mares” para as campanhas do chinelo Rider, na década de 90. 

Na primeira entrevista depois do sequestro que sofreu em 2001, o publicitário disse que as duas coisas que mais queria naquele momento eram coxinha do boteco paulista Frangó e show do Lulu Santos.

Os novos episódios da série entram no ar sempre às quartas-feiras às 19h, no canal W/Cast no YouTube e nas plataformas de podcast, com nomes como Boni, Nelson Motta, Jorge Ben Jor, Paula Toller, Roberta Sudbrack, Maria Prata, Roberto Medina e João Carlos Martins relembrando histórias que viveram juntos e revelando segredos bem guardados do mundo do entretenimento.

O “namorado gênio” de Scarlet Moon de Chevalier

Na conversa com Lulu Santos, que o MediaTalks apresenta em primeira mão, Olivetto — que hoje completa 70 anos — conta como os dois se conheceram, apresentados pela então namorada do cantor, Scarlett Moon de Chevalier, com quem ficou casado até a morte dela, em 2013.

Scarlett, que formou com Lulu um dos casais mais pop do entretenimento, pediu que Olivetto conhecesse seu namorado, segundo ela “um gênio”.

E ele respondeu “ah, mais uma amiga querendo me apresentar seu namorado gênio”. Mas depois de uma noitada em um pub conversando até a madrugada, concordou que Lulu era mesmo um gênio. 

Início da carreira

Lulu conta, entre outras coisas, que não escrevia as letras das músicas que gravava no começo da carreira. E que no início chegou a gravar um single com seu nome verdadeiro, Luís Maurício, a pedido do compositor da bossa nova Roberto Menescal, então da gravadora Polygram, que achou Lulu um nome pouco artístico. 

O motivo de não escrever as letras é prosaico. Ele disse que não tinha “prática de ser um artista profissional, e era uma fantasia”, uma pessoa que tinha vontade de ser artista. E destaca o valor da fantasia para qualquer projeto: “Primeiro você precisa se encantar com a ideia de fazer qualquer coisa, e depois isso acontece”. 

O começo foi como um “carinha de classe média que tocava guitarra em grupos que entendiam inglês”, o que dificilmente se traduziria em uma colocação no mercado.

Contou que Scarlett lhe conseguiu em 1979 um emprego na gravadora Som Livre, primeiro e último que teve na vida, ao lado de Cazuza e Ezequiel Neves, trabalhando em trilhas de novelas. E que foi o responsável por inserir a canção Menino do Rio, de Caetano Veloso, na abertura da novela Brilhante. 

Ali aprendeu sobre mercado e acha que o emprego que parecia na época “um abuso” foi na verdade uma escola, onde viu o trabalho de pessoas como Lincoln Olivetti, “um dos grandes mestres de música que teve na vida”.

E foi testemunha ocular da produção de discos históricos, como Lança-Perfume de Rita Lee e Roberto de Carvalho, e a gravação de Ive Brussel por Jorge Ben. 

A carreira acabou quando o dono da Som Livre, João Araújo, perguntou se ele queria mesmo ser artista. O contrato foi cancelado no dia seguinte, e “aí sim começou a aventura”, disse Lulu.

Leia também | Recusa da vacina contra a Covid vira crise na estreia da nova temporada do Dança dos Famosos britânico 

O síndico 

Histórias de Tim Maia não poderiam faltar na conversa. O síndico gravou a canção Como Uma Onda No Mar, de Lulu e Nelson Motta, para a campanha do Rider, um dos maiores sucessos da história da publicidade brasileira, criada por Washington Olivetto. E teve seu sucesso Descobridor dos Sete Mares gravado por Lulu para a mesma campanha. 

O que nem todos sabem é que a canção não era de Tim Maia. Olivetto e Lulu relembram a história entre risadas. Depois de tudo negociado com Tim, que em momento algum disse que não era o autor, e com a música gravada, os verdadeiros autores, dois marinheiros, entraram em cena para cobrar direitos. 

Mesmo sem ser o autor da música nem o intérprete da versão para o comercial, o “síndico” fez questão de receber algo em troca. Como disse Lulu, “rolou um pedágio”. 

Os dois recordaram episódios com Tim e seu humor que variava da manhã, quando ainda sob efeito de drogas e álcool, e à noite, quando já tinha dormido e se mostrava formal e bem-comportado. E contaram histórias sobre a interação com gênio rebelde da música brasileira. 

Maconha medicinal para dormir bem 

Os dois amigos não falam só de música. Falam também de viagens e de insônia.

Olivetto conta que descobriu em uma viagem que fizeram juntos ao sul da França que Lulu não dormia sem o “mimiu”, um travesseiro de bebê de macela que não foi colocado na mala. E tiveram que sair à cata de um para que o artista conseguisse descansar. 

O cantor devolveu com outra história pessoal: que Olivetto cura a insônia com um sorvete de morango caprichado com frutas vermelhas no meio da madrugada. Lulu aproveitou para defender estudos e a liberação da cannabis medicinal para insônia. 

Histórias de bar 

O papo lembra visitas a bares e restaurantes que fizeram juntos em vários países, como um oriental em Nova York em que todos os atendentes eram drag queens orientais. 

Outra foi em Cap D’Antibes, na França, depois de um passeio para ver os iates “dos miliardários” na chamada Baía dos Milionários. Mas não aconteceu em um sofisticado bar para ricos, e sim em um “botequim pé-sujo” no porto, cheio de marinheiros ingleses mal-encarados, que não gostaram da presença dos estranhos. Lulu, que fala inglês bem, entendeu os insultos e convenceu Olivetto a desistir da ideia. 

Também riram de mais uma aventura, quando foram com um grupo a um baile funk no morro do Cantagalo, no Rio de Janeiro, com a fotógrafa Adriana Pitigliani, que Lulu chama de “curadora do funk” (já falecida), por ter aberto as portas do ritmo para o mundo.

Lulu não se arriscou a dar uma “canja”, com medo de ser mal recebido, mas conheceu lá o DJ Sany Pitbull, que Adriana ajudou a tornar conhecido. 

Resolveram sair quando já rolava “um pouco de sexo no salão”, segundo Lulu. Foram escoltados por uma saída “vip”, enfrentaram um “corredor polonês” com traficantes portando fuzis. Um deles gostou da camisa de Olivetto, e Lulu conta aos risos o inusitado de ver “os dois senhores desnudos” trocando as camisas. 

Campeão de damas 

O W/Cast não segue o formato de uma entrevista, e assim Olivetto também conta histórias pessoais, puxadas por Lulu. Uma delas, que nem entrou nas duas biografias que o publicitário escreveu, é que ele é um exímio jogador de damas, que aprendeu para disputar partidas com o avô. E chegou a ganhar um campeonato promovido por um jornal aos 13 anos. 

E que para treinar, jogava com si próprio diante de um espelho. 

Lulu não quer guerra com ninguém 

Os amigos conversaram sobre planos para o futuro.

Olivetto revelou que Lulu conhece profundamente a obra de Frank Sinatra, absorvida “por osmose dos pais”, segundo o cantor. E que há muitos anos sugerira a ele gravar um álbum com as canções do americano, mas a ideia foi abandonada em prol de criações próprias. 

Mas Lulu não está pensando ainda em Sinatra. Disse que não faz planos de longo prazo, e que seu entusiasmo imediato é o EP com quatro músicas inéditas que sai em outubro, uma delas a primeira parceria com o produtor Liminha. 

E falou do seu momento atual, em que o relacionamento com Clebson, 39 anos mais novo, o levou a um estado de conforto emocional que nunca tinha vivido antes, resultado de uma paixão que ocorre mais comumente na juventude mais ocorreu de forma mais completa na maturidade. 

Lulu disse disse que “você fica com a lente do amor e vê beleza em tudo”. E uma pessoa com conforto emocional “não quer guerra com ninguém, ou com quase ninguém”. 

Idolos heterossexuais com noivas escondidas 

Os dois conversaram sobre o passado do meio artístico, em que relacionamentos homossexuais no pop não eram aceitos. Olivetto recordou que houve um período em que diretores de gravadoras pediam aos ídolos pop para “esconderem a noiva”, para que as meninas legais não deixassem de gritar no auditório. 

Lulu comparou com os tempos atuais, e citou o rapper homossexual Lil Nas X como alguém que “faz um favor para a humanidade e para o rap, gênero que para ele é misógino e crivado de machismo, com discurso de arma, poder, dinheiro e submissão feminina”. 

E resume: “Nada como o tempo”. 

Conservadorismo no Brasil: “Ajo como se não existisse”

A série W/Cast em vídeo entra no dia do aniversário de 70 anos de Washington Olivetto. A primeira temporada, apenas em áudio, ficou entre os 25 podcasts mais ouvidos do Brasil em 2021.

Em conversa com o MediaTalks, ele analisou como a percepção sobre o Brasil no exterior mudou: “Durante anos nossa imagem era a do país da doçura, mas de uns tempos pra cá passou a ser a do país do amargor. Trocamos a alegria e a leveza das Havaianas pela sisudez e o peso dos coturnos.”

Na conversa com Lulu Santos, os dois falaram sobre o Brasil e o conservadorismo. O publicitário disse que não escreve mais o nome do presidente Bolsonaro em seus artigos, e Lulu também não.

O cantor contou que há pouco tempo tuitou dizendo “eu ajo como se não existisse, e espero que a realidade chegue no mesmo ponto que eu, fico aguardando, muito obrigado”. 

O cantor acha que Pabllo Vittar é a melhor resposta para o momento, representando “uma afronta ao status quo“. 

Melhor que Caetano 

A conversa termina com uma história envolvendo Caetano Veloso e o filho de Olivetto, Theo, fã de Lulu que desde pequeno reproduzia em casa os shows de seu ídolo.

Em uma festa de réveillon em que Caetano estava, com a sabedoria dos seus cinco anos de idade, Theo se aproximou dele e disse: “Caetano, acho você muito bom, mas Lulu Santos é melhor”.

Segundo Olivetto, Caetano concordou. 

Assista ao vídeo completo. A versão podcast está disponível também nas plataformas de áudio.

 
Leia também

Diversidade é a “coisa certa” e caminho para o lucro, aponta estudo sobre mídia, cinema, esporte e games

https://mediatalks.uol.com.br/2021/09/20/jornalistas-americanos-fecham-trilogia-de-livros-da-era-trump-e-revela-ligacao-de-general-para-evitar-guerra-eua-x-china/

Fundação Gabo faz panorama do jornalismo ibero-americano em série de podcasts estrelados por mulheres