Londres – Os elogios do porta-voz do Kremlin ao talento e coragem de um dos vencedores do Nobel da Paz, o editor do jornal independente Novaya Gazeta, não se traduziram em mudanças na política de ameaças à liberdade de imprensa na Rússia.

Horas depois de Dmitry Muratov ter sido anunciado como ganhador na sexta-feira (8/10), junto com a filipina Maria Ressa, a Rússia acrescentou mais nove jornalistas e três veículos à lista de “agentes estrangeiros”, incluindo representantes da BBC e do site investigativo Bellingcat. 

Os meios de comunicação e profissionais individuais adicionados ao registro, que agora tem 50 nomes, ficam obrigados a  seguir rigorosos requisitos de relatórios financeiros e adicionar um extenso texto explicando seu status em tudo o que publicam, incluindo postagens em mídias sociais.

Também foram adicionados ao registro repórteres da emissora americana RFE / RL e da TV independente Dozhd, o jornalista russo Dozhd Daniil Sotnikov, o jornal Kavkazsky Uzel (Nó do Cáucaso, que cobre acontecimentos na volátil região do Cáucaso do Norte), e a publicação online M.News

Sem explicações

Em entrevista ao jornal The Moscow Times, Sotnikov disse já esperar a decisão, da mesma forma que todos os jornalistas independentes devem esperar. E afirmou não saber o motivo pelo qual foi incluído, pois o Ministério da Justiça não informa as razões. 

O termo “agente estrangeiro” era usado pelos soviéticos para designar dissidentes políticos na época da Guerra Fria.

As medidas são vistas por críticos do Kremlin como forma de censura e perseguição, com alto risco de processos criminais para os que desobedecerem, além de impacto sobre as receitas publicitárias.

Leia mais | Aplicação da “lei do agente estrangeiro” na Rússia causa falências e ameaça maior site de notícias do país

Putin e o Pandora Papers

O jornalista da BBC listado como agente estrangeiro, Andrei Zakharov, trabalhou no veículo investigativo Proekt, que acabou extinto há três meses depois de classificado como “indesejável”.

Lá, Zakharov foi responsável por revelar a história sobre a suposta ex-amante do presidente Vladimir Putin e sua suposta filha extraconjugal no ano passado. O Proekt foi forçado a fechar depois de classificado como organização “indesejável”.

Esta semana o caso voltou à pauta da mídia depois que a investigação internacional sobre desvios financeiros e fiscais Pandora Papers revelou que a suposta ex-amante do presidente Vladimir Putin adquiriu um apartamento de 3,6 milhões de euros (US $ 4,2 milhões) em Mônaco.

Campanha ocidental 

Citando fontes próximas ao presidente, a Bloomberg afirmou que a revelação reforçou a crença dentro do Kremlin de que há uma campanha ocidental para manchar a imagem de Vladimir Putin.

Outros países seguem o mesmo caminho. O Parlamento de Singapura acaba de aprovar, com ampla maioria, uma lei apoiada no princípio de segurança nacional que dá ao governo poderes de censura sobre a internet e sobre as redes sociais.

Na apresentação do projeto, o governo justificou a iniciativa como uma forma de evitar que estrangeiros influenciem cidadãos e causem divisão na sociedade. 

Leia mais | Singapura aprova lei contra interferência estrangeira que permite censura sobre internet e redes sociais

Bellingcat investigou envenenamentos

O Bellingcat, com sede na Holanda, investigou os envenenamentos do crítico do Kremlin Alexei Navalny e do ex-agente duplo Sergei Skripal, bem como as atividades de inteligência militar russa na Europa. 

Moscou o acusa repetidamente de estar ligado à inteligência ocidental, uma afirmação que seus jornalistas negam.

No Twitter, o premiado veículo lamentou o anúncio no mesmo dia do Nobel da Paz. E afirmou que o objetivo do enquadramento é impedir que a mídia russa cite as investigações feitas pelo site, limitando a liberdade de imprensa. 

Entidades de defesa da liberdade de imprensa criticam fortemente o uso da lei para uma batalha contra  a mídia neste ano, com quase todos os poucos veículos de mídia independentes restantes da Rússia adicionados ao registro nos últimos meses.

Dmitry Muratov, Nobel da Paz

Muratov, o ganhador do Nobel, é editor-chefe do jornal investigativo Novaya Gazeta que ele co-fundou em 1993 com o apoio do ex-líder soviético Mikhail Gorbachev, que destinou parte do dinheiro recebido de seu próprio Nobel para equipar o jornal.

Ele dedicou o prêmio a quatro de seus jornalistas que ele morreram “defendendo o direito das pessoas à liberdade de expressão”, bem como a um advogado e ativista de direitos que havia trabalhado com eles. Foram seis os profissionais ligados ao jornal assassinados durante o governo Putin. 

Leia mais 

Nobel da Paz a jornalistas reconhece perseguição à imprensa como ameaça à paz e democracia