A anistia a presos políticos anunciada pela junta militar responsável pelo golpe em Mianmar, que governa o país desde fevereiro, beneficiou 13 jornalistas e profissionais que trabalham na mídia. 

Desde a última segunda-feira (18/10) prisioneiros vêm sendo libertados gradativamente. A promessa do governo é de que mais de 5 mil deixem as prisões, embora na quinta-feira (21) a Associação de Assistência aos Presos Políticos (AAPP) tenha informado que cerca de 100 opositores teriam sido capturados novamente. 

Mas a situação dos jornalistas preocupa as entidades de liberdade de imprensa, com estimativas de que pelo menos 38 profissionais ainda estejam presos. 

Um deles é o editor-chefe do Frontier Myanmar, Danny Fenster, de nacionalidade norte-americana, mantido no presídio de Insein, em Yangon, desde 24 de maio.

Entre os beneficiados pela anistia estão lideranças de redações que fazem oposição ao golpe, como o Mizzima News e o Voz Democrática da Birmânia. Veja abaixo o momento da liberação de alguns destes presos políticos:

“A junta militar deve fazer mais para aderir às convenções internacionais de direitos humanos e libertar imediatamente as dezenas de profissionais de imprensa que seguem indevidamente presos em Mianmar”, disse a IFJ (Federação Internacional de Jornalistas) em um comunicado. 

Para a organização Human Rights Watch (HRW), a libertação de prisioneiros da junta militar “tem alcance limitado” e não reflete uma mudança mais ampla no respeito dos militares pelos direitos humanos.

“A libertação parcial de detidos indevidamente mantidos não deve desviar a atenção da regra flagrantemente abusiva da junta, que não mudou”, disse Linda Lakhdhir, consultora jurídica para a Ásia da HRW, em comunicado na última quinta-feira (21/10).

“Alguns dos soltos já foram presos novamente. A junta deve libertar todos os detidos injustamente desde o golpe, incluindo figuras políticas de alto perfil, e acabar com todas as prisões arbitrárias.”

País foi barrado em cúpula asiática

A libertação em massa de presos políticos começou após a exclusão do chefe da junta militar da cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), um bloco regional de países. Por isso, analistas acham a anistia é uma tentativa de reparar a reputação internacional de Mianmar, e não uma mudança de atitude. 

Leia também | Em decisão histórica, corte internacional condena Colômbia por sequestro e estupro de jornalista

Depois da exclusão, o país deu início à libertação dos presos, que começou no dia do festival das luzes de Thadingyut, cerimônia tradicional no país. 

Os militares anunciaram uma libertação em massa programada de 1.316 detidos e a retirada das acusações contra 4.320 dissidentes, alguns escondidos para escapar da prisão. 

Seriam libertados prisioneiros políticos, acusados de organizar protestos ou manifestar opinião contra a junta militar. Os detidos sob acusação de terrorismo vão permanecer encarcerados.

Falta de informação sobre presos políticos leva multidões às portas de presídios

A junta não divulgou um cronograma da anistia, o que fez com que famílias migrassem para os portões das prisões em todo o país para ver se os parentes estariam entre os que ganharam a liberdade. 

Uma postagem de mídia social da Voz Democrática da Birmânia (DVB) informou que três de seus jornalistas, Min Nyo, Thet Nain Win e Aung Kyaw, foram libertados em 18 de outubro. O administrador de Mizzima, Ko James, o cofundador Daw Thin Thin Aung e o repórter Ko Zaw Zaw também foram libertados.

Na terça-feira (19/10), Htet Myat Thu, fotojornalista da Voice of Thanbyuzayat foi  libertado junto com o jornalista e escritor Tu Tu Tha, cuja família confirmou sua libertação da prisão Insein, de Yangon.  

Cinco jornalistas baseados em Kachin foram libertados da prisão de Myitkyina na quarta-feira (20/10), incluindo Myo Myat Myat Pan, Ko A Jal e Christopher, do Myitkyina News Journal, Ma Chan Bu, da 74 Media, e Ko Larol, da Kachin Wave Media. 

Jornalista americano está preso desde maio em Mianmar

As informações são de que nenhum estrangeiro está entre os libertados. A repressão do regime vem encarcerando cidadãos e também pessoas de fora do país, como o jornalista americano Danny Fenster.

Fenster, a exemplo de jornalistas da BBC e Voice of America presos em agosto no país, está sendo investigado sob a lei que criminaliza a dissidência e cuja pena pode ser de até três anos de prisão, usada pelo regime como coerção ao trabalho dos jornalistas em Mianmar.

Leia mais | Jornalista americano completa 100 dias preso sem acusação em Mianmar; campanha pede libertação

A família virou uma campanha para pressionar pela libertação do jornalista, que está no centro de interrogatórios de Insein, em Yangon, apontado como prisão famosa por violações dos direitos humanos.

A décima audiência do jornalista foi na sexta-feira passada. Em entrevista a um jornal de Detroit, seu irmão Bryan Ferster, disse que ele continua indo aos tribunais e sendo mandado de volta, “parecendo estar flutuando em um buraco negro”.

O irmão contou que a família conseguiu falar com o Danny ao telefone por vinte minutos no último fim de semana.

Isolamento de Mianmar pode ter motivado atitude dos militares com prisioneiros políticos

Em nota no Twitter, o Relator Especial das Nações Unidas, Tom Andrews, disse que a decisão da junta de libertar os prisioneiros políticos “não é uma mudança de atitude”, mas uma evidência de que o governo não está imune à pressão internacional. 

“Embora o anúncio de hoje pela junta de Mianmar da libertação de mais de 5.000 presos políticos seja bem-vindo, é importante lembrar que as forças da junta detiveram esses indivíduos ilegalmente por exercerem seus direitos humanos fundamentais”, disse Andrews. “Em primeiro lugar, é ultrajante que alguém tenha sido detido arbitrariamente.” 

De acordo com o grupo de defesa de Mianmar, Associação de Assistência para Prisioneiros Políticos, mais de 7 mil pessoas foram presas, acusadas ou condenadas desde o golpe de 1º de fevereiro de 2021.

Em um comunicado, a AAPP expressou preocupação de que a libertação em massa fosse uma distração para governos estrangeiros. “A junta continuará a se recusar a ser transparente sobre as pessoas libertadas e quem permanece detido”, disse o comunicado.  

Militares inspecionam computadores e celulares atrás de indícios de resistência

A partir da tomada do poder, a junta militar impôs uma intensa vigilância sobre qualquer mobilização contra o regime. Ativistas, jornalistas e veículos de imprensa independentes estão entre os principais alvos dos militares, que confiscam telefones celulares de pessoas comuns nas ruas como forma de intimidação e bloqueio de comunicações pessoais contrárias ao governo.

Havendo na biblioteca de imagens uma simples foto dos “três dedos”, símbolo da resistência local, os cidadãos podem se tornar presos políticos.

Uma das formas de censura adotada foi a inspeção e apreensão de telefones celulares de pessoas andando nas ruas ou até em casa, para inibir os que ainda tentam se opor ao golpe, noticiada pelo Mianmar Now. 

Leia mais | Mianmar| Golpe faz seis meses e celulares viraram “armas subversivas”, inspecionados pela polícia nas ruas

De acordo com a AAPP, citada pelo jornal, o regime “transformou os telefones celulares dos cidadãos em armas para serem usadas contra eles”. 

Leia mais

Liberdade de imprensa em Mianmar: militares bloqueiam internet e suspendem jornais