Londres – Com as consequências das mudanças climáticas saindo das rodas de conversa entre cientistas para dominar o debate público, novas expressões e palavras passaram a fazer parte do vocabulário das pessoas comuns e da mídia. 

Aproveitando a visibilidade das questões ambientais durante a COP26, o Oxford English Dictionary anunciou a adição de novos vocábulos, como reflexo da gravidade do debate sobre a ‘emergência climática’ – um dos termos integrados ao dicionário.

O objetivo é registrar palavras e expressões novas ou que foram ressignificadas devido ao agravamento do aquecimento global e de seus efeitos

Eco-ansiedade agora é oficial 

Entre as novas expressões reconhecidas está  ‘eco-ansiedade’ (ecoanxiety), descrita como “desconforto ou preocupação sobre o dano atual e futuro causado no meio ambiente pela atividade humana e a mudança climática”.

Outra novidade é CO2, a terceira fórmula química incluída no dicionário, depois de NOX e H2O. 

Os organizadores explicaram que o dicionário inglês não costuma adicionar fórmulas, mas ressaltaram que “CO2 está tão impregnado na nossa linguagem cotidiana que a sua inclusão era obrigatória”.

Atualização para refletir a situação do clima 

Palavras e expressões relacionadas às mudanças climáticas como aquecimento globalmicroplástico e emissões já faziam parte do dicionário, que é uma das principais referências da língua inglesa. 

No entanto, no início deste ano, o Oxford Dictionary lançou um projeto para revisar o vocabulário relacionado ao assunto, como explicaram os editores na apresentação dos novos termos. 

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Foto: Li An Lim/Unsplash

Do ‘efeito estufa’ à ‘crise climática’

A equipe do Oxford Dictionary chamou a atenção para o aumento dramático de uma linguagem mais emotiva sendo aplicada à mudança climática. 

O termo efeito estufa, mais ameno em comparação a aquecimento global, tornou-se muito menos frequente desde a década de 1990. 

Apesar de um ligeiro aumento na frequência do uso desse termo em 2019 (acompanhando um aumento geral no uso de palavras relacionadas ao meio ambiente), ela vem desde então diminuindo, segundo a equipe do dicionário.  

Os organizadores também verificaram que o termo mudança climática vem sendo usado com mais frequência do que aquecimento global, como se pode ver neste gráfico do Google Ngrams:

Por outro lado, a expressão crise climática (registrada no dicionário pela primeira vez nesta atualização) está sendo cada vez mais usada em preferência a mudança climática, segundo o Oxford:

“Muitas organizações e órgãos governamentais também declararam emergência climática, enquanto veículos de imprensa como o jornal The Guardian adotaram como política editorial usar um vocabulário mais forte para comunicar um senso de urgência sobre o problema.”

Apesar do aumento significativo dos termos crise climática e emergência climática nos últimos dois anos, os editores do dicionário constataram que mudança climática ainda é o termo mais frequente tanto no uso geral como na mídia convencional.

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No Oxford Monitor Corpus of English (uma coleta de textos de notícias publicadas na web do final de 2017 até os dias atuais, contendo atualmente cerca de 14,5 bilhões de palavras), a expressão emergência climática foi 76 vezes mais frequente no primeiro semestre de 2021 do que no primeiro semestre de 2018.

Na mesma comparação entre os dois períodos, o termo crise climática aumentou quase 20 vezes.

Por sua vez, aquecimento global foi quinze vezes mais frequente no primeiro semestre de 2021 do que no primeiro semestre de 2018.

Refugiados climáticos 

O impacto social e psicológico mais amplo da mudança climática (e a falta de ação internacional coordenada para fazer frente ao tema) foi refletido na adição de termos como climate refugee (refugiado climático). A expressão, com novo sentido, passou a apresentar um aumento de uso constante nas últimas duas décadas, segundo detectou a equipe do Oxford.

“No final do século 19, ‘refugiado do clima’ era um termo utilizado pelos jornais californianos em relação a pessoas que se mudavam para um lugar onde o clima era mais saudável ou mais agradável. 

No entanto, agora associamos este termo às pessoas forçadas a mudar de casa, região ou país em consequência dos eventos climáticos extremos, ou pelo aumento do nível do mar resultante do aquecimento global.”

Também com relação às ameaças enfrentadas pelas populações, foram acrescentados os termos insegurança alimentar e insegurança hídrica. 

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Palavras que inferem “condenação moral”

A equipe do dicionário revisou ainda termos que já faziam parte do dicionário, mas assumiram sentido diferente no contexto das questões ambientais. 

Entre elas estão palavras que em inglês começam com o prefixos que inferem uma “condenação moral” de práticas da vida cotidiana questionadas à luz das mudanças climáticas.

Alguns exemplos são overconsumption (consumo excessivo) e unsustainable (não sustentável).

Outros termos começam com o prefixo “de”, como degrowth (desaceleração de crescimento). Essa prática, segundo o Oxford, é um sinal de que a visão tradicional em relação ao crescimento econômico está sendo desafiada. 

A mudança de hábitos dos consumidores – ou as campanhas em prol dessas mudanças – fizeram com que expressões disparassem em uso. É o caso de single-use (uso único), referindo-se a produtos que não podem ser reciclados ou reaproveitados. 

Combustível fóssil em nova versão

O uso da expressão combustível fóssil não diminuiu, mas a julgar pelo que se escreve e fala, energia renovável continua sendo o termo preferido quando se discute a questão das fontes energéticas. 

Mas os pesquisadores observaram que as pessoas estão usando cada vez mais termos diferentes para falar sobre os combustíveis fósseis:

“Nos dados recentes, há mais termos relacionados à busca de alternativas aos combustíveis fósseis, como desinvestimento, transição e eliminação gradual.”

Soluções para a crise climática 

A equipe do Oxford ressaltou que palavras e expressões como inundaçãoincêndio florestal e supertempestade se tornaram mais familiares nos últimos anos.

E que a necessidade de mitigar eventos climáticos extremos é mostrada pela adoção do termo rain garden (jardim de chuva), uma área de drenagem para a qual a chuva pode ser desviada para prevenir sobrecarga dos sistemas de drenagem urbana.

O reconhecimento do impacto ecológico do agronegócio convencional se reflete em termos como agricultura urbana e agricultura vertical que passaram a fazer parte do dicionário. 

Eles representam novos métodos de cultivo usando menos terra, acarretando menos perda de biodiversidade e exigindo menos food miles (milhas de alimentos, em tradução livre) para entregar os produtos aos consumidores.

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Captura de carbono 

O Oxford observou que alguns termos focados em soluções permanecem muito especializados, mas alguns saíram das fronteiras da ciência e por isso foram inseridos no dicionário.

Um deles é captura de carbono. Também entraram na lista microgridparques eólicos e solares.

Já o vocábulo retrofit  foi atualizado para refletir o uso cada vez mais comum dessa palavra em relação à melhoria do isolamento térmico de residências. 

Ansiedade de carregamento dos carros elétricos 

O aumento do uso de carros elétricos levou para o dicionário Oxford expressões como carregamento inteligente e também  ansiedade de autonomia – a preocupação de que as baterias possam não levar os motoristas tão longe quanto eles desejam. 

A consciência crescente dos papéis vitais que os ecossistemas têm que desempenhar e dos riscos da superexploração humana dos recursos da Terra fez com que os vocábulos capital natural e serviços ecossistêmicos também fossem incluídos na atualização. 

Extinção?

Diante da gravidade da crise ambiental, o Oxford registrou a expressão extinção em massa, simbolizando o cenário mais sombrio.

Em contrapartida, incluiu também ponto de inflexão, que indica o ímpeto crescente por ações, inovações e tecnologias que poderiam reverter o processo e inclinar a balança para um resultado mais favorável.

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