Londres – A junta militar que governa Mianmar desde o golpe de estado em fevereiro libertou nesta segunda-feira (15/11) o jornalista americano Danny Fenster e o entregou às autoridades de seu país,  depois de mantê-lo por mais de cinco meses na prisão de Insein.

A libertação aconteceu três dias depois de ele ter sido condenado a 11 anos de prisão por um tribunal militar.  A notícia foi confirmada em uma nota emitida pelo site Frontier Myanmar, do qual Fenster é o editor-chefe. O comunicado informa que ele embarcou imediatamente em um voo para os EUA. 

Segundo o jornal Myanmar Now, um dos poucos independentes que continuam a publicar notícias pela internet, o ex-embaixador dos EUA na ONU Bill Richardson confirmou que Fenster havia sido entregue a ele em Mianmar e seguiria para os Estados Unidos via Catar.  Em seguida a fundação dirigida por ele postou uma foto do embarque. 

Diplomata negociou com chefe da junta militar 

O diplomata negociou a libertação de Fenster diretamente com o chefe militar e líder do golpe, Min Aung Hlaing, disse a organização The Richardson Center em um comunicado. 

“Estamos muito gratos que Danny finalmente será capaz de se reconectar com seus entes queridos, que o têm defendido todo esse tempo”, disse Richardson. 

 A notícia foi comemorada pela família do jornalista, que havia criado uma campanha nas redes sociais por sua libertação. 

Sua volta para os EUA coincide com a visita a Mianmar de Yohei Sasakawa, enviado especial do Japão ao país e presidente da Fundação Nippon, para se encontrar com o chefe da junta e os líderes de alguns partidos políticos. 

A junta não emitiu uma declaração sobre a libertação de Fenster.

 A condenação 

O tribunal militar de Mianmar havia condenado Danny Fenster a 11 anos de prisão na sexta-feira (12/11), confirmando os temores de que a anistia concedida a alguns profissionais de imprensa em outubro não levaria ao fim da repressão ao jornalismo. 

O jornalista, de 37 anos,  foi considerado culpado de três acusações feitas pelos militares que tomaram o poder com um golpe no início de fevereiro. 

O americano foi acusado de incitação contra o regime sob a seção 505a do Código Penal de Mianmar; e de violar  leis de imigração associação ilegal.

Prisão e multa 

Segundo o jornal Myanmar Now, Fenster recebeu uma pena de três anos de prisão pela acusação de incitação, outros três anos por associação ilegal e cinco anos pela acusação de infração a normas de imigração.

Frenster ainda foi multado em 100,000 kyat (equivalente a R$ 304,00). Ele estava na prisão de Insein, na maior cidade do país, Yangon, desde 24 de maio, quando foi capturado no aeroporto pouco antes de embarcar para os Estados Unidos.

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Portal alega que condenação em Mianmar foi sem base

Entre as acusações feitas pelo governo de Mianmar estava a de que Frenster estaria trabalhando para o Myanmar Now.

Mas o jornalista atuava como editor-chefe em outro portal, o Frontier Myanmar, de Yagon. 

Os dois portais de notícias já tinham esclarecido anteriormente que Fenster havia se demitido de Myanmar Now em julho de 2020 e ingressou na Frontier Myanmar no mês seguinte. 

Nas redes sociais, o portal em que ele trabalhava se pronunciou no dia da condenação e disse que o tribunal desconsiderou as evidências de que ele realmente trabalhava na Frontier, como registros fiscais e previdenciários.

“Não há absolutamente nenhuma base para condenar Danny por essas acusações.

Sua equipe jurídica demonstrou claramente ao tribunal que ele havia se demitido do Mianmar Now e estava trabalhando para a Frontier desde meados do ano passado”, disse Thomas Kean, editor chefe da Frontier Myanmar.

Than Zaw Aung, advogado de Fenster, disse ao Myanmar Now que a promotoria convocou 13 testemunhas para depor, enquanto a equipe de defesa se baseou no depoimento de três testemunhas e documentos para defender o caso.

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Foto: Gayatri Malhotra/Unsplash
Reações à condenação do jornalista

A prisão e condenação do jornalista aprofundou a crise de liberdade de imprensa em Mianmar. Além do editor do Frontier, a chefia do Myanmar Now também se posicionou.

Swe Win, editor-chefe do portal e ex-empregador de Fenster, falou sobre a condenação alegando que acredita que o jornalista é inocente.

“Danny não fez nada de errado. E o Myanmar Now também não fez nada de errado.”

Conforme informado pelo portal, Swe Win e dois outros editores, Nyein Chan e Aung Shin, também são acusados ​​dos mesmos crimes que Fenster.

“Vejo a sentença como um simples sequestro político de um cidadão americano nos esforços da junta para ganhar vantagem no trato com os Estados Unidos”, explicou Swe Win.

“Danny agora deve ser visto como um refém e, como tal, o governo Biden deve enviar uma mensagem clara e forte à junta por este ato sem sentido” afirmou no dia da condenação. A libertação dele indica que os esforços diplomáticos surtiram efeito.

Campanha pela liberdade de Danny 

A família do jornalista havia lançado a campanha #BringDannyHome (Traga Danny Para Casa) na plataforma de petições Move On.

“Nós — sua mãe Rose, seu pai Bud, seu irmão Bryan e toda a sua família — estamos preocupados com seu bem-estar mais do que nunca. Mianmar está bloqueado depois de ser duramente atingido por outra onda de Covid”, diz a campanha.

Em agosto deste ano, entidades defensoras da liberdade de imprensa e jornalistas se solidarizaram com a situação de Danny Fenster e compartilharam a hashtag #BringDannyHome, pedindo que as pessoas dessem atenção à luta e que assinassem a petição por sua liberdade.

A petição contava com mais de 43 mil assinaturas nesta sexta-feira (12/11).

Luta pela liberdade de imprensa

Desde o golpe de fevereiro, a situação do jornalismo independente em Mianmar só vem piorando. A maioria dos veículos não controlados pela junta militar fechou as portas, restando apenas alguns sites.

A perseguição não poupou nem estrangeiros como Fenster.

Em agosto, a ditadura de Mianmar prendeu dois profissionais de imprensa, colaboradores das redes BBC, do Reino Unido, e Voice of America, dos Estados Unidos, sob acusações de deslealdade e desacato, além de “associações ilegais”. 

A liberdade de expressão também foi comprometida. Segundo entidades que acompanham a situação do país, os militares invadem casas, vasculham computadores e até mesmo celulares de pessoas andando na rua atrás de indícios de ideologia pró-democracia e contra o regime. 

Um dos poucos a escapar das perseguições foi o jornalista japonês Yuki Kitazumi, o primeiro profissional de imprensa estrangeiro formalmente acusado pelo regime. Sua libertação foi resultado da pressão do Japão sobre Mianmar. Ele havia sido preso em abril, sob acusação de espalhar fake news.

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