O atentado ao Clarín, uma referência do jornalismo argentino, que motivou protestos de autoridades e de entidades que defendem a  liberdade de imprensa, é uma situação atípica em um país que não figura entre os mais críticos para a mídia.

Na noite de  22 de novembro, nove homens encapuzados lançaram coquetéis molotov em uma das entradas do prédio do grupo, em Buenos Aires. A fachada foi manchada pelo combustível e pelo fogo dos artefatos, mas nenhum ferimento ou dano material foi registrado. 

A Argentina ocupa a 69º lugar no ranking de liberdade de imprensa da organização Repórteres sem Fronteiras, que engloba 180 nações, mas caiu cinco posições em relação a 2020. O Brasil está em 111º 

Polarização no jornalismo da Argentina

O Clarín é o maior grupo de mídia do país, controlando o jornal e uma vasta que inclui jornais regionais, emissoras de TV e de rádio.

A RSF aponta como principal ameaça à mídia argentina a censura por meios judiciais, e não os ataques físicos como o que ocorreu agora. A organização destaca que a polarização entre a mídia estatal e privada ainda é muito forte no país, assim como o uso de ações na justiça: 

“Quando jornalistas e meios de comunicação fazem alegações prejudiciais em suas reportagens, especialmente sobre corrupção política, costumam ser alvos de processos civis de difamação que geralmente terminam em indenizações destinadas a estrangulá-los financeiramente. 

Houve também algumas queixas criminais em 2020 com o objetivo de intimidar e censurar a mídia que expõe informações embaraçosas de interesse público.”

O país não registrou ataques diretos a jornalistas recentemente, como os que ocorram em 2017 durante protestos de rua, em que profissionais de imprensa foram reprimidos por policiais. 

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No entanto, segundo a presidente da Fundação Liberdade de Expressão, Silvana Giudici, um ato semelhante foi praticado em março passado contra o jornal Rio Negro. 

Ao comentar o ataque ao Clarín, a Repórteres sem Fronteiras destacou que o ato não condiz com a vida democrática argentina. 

Atentado ao jornal argentino foi filmado por câmeras

A ação dos homens encapuzados foi documentada pelas câmeras de segurança, com imagens postadas no site do Clarín e nas redes sociais. O filme mostra integrantes do grupo acendendo garrafas com combustível e um pavio de pano. 

Os atacantes aguardam alguns segundos e iniciam o ataque. A primeira bomba não explode. A partir da segunda as explosões começam. Os artefatos atingiram a calçada e a porta do hall de entrada do prédio provocando um início de incêndio.

Os homens deixam o local e minutos depois o Corpo de Bombeiros chega para controlar o fogo, que já tinha sido extinto sozinho.

As imagens foram entregues à polícia. O Clarín informou que investigadores detectaram uma impressão digital em uma das garrafas que não explodiu, que está sendo analisada pela Polícia Federal. 

Presidente condena atentado ao Clarín

O presidente da Argentina, Alberto Fernandez, usou o twitter para se manifestar contra o atentado ao Clarín. 

O ex-presidente Mauricio Macri igualmente condenou o ataque ao jornal argentino.

SIP afirma que ataque ao jornal é grave violação

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), com sede em Miami, está entre as que condenaram o ato.  A organização pediu às autoridades que investiguem rapidamente o ataque e punam os responsáveis.

O presidente da SIP, Jorge Canahuati, e o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação, Carlos Jornet, condenaram”o violento ataque que visa intimidar e constitui uma grave violação da liberdade de imprensa”.

“Deploramos o ataque e esperamos que o mais rápido possível as autoridades cumpram seu dever de investigar, apontar e levar os instigadores à justiça”, disseram Canahuati, presidente do Grupo Opsa, de Honduras, e Jornet, diretor do jornal La Voz del Interior, da Argentina.

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Os dirigentes relembraram o ponto 4 da Declaração de Chapultepec, que afirma que “a violência de qualquer espécie e a impunidade dos agressores restringem gravemente a liberdade de expressão e de imprensa”. 

Por sua vez, o ponto 9 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos alerta que “a intimidação ameaça os comunicadores assim como a destruição material dos meios de comunicação viola direitos direitos fundamentais das pessoas e restringe severamente a liberdade de expressão ”, e que“ é dever dos Estados prevenir e investigar esses eventos ”e“ punir seus perpetradores ”.

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