Londres – Em protesto contra os males causados pelas redes sociais, uma das mais reconhecidas marcas globais de cosméticos, a britânica Lush, anunciou que deixa hoje o Instagram, Facebook, TikTok e Snapchat, assumindo uma nova “política antissocial” até que as plataformas “ofereçam um ambiente seguro para os usuários”.

Referência por incentivar o consumo sustentável e usar ingredientes naturais, a empresa está saindo de uma só vez das principais redes nos 48 países onde opera, para “não estimular a presença em um ambiente que contraria seus princípios de bem-estar, segundo o comunicado distribuído pela empresa. 

A decisão vem na sequência das revelações feitas por uma ex-funcionária do Facebook, de que a empresa tinha conhecimento do mal causado a adolescentes que usam o Instagram, no que ficou conhecido como “Facebook Papers”. O caso foi mencionado no comunicado da marca britânica. 

Males das redes sociais

A Lush não é primeira grande marca a sair das mídias sociais. Em abril, a grife Bottega Veneta tinha feito o mesmo, substituindo os canais por uma revista própria, mas sem atribuir a mudança a um protesto contra as plataformas como fez a Lush. que continua presente apenas no Twitter para atendimento aos clientes, e no YouTube.  

O movimento da britânica, deixando para trás  659 mil seguidores no Instagram e 157 mil no TikTok, é uma tomada de posição firme diante do que considera um comportamento não alinhado aos seus valores. 

Descrita como Política Global Antissocial, a motivação de deixar as redes foi atribuída ao receio dos grandes danos que as plataformas, conscientemente, estão causando aos jovens.  

Segundo o comunicado no site da empresa, da mesma maneira que as evidências contra a mudança climática foram ignoradas e menosprezadas por décadas, as preocupações sobre os graves efeitos das mídias sociais estão sendo amplamente ignoradas agora. 

“Não queremos que nosso conteúdo seja usado por algoritmos ocultos projetados para manter as pessoas cativas em um canal.”

Fora das mídias sociais pela segunda vez 

A Lush já tinha saído das mídias sociais temporariamente em 2019, e disse que acabou voltando porque a compulsão de usar várias plataformas é enorme. 

Mas afirmou que a decisão atual foi tomada em decorrência dos novos fatos que vieram à tona sobre males causados pelas plataformas. 

“Nossa decisão foi fortalecida por todas as informações mais recentes de corajosos denunciantes, que expõem claramente os danos conhecidos aos quais os jovens estão expostos devido aos algoritmos atuais e à regulamentação frouxa dessa nova área de nossas vidas.”

No comunicado, a marca defende a regulamentação das redes sociais:

Esperamos que as plataformas adotem práticas melhores, e esperamos que a regulamentação internacional será aprovada em lei. Mas não podemos esperar. 

Sentimo-nos forçados a agir por conta própria para proteger nossos clientes dos danos e da manipulação que eles podem sofrer enquanto tentam se conectar conosco nas redes sociais“. 

“Algoritmos não deixam relaxar e desligar”

O líder da área digital da marca e responsável pelo desenvolvimento das famosas “bath bombs” (sais de banho efervescentes em forma de bola para usar na banheira), Jack Constantine, afirmou:

“Dedico todos os meus esforços para criar produtos que ajudem as pessoas a se desligar, relaxar e prestar atenção ao seu bem-estar.

As plataformas de mídia social tornaram-se a antítese desse objetivo, com algoritmos projetados para manter as pessoas na tela e impedi-las de desligar e relaxar.”

Mark Constantine co-fundador da Lush, disse ter passado a vida evitando colocar ingredientes prejudiciais em seus produtos e que, “agora há evidências contundentes de que estamos sendo colocados em risco ao usar a mídia social”.

“Não estou disposto a expor meus clientes a esse dano, então é hora de tirá-lo da fórmula.”

Para a empresa, não é suficiente apenas não pagar por sua publicidade nas redes, pois as pessoas e seu tempo servem como moedas para esses canais.

Substituição das redes sociais 

Em substituição às mídias sociais, a Lush está planejando uma série de iniciativas, incluindo aumentar sua presença no Youtube, e usar o Twitter para atendimento ao cliente.  

Seguindo o caminho adotado pela Bottega Veneta, também vai criar newsletters por e-mail para promover campanhas e utilizar o Pinterest para conteúdo.  

“Estamos está cuidando do assunto com as próprias mãos e resolvendo os problemas agora, sem esperar até que outros acreditem no problema antes de mudar seu próprio comportamento”, informou a empresa. 

 Fundada no Reino Unido em 1995, a Lush é famosa por suas lojas cheirosas, com o aroma invadindo a calçada ou o corredor dos shoppings, e pelos produtos naturais, sem testes em animais, muito antes de isso virar moda.

Muitos são feitos nas próprias lojas, e a rede promove a redução no uso de embalagens. Os funcionários são donos de 10% da empresa, que saiu do Brasil em 2018. 

Marcas X Redes Sociais

Em matéria publicada na Vogue Business, a jornalista de moda Bella Webb diz que a iniciativa da Lush é uma decisão de marketing de alto risco e questiona se é uma tendência.

Webb relembra que a marca não é a primeira a repensar suas estratégias nas plataformas online, lembrando o caso da Bottega Venetta.

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A marca italiana de alto luxo saiu inesperadamente das redes antes em janeiro deste ano, e em abril lançou uma revista digital trimestral chamada Issue. 

O lançamento não significou guerra às redes. Sua estratégia de presença nas mídias sociais é incentivar os fãs e embaixadores a falarem dela, sem precisar ter contas. A revista é parte dessa estratégia.

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A Balenciaga, outra marca de luxo, em junho limpou sua grade do Instagram e tem feito isso periodicamente desde então.

A crise do Facebook 

O movimento da Lush pode não arranhar as finanças da gigante digital Meta, novo nome da holding que engloba Facebook, Instagram e WhatsApp, entre outras empresas. Mas representa mais um arranhão na imagem e argumento para os que querem mudanças em benefício de males causados a usuários, sobretudo jovens.

O tema não é novo, mas escalou em gravidade desde setembro, quando a ex-funcionária Frances Haugen iniciou uma série de revelações baseadas em documentos transmitidos ao The Wall Street Journal e depois a outros veículos globais.

Alguns deles eram apresentações de pesquisas internas demonstrando problemas emocionais provocados em adolescentes usuários do Instagram, provando que eram de conhecimento da empresa mas que ela não fez nada para evitá-los.

O Facebook se defendeu apontando medidas tomadas, mas não conseguiu amenizar as críticas, e teve que rever alguns planos, como o lançamento do Instagram for Kids.

Em seguida foi a vez de postergar a adoção da criptografia de ponta a ponta no Messenger, sob pressão dos que acham que o recurso dificulta a identificação de autores de assédio online e discurso de ódio.

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As revelações entraram no radar de legisladores que preparam regulamentação para as plataformas digitais. A ex-funcionária Frances Haugen, que no início de outubro assumiu sua identidade em uma entrevista para a TV americana,  prestou depoimentos no Senado americano e nos parlamentos do Reino Unido e da União Europeia. 

Há uma semana, oito estados americanos entraram com uma ação conjunta contra o Facebook por males causados pelas redes sociais. 

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Foto: Tim Mossholder/Unsplash
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