Londres – A Suprema Corte britânica anulou na manhã de sexta-feira (10/12) a sentença de janeiro que impedia Julian Assange de ser extraditado para os Estados Unidos. 

A decisão de hoje foi tomada após julgamento do recursos apresentados pelos EUA em outubro. O país questionou a validade do laudo médico que fundamentou a decisão da juíza Vanessa Baraister de não extraditá-lo (em janeiro) devido ao risco de suicídio se ele fosse transferido para uma prisão de segurança máxima. 

A corte aceitou as garantias oferecidas pelos EUA para evitar o risco de suicídio, fortemente rechaçadas pela defesa, liderada por sua companheira, Stella Moris. Mas o fundador do Wikileaks continuará na cadeia de Belmarsh, onde está há dois anos, pois a defesa ainda pode apelar da decisão em duas instâncias. 

Julian Assange pode pegar 175 anos de prisão

O fundador do Wikileaks, que completou 50 anos na cadeia em agosto, é processado pelos Estados Unidos sob alegação de uma conspiração para obter e divulgar informações de defesa nacional após a publicação de centenas de milhares de documentos vazados relacionados às guerras do Afeganistão e do Iraque no site. 

Ele pode ser condenado a até 175 anos de prisão por 18 acusações. Na decisão de janeiro, a juíza distrital havia citado um risco real e “opressor” de suicídio, com base nos laudos apresentados pela defesa. 

Stella Moris, companheira do ativista, acompanhou a sessão. Pelo Twitter, ela tinha dito esperar que a Suprema Corte colocasse um fim na “abusiva e vingativa tentativa de extradição, para que os filhos pudessem passar o Natal com o pai”. O casal tem dois filhos, nascidos quando ele estava abrigado na embaixada. 

Após o resultado, ela afirmou que a decisão foi um “grave erro judiciário” e prometeu que a equipe jurídica de Assange “apelaria dessa decisão o mais rápido possível”.

O veredito foi um baque para a defesa, mas o processo está longe de acabar.

Assange ainda pode tentar um último recurso na Corte britânica, e se não conseguir reverter a sentença, pode ainda tentar evitar a extradição na Corte Europeia de Direitos Humanos. O problema é que os argumentos apresentados até agora pela defesa não foram acatados, e as chances de vitória caso não surjam fatos novos são reduzidas.

Pressão de entidades pela libertação do fundador do Wikileaks 

A prisão de Julian Assange se tornou um caso internacional, com as principais entidades de liberdade de imprensa, de expressão e de direitos humanos clamando por sua libertação imediata sob o argumento de que a divulgação dos papéis confidenciais atendeu ao interesse público e que ameaça o jornalismo livre, pois revelações incômodas a governos têm o risco de serem tratadas como crime. 

Na manhã desta sexta-feira, um dos grupos de apoio a Assange divulgou um vídeo em que a secretária-geral da Anistia Internacional, Agnes Callamard, contesta sua “prisão arbitrária” e exige que ele seja solto sem julgamento. 

Risco de suícídio do fundador do Wikileaks em questão 

Os ventos pareciam favoráveis para Julian Assange, pois em fevereiro a justiça britânica havia concedido aos EUA o direito de recorrer apenas em três aspectos processuais que não envolviam o laudo médico, e segundo analistas tinham pouca chance de mudar o veredito. 

No entanto, os advogados do Departamento de Estado americano conseguiram reverter esta decisão, e apresentaram à Corte uma série de garantias com o objetivo de atenuar o suposto risco de suicídio, entre elas a de que ele não ficaria submetido a regime especial de isolamento em uma prisão de segurança máxima. 

Um dos advogados de Assange, Edward Fitzgerald , disse que as “garantias qualificadas e condicionais” foram apresentadas “tarde demais para serem devidamente testadas” e “não prejudicam as principais conclusões” do juiz distrital que aplicou a lei “estrita e inteiramente de forma adequada”.

Durante a sessão de outubro, ele sustentou que a juíza Vanessa Baraister produziu um “julgamento cuidadosamente considerado e totalmente fundamentado”, acrescentando que estava “claro” que ela “aplicou corretamente o teste de opressão em casos de transtorno mental”. 

E disse ao tribunal: “É perfeitamente razoável considerar opressor extraditar uma pessoa com transtorno mental porque sua extradição pode resultar em sua morte”, acrescentando que um tribunal deve ser capaz de usar seu poder para “proteger as pessoas da extradição para um estado estrangeiro onde não temos controle sobre o que será feito a eles ”.

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Foto: MediaTalks

Fitzgerald acrescentou que a conclusão do juiz distrital foi “justificada” porque Assange “seria levado por seu distúrbio a encontrar uma maneira de cometer suicídio, quaisquer que fossem as medidas preventivas tomadas”.

E descartou as garantias como “vagas ou simplesmente ineficazes”, acrescentando que “nenhuma oferece qualquer concessão ou garantia contra a aplicação da prática existente nos Estados Unidos”.  

Segundo a defesa da  Assange, as garantias de não impor medidas administrativas especiais (SAMs) a Assange ou mantê-lo na prisão ADX Florence Supermax antes do julgamento ou pós-condenação não eliminam o risco de “condições de isolamento administrativo”.

Stella Moris, que é advogada e faz parte da equipe de defesa, também discordou das garantias, apontando que o texto deixava para os Estados Unidos o direito de mudar de ideia caso ele apresentasse algum comportamento considerado “ilegal” pelo Departamento de Estado. 

Planos para matar Assange 

Outro fundamento da defesa de Julian Assange na sessão de outubro foram as revelações feitas pelo site de notícias Yahoo em setembro a respeito de planos dos EUA para sequestrar e matar o fundador do Wikileaks em 2007, quando ele estava asilado na Embaixada do Equador.

Na época, Assange entrava em seu quinto ano asilado na embaixada do Equador em Londres, e, segundo o Yahoo, funcionários do governo Trump debatiam a legalidade e a viabilidade de uma operação para retirar o ativista do local, segundo a apuração.

Altos funcionários da CIA e da administração Trump teriam solicitado “esboços” de como assassiná-lo. As discussões sobre o sequestro e possível assassinato de Assange ocorreram “nos escalões mais altos” do governo Trump, disse um ex-oficial da contra-espionagem ao Yahoo.

A defesa de Assange tentou convencer a Suprema Corte de que ele não poderia ser extraditado para um país que tentou matá-lo. 

Wikileaks, caso emblemático para o jornalismo 

Ainda que Assange nunca tenha trabalhado em um jornal  iniciou a carreira como hacker –, a defesa afirma que seus atos o caracterizam como jornalista, o que lhe dá direito às proteções da Primeira Emenda à Constituição americana para a publicação de documentos vazados que expuseram as irregularidades militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão em 2010 e 2011. 

Essa posição vem sendo corroborada por entidades de direitos humanos, liberdade de imprensa e por grandes jornais. Em 2019, o New York Times  com o qual Assange compartilhou muitos dos documentos vazados  saiu em sua defesa publicando um editorial em que sustentava que o indiciamento pelo governo americano feria a Primeira Emenda.  

Mas ela não é unanimidade. Embora condenando a extradição, o Comitê para Proteção dos Jornalistas foi criticado em 2019 por não ter incluído Assange na lista de profissionais de imprensa presos daquele ano, e explicou-se oficialmente afirmando porque não o considerava um jornalista no sentido formal:

Após extensa pesquisa e consideração, o CPJ optou por não listar Assange como jornalista, em parte porque seu papel também tem sido o de fonte e porque o WikiLeaks geralmente não atua como um meio de comunicação, com um processo editorial”, escreveu Robert Mahoney, diretor do CPJ. 

A Repórteres sem Fronteiras tem sido a mais ativa organização na defesa de Assange. Para a entidade, o caso não é apenas de uma pessoa, mas envolve o jornalismo como instituição.

Pressões sobre Reino Unido e Austrália 

O problema de Julian Assange não envolve apenas os EUA. Os que defendem sua libertação fazem também pressões sobre os governos britânico e australiano. Em solo britânico a liderança é de Stella Moris, companheira do fundador do Wikileaks. Na Austrália, onde o fundador do Wikileaks nasceu, a campanha vem sendo conduzida por John Shipton, pai de Assange. 

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