Londres – Um fotógrafo freelancer tornou-se o primeiro jornalista preso a morrer em Mianmar desde a tomada do poder pelos militares, em fevereiro.

A Rádio Free Asia (RFA) confirmou a morte de Soe Naing, capturado no 10 de dezembro enquanto documentava um boicote nacional à “Greve Silenciosa” contra o governo para marcar o dia das Nações Unidas em homenagem aos direitos humanos no distrito de Yangon.

A junta militar não dá sinais de trégua na batalha para silenciar a imprensa e a liberdade de expressão, chegando a confiscar telefones de cidadãos nas ruas. No Dia Internacional dos Direitos Humanos, outros três jornalistas foram condenados no país. 

Liberdade de imprensa extinta depois do golpe 

Mais de 100 jornalistas já foram detidos desde o golpe de 1º de fevereiro. Generais depuseram a líder eleita Aung San Suu Kyi, colocando fim a um período democrático de 10 anos em que a imprensa independente chegou a florescer no país, embora ainda com restrições.

A líder deposta, que recebeu o Nobel da Paz em 1991, foi condenada na semana passada a quatro anos de prisão por incitação e violação das restrições ao coronavírus, em um caso que seus apoiadores dizem ter motivação política.

A maioria dos veículos de imprensa independentes fechou por determinação da junta ou por perseguições e prisões de seus profissionais. Alguns foram libertados, mas a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) afirma que mais de 50 jornalistas ainda estariam sob custódia. 

Em outubro, uma anistia parcial chegou a libertar alguns repórteres, mas outros seguiram presos e a repressão continuou avançando. 

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(foto: divulgação The Richardson Center)

No dia 6 de dezembro, a RSF fez um alerta sobre o agravamento da situação, quando mais dois profissionais de imprensa foram detidos:

“Em sua escalada de repressão à mídia, os militares de Mianmar estão agora combinando suas prisões implacáveis ​​e arbitrárias com extrema violência contra jornalistas”, disse Daniel Bastard, chefe do escritório da RSF para a Ásia-Pacífico.

Apelamos à comunidade internacional para enviar um sinal forte à junta militar de dez meses, impondo sanções estritas e direcionadas aos responsáveis ​​”.

Jornalista preso teria sido espancado até a morte 

As notícias sobre a morte de Soe Naing, que deixa mulher e um filho, surgiram nas mídias sociais na terça-feira (14/12)  e foram confirmadas por membros da família, de acordo com fontes próximas ao fotógrafo.

“Esta manhã, o primo de Ko Soe Naing confirmou sua morte para seu melhor amigo. Seu amigo também entrou em contato com a esposa de Soe Naing. Ela também confirmou sua morte”, disse um amigo da família à RFA sob condição de anonimato, citando medo de represálias.

“Seu amigo não está em posição de falar com a mídia, então estou falando em nome dele. O funeral de Soe Naing foi realizado na área de Mingalardon.”

Um dos colegas de Soe Naing também disse que recebeu a confirmação de sua morte e deu a entender que o fotógrafo foi morto durante um interrogatório pelas forças de segurança.

“Não acreditamos no começo porque não há razão para eles espancarem um fotojornalista até a morte”, disse o colega, que se recusou a dar o nome à RFA.

O corpo teria sido cremado pelas autoridades sem a presença da família.  A Rádio informou que não conseguiu contato com os familiares do jornalista preso e morto, pois os telefones estavam desligados.  

Escalada de ameaças a jornalistas 

O alerta da Repórteres Sem Fronteiras em 6 de dezembro foi feito dois dias depois de jornalistas da Agência Pressphoto serem feridos e presos enquanto cobriam um protesto contra o regime em Yangon, a principal cidade do país.

Hmu Yadanar e seu colega da agência Myanmar Pressphoto, o fotógrafo Kaung Sett Lin , cobriam um protesto “flash mob”, com participação de 30 pessoas. Um veículo militar teria investido contra os manifestantes, segundo relatos da mídia local.  

As forças do regime também teriam atirado contra a multidão. Na segunda-feira, 5 de dezembro de 2021, reportagens de jornais controlados pelo regime afirmaram que 11 pessoas foram presas no protesto. As matérias afirmam que uma mulher ficou gravemente ferida e dois homens sofreram ferimentos leves, mas não fizeram nenhuma menção a manifestantes mortos, que de acordo com rumores teriam chegado a cinco. 

A cinegrafista Hmu Yadanar Khet Moh Moh Tun foi submetida a uma cirurgia em um hospital militar de Yangon após a prisão, segundo a RSF. 

“Não temos permissão para vê-la, tudo o que sabemos de seu médico é que ela está viva, embora inconsciente”, disse um de seus parentes ao site local de notícias The Irrawaddy .

Uma foto foi postada no Twitter pelo jornalista e cineasta Shafiur Rahman, mostrando a gravidade do estado da cinegrafista.

Mais jornalistas condenados 

Os temores da Repórteres Sem Fronteiras vêm se confirmando. No dia 10 de dezembro, um tribunal da Prisão de Nyaung Shwe Taung Lay Lone condenou o editor Nang Nang Tai, o repórter Nann Win Yi e o editor Tin Aung Kyaw a três anos de prisão cada um nos termos do Artigo 505 (a) do Código Penal, de acordo o Centro de Proteção a Jornalistas (CPJ).

O Artigo 505 (a) criminaliza “qualquer tentativa de causar medo, espalhar notícias falsas [ou] agitar direta ou indiretamente uma ofensa criminal contra um funcionário do governo” ou qualquer ação que cause “ódio, desobediência ou deslealdade para com os militares e o governo . ”

Os três jornalistas foram presos em 24 de março de 2021, em suas casas em Hopong, no estado de Shan, depois de cobrir protestos contra o golpe de 1º de fevereiro no país, disse o editor do veículo, Zay Tai, ao CPJ. Ele também está sendo processado.

“O governo golpista de Mianmar deve libertar imediatamente os jornalistas Nang Nang Tai, Nann Win Yi e Tin Aung Kyaw, e parar de processar membros da imprensa por meramente coletar e apresentar as notícias”, disse Shawn Crispin, representante do CPJ no Sudeste Asiático. 

“A junta militar de Mianmar deve parar de tratar os jornalistas como criminosos e permitir que todos os repórteres trabalhem livremente, sem medo de prisão e represália”, afirmou.

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O Kanbawza Tai News é um site de notícias independente que cobre política e notícias gerais no estado de Shanco, com mais de 60o mil seguidores no Facebook.

Os três jornalistas condenados compareceram a 19 audiências realizadas de 8 de abril a 10 de dezembro, diz o CPJ. Eles tiveram acesso a advogados, mas não a seus familiares, e não planejam apelar imediatamente de suas condenações, segundo informou o editor à organização. 

O tribunal também condenou Sai Si Thu, parente de Nang Nang Tai, a três anos de prisão pela mesma acusação, disse Zay Tai ao CPJ, acrescentando que as autoridades descreveram falsamente Sai Si Thu como jornalista.

O CPJ disse ter enviado  um e-mail ao Ministério da Informação de Mianmar para comentar, mas não recebeu resposta.

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