Londres – O Reino Unido aguarda em clima tenso a decisão do juiz depois de uma audiência em Nova York decisiva para o destino do príncipe Andrew, duque de York, e ter implicações para o futuro da monarquia, já que o envolvimento direto do filho da rainha Elizabeth II é um golpe na popularidade da família real. 

A cartada decisiva para Andrew é o acordo tornado público no dia 2/1, em que Virgínia Giuffre, que o processou terem tido por relações sexuais quando ela era menor de idade, aceitou em 2009 uma indenização de US$ 500 mil (R$ 2,84 milhões) do pedófilo Jeffrey Epstein, amigo do duque de York, para não pedir novas indenizações ao americano ou seus amigos. 

O juiz Lewis Kaplan, responsável pelo caso civil, presidiu no dia 4/1 a audiência por videoconferência, na qual a defesa de Andrew tentou o arquivamento do processo com base no acordo. Os advogados da acusação sustentaram que o nome do príncipe não é citado no documento, razão pela qual ele não estaria coberto por seus termos.

“Cancelamento” do duque de York 

A sessão durou 1h10, e terminou sem veredito. O magistrado disse que anunciará a decisão “em breve”, sem sinalização do caminho a tomar. 

Mas a imprensa britânica noticiou que a postura do juiz pareceu desfavorável para a defesa do duque de York, com sinais de que os argumentos de seus advogados não estavam convencendo.

Circulam também rumores de que ele poderia fazer um acordo extra-judicial com Giuffre para dar fim à causa. 

Depois de especulações sobre possíveis revelações (de situações ou nomes) que precedeu a divulgação do documento de 12 páginas, Andrew e amigos de Epstein devem ter respirado aliviados. No entanto, a ausência do nome do príncipe como beneficiário do acordo pode ter até fortalecido a tese da acusação. 

A audiência aconteceu no momento em que a reputação do príncipe Andrew se tornou um problema ainda maior para a realeza britânica, sobretudo depois da condenação da ex-socialite Ghislaine Maxwell, amiga de Andrew, por crimes sexuais.

Ela teria feito a aproximação entre o nobre e a acusadora. Fotos dela com o pedófilo em eventos reais e no castelo de Balmoral constrangeram a realeza. 

No domingo (2/1), o jornal The Times noticiou que fontes do Palácio de Buckingham informaram sobre conversas a respeito de o filho preferido de Elizabeth II deixar de usar o título de duque de York, para preservá-la, e se desligar de todas as funções oficiais que ainda conserva, passando a cumprir um “exílio interno”. 

Em seguida, chefes e veteranos das forças armadas quebraram o silêncio e pediram publicamente que Andrew abra mão (ou perca, por decisão da rainha) os nove cargos militares que ocupa. 

Príncipe Andrew, Duque de York, com Elizabeth II no show aéreo em comemoração ao aniversário da rainha, em 2019 (divulgação The Royal Family)

Príncipe Andrew não é citado no acordo revelado pela justiça

Pelo acordo revelado no dia 3/1, Virginia Giuffre havia concordado em 2009 em “liberar, absolver, dar-se por satisfeita e dispensar para sempre” Epstein e “qualquer outra pessoa ou entidade que pudesse ter sido incluída como um réu potencial”.

O pacto refere-se a uma reclamação judicial feita por ela no estado da Flórida, do qual o príncipe Andrew  não era parte.

Um dos advogados que representa o duque de York, Andrew B Brettler, sustenta que Giuffre havia entrado em um “acordo de liquidação” que tornaria nulo seu novo processo.  

Mas os advogados da acusadora dizem que o acordo se aplica “no máximo” às pessoas envolvidas em litígios na Flórida, o que excluiria Andrew.

Antes de a justiça de Nova York tornar público o acordo confidencial, havia especulações de que o documento pudesse incriminar Andrew e outros amigos do magnata Jeffrey Epstein, que cometeu suicídio na prisão antes de ser julgado por aliciar menores para atividades sexuais envolvendo a ele próprio e amigos famosos que frequentavam suas propriedades e viajavam em seu jatinho. 

Bill Clinton, Donald Trump, Bill Gates e o príncipe Andrew estão entre elas.

Virginia Giuffre, também conhecida como Virginia Roberts, conheceu a agora condenada Ghislaine Maxwell em 2000, aos 17 anos, quando trabalhava como assistente de spa em Mar-a-Lago, o spa de Donald Trump na Flórida, onde o pai de Giuffre também trabalhava como gerente de manutenção.

O doque de York  se aproximou de Epstein por da ex-socialite, filha de um barão da mídia britânica que cometeu suicídio em 1991.

O império familiar se desfez, mas ela continuou a circular no jet set internacional, íntima de celebridades e políticos, e se tornou companheira e assessora do pedófilo. 

Maxwell foi condenada no dia 29 de dezembro a 70 anos de cadeia por crimes sexuais, incluindo aliciamento de menores. A condenação da amiga elevou a pressão sobre o príncipe Andrew, embora ele não tenha sido parte no processo que a condenou, movido por outras mulheres que também foram atraídas por ela, assim como Virginia Giuffre garante ter sido. 

Uma foto dos dois na residência da ex-socialite, em que ela aparece ao fundo, é uma das principais evidências do caso. 

Foto divulgada por Virginia Giuffre

Duque de York “condenado” publicamente 

A mídia britânica cobre o caso extensivamente. Em jornais e na TV, especialistas em relações públicas, comentaristas da família real e consultores jurídicos opinam sobre os desdobramentos legais e o impacto sobre a monarquia. 

Uma das constatações é de que ainda que o juiz Kaplan entenda que o acordo de indenização entre Epstein e Virgínia Giuffre isente o príncipe Andrew de culpa, os advogados ainda podem tentar reverter a decisão, o que manteria o caso em evidência por mais tempo. 

Mesmo que eles não o façam ou que não haja fundamento legal para a tentativa, o processo terá sido encerrado sem isentar o duque de York de culpa – ao contrário. 

O encerramento terá sido uma manobra jurídica aproveitando o acordo firmado, sem que provas tenham sido apresentadas para inocentá-lo das acusações. 

Até porque a defesa parece carecer de elementos sólidos. Um acordo extrajudicial pode encerrar o assunto, mas pode ser interpretado como uma forma de sepultar a acusação, mantendo o príncipe eternamente com o peso da culpa em suas costas – e na imagem da família real. 

Sem provas para defender o príncipe 

Os advogados já haviam tentado derrubar o processo contra Andrew sob o argumento de que Giuffre mora na Austrália e não nos Estados Unidos, mas um juiz federal negou o pedido. 

Há três dias, a defesa informou à Corte que não atenderá a uma solicitação do juiz para apresentar provas de algumas de alegações que comprovariam que Andrew não estava com a jovem na noite em que ela diz ter feito sexo com ele. 

Uma delas virou piada nas redes sociais. Em uma desastrosa entrevista para a BBC para rebater as acusações, em 2019, o duque de York disse que não era verdade que ele suava, como disse Giuffre ao contar que haviam dançado juntos em uma boate, porque tinha uma condição médica adquirida na Guerra das Malvinas que o impedia de transpirar. 

Fotos do príncipe suado pipocaram na imprensa de celebridades e nas redes sociais, tornando-se motivo de chacota. 

https://twitter.com/Normanjam671/status/1476971325650518024?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1476971325650518024%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_c10&ref_url=https%3A%2F%2Fmediatalks.uol.com.br%2F2022%2F01%2F02%2Fcrise-de-imagem-na-familia-real-pode-levar-andrew-a-nao-usar-titulo-de-duque-de-york%2F

O outro álibi era de que na noite em que a mulher diz ter feito sexo com o duque de York na residência de Ghislaine Maxwell ele teria levado a filha a uma festinha na Pizza Express.

Só que a defesa não conseguiu nenhum funcionário, pai ou mãe de amiguinhas ou ainda registros da segurança comprovando que ele estava lá. 

Jubileu de Platina da rainha Elizabeth 

O desastre de imagem para a família real ameaça seriamente turvar as comemorações pelos 70 anos de Elizabeth II no trono. 

Os eventos do jubileu de platina vêm sendo anunciados há meses, em uma espetacular ação de comunicação destinada a fortalecer a imagem da monarquia diante dos súditos e ajudar em sua continuidade. 

Grupos contrários à monarquia utilizam esses fatos para sustentar a tese de que Elizabeth II não deveria ser substituída pelo primeiro na linha de sucessão, o príncipe Charles, nem por mais ninguém. 

Embora a família real tente ficar distante de escândalos e empurrar ondas negativas com exibições do charme real e carisma de Elizabeth II, dessa vez vai ser difícil evitar atitudes mais drásticas em relação ao duque de York. Seria dar os anéis para não perder os dedos. 

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