Londres – As revelações sobre várias festas realizadas na sede do governo britânico durante o  período de regras rígidas da Covid-19, no escândalo apelidado de Partygate, derrubaram o índice de aprovação do primeiro-ministro Boris Johnson ao seu menor nível histórico. 

Segundo a última pesquisa do YouGov divulgada nesta sexta-feira (14/1), Johnson é reprovado por 72% da opinião pública e tem a seu favor apenas 20% da população, caindo portanto a um nível de popularidade de 52 pontos negativos. 

O resultado é a resposta ao inconformismo da população com encontros sociais que desrespeitaram o isolamento social a que todos estavam submetidos, inclusive a rainha Elizabeth, a quem Johnson pediu desculpaspor duas festas na sede do governo na véspera do velório do príncipe Philip. 

O efeito Partygate em Boris Johnson 

O YouGov é a principal referência da opinião pública no Reino Unido, e acompanha a popularidade de políticos, artistas e figuras da sociedade de forma contínua. 

O resultado de hoje não espelha as notícias mais recentes, como a das festas na véspera do velório ou a confirmação de que o primeiro-ministro viajou para a casa de campo do governo durante o lockdown de 2020.

Isso indica que as próximas rodadas podem trazer notícias ainda piores, desafiando a permanência de Johnson no cargo. 

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Rainha Elizabeth II no funeral do príncipe Philip (reprodução transmissão oficial)

A nova pesquisa ouviu 1.666 adultos nos dias 11 e 12 de janeiro, e mostra que não há nada tão ruim que não possa piorar quando uma crise de imagem não é bem administrada. 

A verdade é que Boris Johnson sempre teve um índice de popularidade negativo desde que assumiu o cargo, à exceção de um breve período entre março e maio de 2021.

De junho de 2021 para cá, ele  se manteve sempre no terreno da impopularidade. Mas a situação vem se tornando crítica.

Em dezembro de 2021, ele já tinha batido o recorde de impopularidade de todo o seu mandato, com um índice de -42, antes de tornar a batê-lo em janeiro de 2022.

É um desastre para um político que saiu do jornalismo e sempre soube manejar bem a mídia e a opinião pública a seu favor, com atos que muitos classificam de populista, gestos exagerados, tom de voz que lembra um animador de programa de auditório e um cabelo desgrenhado que se tornou marca registrada. 

Já são pelo menos 12 festas ou encontros classificados como “de trabalho” mas com a presença de queijos e vinhos e alguns até de música – o que sugere que seriam celebrações ou happy hours.

O apelido Partygate foi dado em referência ao escândalo de Watergate, nos Estados Unidos, que em 1972 levou à queda do presidente Richard Nixon depois de uma série de denúncias anônimas. 

Em sessão do parlamento na quarta-feira (12/1), o primeiro-ministro admitiu ter participado de uma dessas festas, segundo ele “em homenagem ao trabalho duro de sua equipe”. Em sua defesa, afirmou que não teria se dado conta de que se tratava de uma festa – o que provocou risos e fúria. 

Curiosamente, o período de aprovação mais alta de Johnson foi justamente quando a festa do Partygate aconteceu, mas ninguém poderia imaginar isso. 

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Allegra Stratton (screenshot ITV)

O problema é que encontros sociais ou mesmo profissionais com várias pessoas estavam proibido para os britânicos “normais”.   

Alguns chegaram a ser presos ou multados. Duas jornalistas importantes de uma das principais emissoras de TV do país, a Sky News, foram suspensas por causa disso. 

Beth Rigby, comentarista política, e Kay Burley, que apresenta o noticiário matinal da emissora, ficaram fora do ar por seis meses como punição por terem se encontrado para comemorar o aniversário de Burley em dezembro de 2020. 

Abalo na imagem do Partido Conservador 

Para piorar o cenário para Boris Johnson, seu partido, o Conservador, também vem apanhando muito com o Partygate, aprofundando-se nas águas da impopularidade: seu índice em janeiro despencou junto com o do primeiro-ministro, chegando a -41.

Entre os eleitores do partido, o primeiro-ministro também está numa situação bastante desconfortável. É reprovado pela maioria deles (52%) e aprovado por uma parcela de apenas 20%.

Por outro lado, o principal adversário político de Johnson, o líder do partido Trabalhista Keir Starmer vem sendo impulsionado pelo Partygate numa trajetória oposta.

Embora ainda numa faixa também impopular, seu índice de -19 é bem melhor do que o de Johnson. Ele é reprovado pela maioria da população (-52%), mas tem a terça parte dos britânicos (33%) a seu favor.

Partygate faz Boris Johnson mais impopular que antecessora

Para se ter uma ideia do tamanho da impopularidade do atual primeiro-ministro, o índice atual dele é pior do que o atingido por sua antecessora, Teresa May, às vésperas de ser defenestrada do cargo.

Em maio de 2019, quando chegou ao fundo do poço de sua popularidade, May era reprovada por 70% da população e aprovada por 21%, o que correspondia a um nível de popularidade de -49.

Ou seja, com todas as trapalhadas dos últimos tempos, Johnson conseguiu cair a um ponto ao qual sua antecessora May nunca chegou ao longo de todo o seu mandato, apesar de todas as críticas de que não teria sabido conduzir as negociações do Brexit.

Partygate: equipe de Johnson ajudou a piorar crise 

Antes de os rumores sobre festas, que circulavam de forma discreta, começarem a virar notícia com base em fontes confiáveis da mídia e evidências como fotos ou vídeos, a  imagem de Boris Johnson já vinha comprometida por notícias sobre doações mal explicadas para obras em sua residência oficial. 

Mas a questão das festas pegou em dois ponto sensíveis para a população: a confiança no líder da nação e o sofrimento de quem perdeu entes queridos, empregos ou deixou de encontrar parentes e amigos durante meses por causa do lockdown severo.

Quando as notícias começaram a surgir, a equipe de comunicação de Boris Jonhson e ele próprio as justificavam  como encontros de trabalho, sem que o primeiro-ministro tivesse participado de nada que não fosse profissional. 

Até que veio uma novidade expressa em uma sigla de quatro letras: BOYB, de Bring Your Own Booze (traga sua própria bebida). Foi a cereja do bolo do “Partygate” de Boris Johnson.

A sigla comprometedora estava em um e-mail revelado pela emissora ITV. Ele foi enviado a mais de 100 destinatários por Martin Reynolds, secretário pessoal de Johnson. 

Era um convite para um encontro aproveitando o “lovely weather” que fazia em 20 de maio de 2020. Justamente no auge da crise, quando o Reino Unido chorava por mortos, internados e pelos prejuízos de uma Covid descontrolada. 

Na sessão do Parlamento na quarta-feira (12/1), o primeiro-ministro pediu desculpas desajeitadas à nação, mas a conversa mudou para fortes críticas às respostas dadas aos opositores na tentativa de ganhar tempo com o pedido de aguardar o resultado da comissão que investiga a realização das festas. 

Um dos pontos mais criticados da fala de Johnson foi a afirmação de que o encontro teria acontecido para reconhecer o trabalho dos funcionários.

Não apenas isso não está indicado no email, como é um direito que nenhuma outra empresa ou instituição do país teve no auge da crise da pandemia, quando muitos arriscaram a vida em hospitais e no transporte, e não puderam se reunir para confraternizar. 

Outro ponto questionado no Parlamento foi o fato de Johnson ter destituído ou aceitado a demissão de assessores que haviam se comportado mal, e que por isso deveria fazer o mesmo agora. 

O caso mais retumbante foi o da então chefe da comunicação, Allegra Stratton, que em uma simulação de entrevista ano passado fez troça com a resposta que daria caso as supostas festas chegassem ao conhecimento da mídia. 

Nesta quinta-feira (13/1), um ato de outro assessor graduado causou constrangimento ainda maior.

Na véspera dos funerais do príncipe Philip, em que a foto da rainha solitária por respeito ao protocolo vigente de isolamento social comoveu o mundo, a turma de Downing Street 10, a sede do governo, se reuniu para não apenas uma, mas duas festas. 

Uma delas foi o “bota-fora” do então diretor de comunicação de Johnson, James Slack, que tinha a função de proteger a imagem do governo e acabou por criar um grande constrangimento em sua despedida. Depois das revelações do jornal, ele também se desculpou pela “raiva e mágoa” que provocou.

Horas mais tarde, um porta-voz confirmou que Boris Johnson se desculpou com a rainha. 

Desculpas podem reverter o Partygate? 

Ao Parlamento, à rainha ou ao povo, as desculpas de Boris Johnson sobre as festas do Partygate não estão mais convencendo, o que é refletido pela nova pesquisa do YouGov. 

A cada má notícia e a cada ponto perdido na aprovação, aumenta a pressão para a sua renúncia, que pode acontecer voluntariamente ou não. 

Pelas regras do parlamentarismo, o primeiro-ministro pode ser submetido ao chamado “voto de desconfiança”, uma votação interna. Se perder, é obrigado a deixar o cargo. 

Nas últimas semanas o clima estava mais para o deixa-disso, com poucos parlamentares aliados se manifestando publicamente. Com as novas revelações, isso vem mudando, em parte porque os próprios eleitores estão pressionando seus parlamentares pelas redes sociais. 

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