A indignação pela sequência de assassinatos de jornalistas no México – foram três em menos de duas semanas e mais de 160 desde 2010 – motivou nesta terça-feira uma série de protestos em pelo menos oito cidades do país.

O movimento ganhou o nome de Periodismo En Risco (Jornalismo em Risco), com as hashtags #NiSilencioNiOlvido, #PeriodismoEnRiesgo e #NoSeMataLaVerdad tomando conta das redes sociais locais. 

Um dos atos aconteceu diante do Palácio Nacional, sede do governo do país, onde fotojornalistas depositaram as câmeras no chão em um local decorado com fotos de Lourdes Maldonado, Margarito Martinez e José Luis Gamboa, que morreram nas últimas semanas. 

Presidente promete punir crimes contra jornalistas mexicanos 

O México manteve-se em 2021 como um dos locais mais perigosos do mundo para o jornalismo em todos os levantamentos das organizações de liberdade de imprensa, ao lado do Afeganistão. 

A metodologia varia, mas a gravidade não. A conta da Repórteres Sem Fronteiras foi de 46 mortos em 2021, dos quais sete no México. Para a Unesco foram 55, sendo 14 na América Latina. 

Dos três casos ocorridos nas últimas semanas, o de Lourdes Maldonado foi o mais chocante, pelas circunstâncias (ela foi encontrada em seu carro com tiros no rosto) e pelo fato de a jornalista estar recebendo proteção devido a ameaças já denunciadas.  

Entre as entidades que protestaram está a ONU, que aponta a liberdade de expressão e o trabalho dos jornalistas como pilares da democracia e dos direitos humanos. 

Maldonado estava sob defesa do Mecanismo de Proteção de Pessoas Defensoras dos Direitos Humanos e Jornalistas da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) do México.

Em entrevista coletiva na terça-feira, o presidente Andrés Manuel López Obrador prometeu novamente que os crimes não ficariam impunes.

Mas o precedente não é encorajador: mais de 90% dos assassinatos de jornalistas e defensores dos direitos humanos permanecem sem solução no país, apesar de existir um sistema governamental destinado a protegê-los.

Dois dos crimes aconteceram na cidade de Tijuana, fronteira com os EUA, uma das áreas mais conflagradas do país.

Em 17 de janeiro, o fotógrafo  Margarito Martínez foi baleado do lado de fora de sua casa. E em 23 de janeiro, a repórter Lourdes Maldonado López foi encontrada morta a tiros dentro de seu carro.

Antes deles, em 10 de janeiro, José Luis Gamboa Arenas foi esfaqueado em 10 de janeiro no estado de Veracruz, na costa do Golfo do México. Ele era diretor geral do jornal digital Inforegio. 

Ato por jornalistas mexicanos até nos EUA

Além do ato na capital, protestos foram realizados nos estados de Veracruz, San Luis Potosí, Durango e Nayarit, com dezenas de jornalistas se reunindo sob cartazes dizendo “Nenhum jornalista mais morto” e “A Verdade não pode ser morta”.

Os atos atravessaram a fronteira e chegaram a San Diego, nos EUA, cidade próxima à fronteira mexicana. Organizações de jornalismo locais também se manifestaram contra o drama dos jornalistas do México.

Jornalista morto a sangue frio

Os crimes recentes repetem o padrão dos assassinatos de jornalistas no México nos últimos anos. Eram profissionais que cobriam corrupção de governos locais e atos do crime organizado. 

A primeira vítima deste ano foi José Luis Gamboa Arenas esfaqueado em 10 de janeiro no estado de Veracruz, na costa do Golfo do México. Ele era diretor geral do jornal digital Inforegio. 

Arenas ficou famoso por fazer transmissões no Facebook em que criticava a onda de insegurança na região em que vivia. Ele também criticava a “acusação mínima” do crime organizado. 

O jrnalista foi atacado por um suposto assaltante e levou várias facadas. A família reconheceu formalmente o corpo dele apenas quatro dias depois. 

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A Comisión Estatal para la Atención y Protección de los Periodistas (CEAPP) pediu ao Ministério da Segurança Pública (SSP) e à Procuradoria Geral do Estado (FGE) que investigassem o caso.

” A CEAPP intervém pelo assassinato do jornalista José Luis Gamboa.

Esta Comissão solicita à Procuradoria Geral do Estado (FGE) que implemente o Protocolo de Investigação de Crimes Contra a Liberdade de Expressão.”

Outro crime em uma semana

Sete dias depois, outro crime abalou a comunidade jornalística. 

O fotojornalista especializado em eventos e notícias policiais Margarito Martínez Esquível foi morto com três tiros na cidade de Tijuana, estado da Baja California. O crime ocorreu na frente de sua própria casa. 

Investigações indicam que ele recebeu um aviso pelo sistema de radiofrequência falando sobre um acontecimento com feridos.

Ele saiu imediatamente de casa, mas acabou sendo morto antes mesmo de entrar no carro, no que aparentou ser uma emboscada.

Diferentes setores da população e a Comissão de Direitos Humanos do Estado de Baja California (CEDHBC) exigiram que os responsáveis ​​fossem esclarecidos e presos.

Jornalista temia por sua vida

Dos três crimes, o mais mobilizador e chocante foi o da jornalista Lourdes Maldonado. No dia 23 de janeiro, também na cidade de Tijuana, seu corpo foi encontrado com marcas de tiro no rosto.

Na semana passada, a comunicadora venceu um conflito trabalhista que mantinha há anos contra uma emissora de televisão local para a qual trabalhava, de propriedade do ex-governador do estado Jaime Bonilla , que negou qualquer relação com o assassinato.

Maldonado também foi morta na porta de casa. Em 2019, a jornalista havia falado sobre os riscos que corria diretamente com o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, durante uma coletiva de imprensa.

A jornalista especializada em direitos humanos Marcela Turatti destacou a fala em suas redes sociais. 

“‘Venho pedir apoio, ajuda e justiça trabalhista porque até temo pela minha vida’, disse a jornalista Lourdes Maldonado em La Mañanera há três anos.

Hoje ela foi assassinada em Tijuana, tinha acabado de ganhar sua ação trabalhista  Ela é a 3ª jornalista assassinada no México em janeiro, novamente”

Presidente se manifesta

Ao falar ao presidente López Obrador sobre temer por sua vida, ela se referiu diretamente ao processo. Na ocasião, Obrador respondeu “Eu não posso fazer nada ou pouco contra esse personagem”.

Após a notícia da morte de Maldonado o presidente do México declarou que “não se pode vincular automaticamente um processo trabalhista a um crime, não é responsável adiantar nenhum julgamento”.

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Relação entre López Obrador e a mídia

Nos últimos três anos de mandato, as relações entre o presidente do México e a imprensa não é das mais amistosas.

Em 2021, López Obrador chamou os repórteres de “corruptos, rastejantes e fundamentalistas”. Ele ainda inaugurou a seção “As Mentiras da Semana” em suas conferências diárias com a mídia, criticando diversas notícias.

Em uma ofensiva contra a imprensa, ele acusou diversos meios de comunicação de agirem de má fé ao noticiarem os fatos.

Obrador ainda acusou os veículos de agirem sob pressão das potências econômicas, e comparou o trabalho da imprensa às práticas dos tempos de Hitler e Pinochet.

E garantiu que, para ele, o México vive um dos piores momentos do jornalismo.

O mesmo pensam as organizações de jornalistas e as entidades que monitoram a liberdade de imprensa, só que não pelo mesmo motivo do presidente. 

A Associação de Jornalistas Hispânicos dos EUA, baseada em Washington, entrou na briga pelos jornalistas do México, chamando a atenção para a gravidade do problema. 

No México, o assassinato de três jornalistas sinaliza mais um ano mortal. Pelo menos 163 jornalistas e trabalhadores da mídia foram mortos desde 2010.

NAHJ condena os assassinatos de José Luis Gamboa Arenas, Margarito Martínez Esquivel e Lourdes Maldonado

Em uma coletiva de imprensa, a porta voz da ONU, Stéphane Dujarric, declarou que a organização condena a onda de violência contra profissionais da imprensa. 

“Pedimos às autoridades mexicanas que reforcem a proteção dos jornalistas e, em particular, tomem mais medidas para evitar novos ataques contra eles, o que inclui responder a ameaças e insultos contra eles.”

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