Londres – Não houve lua de mel nem fotógrafo de casamento, mas a união de Julian Assange com sua companheira Stella Moris, que aconteceu na quarta-feira (23) dentro da penitenciária onde o fundador do Wikileaks segue preso há quase três anos, teve uma festa do lado de fora reunindo ativistas que clamam por sua libertação, além de muita movimentação nas redes sociais. 

A noiva chegou à prisão usando um vestido de cetim criado pela estilista britânica Vivienne Westwood, e com os dois filhos que teve com Assange. 

A cerimônia foi acompanhada pelas duas crianças, pelo pai e irmão de Assange e pela irmã e mãe da noiva. 

A batalha judicial do caso Assange 

Há duas semanas Assange perdeu uma importante batalha na guerra judicial para não ser extraditado para os EUA, com a recusa do Supremo Tribunal britânico de avaliar um novo recurso contra a autorização concedida em dezembro. A decisão agora está nas mãos do governo britânico. 

A campanha pela libertação de Assange está aproveitando o casamento para reforçar as pressões para que ele não vá para os EUA e que as acusações de espionagem contra ele pelo vazamento de segredos militares sejam retiradas. O fundador do Wikileaks pode ser condenado a 175 anos de prisão. 

Um site para celebrar o casamento de Assange 

A exemplo de outros noivos, o casamento de Julian Assange e Stella Moris ganhou um site na internet contando a história de amor do casal.

No entanto, em vez de listas de presentes ou convite para uma cerimônia oferecida pelas famílias, o site pediu que apoiadores se manifestassem nas redes sociais e junto aos parlamentares em quem votaram nas últimas eleições para elevar a pressão sobre a administração de Boris Johnson, a quem cabe agora autorizar a extradição.

Houve também o convite para a festa diante da prisão, com o pedido de que os participantes estivessem adequadamente trajados para possíveis sessões de fotografia. E também sugestão para o patrocínio a bancos de praça em homenagem ao enlace e postagem de cartazes em quadros de mensagens de cafés. 

Em vez de presentes, o site sugeriu doações  para a nova campanha de arrecadação de fundos para financiar a defesa do fundador do Wikileaks. 

 

O casal se conheceu em 2011, quando ele estava asilado na embaixada do Equador em Londres, onde passou quase sete anos. 

Advogada, Stella Moris tinha sido contratada para atuar na defesa do fundador do Wikileaks, que tentava evitar a extradição para a Suécia, onde respondia a um processo por agressão sexual que acabou sendo encerrado sem julgamento. 

Mas ele acabou permanecendo no prédio para se proteger contra a extradição para os EUA, e só saiu depois que a representação diplomática autorizou a polícia britânica a prendê-lo, em 2019.

O casal iniciou o relacionamento amoroso em 2015 e teve dois filhos, Gabriel e Max, respectivamente com quatro e dois anos, que só viram o pai em visitas na penitenciária de segurança máxima onde ele aguarda a conclusão de sua saga jurídica. 

Stella Moris e os filhos (foto: Twitter)

O vestido da noiva e um kilt (traje típico escocês) do noivo foram desenhados pela estilista Vivienne Westwood, uma das celebridades engajadas na defesa do fundador do Wikileaks. 

O uso do kilt é uma referência à descendência escocesa de Julian Assange. 

Ao chegar à penitenciária, Moris foi saudada pelos apoiadores. 

Depois da cerimônia, ela cortou um bolo na festa dos convidados, mas sem o noivo. 

Fotografias e convidados barrados no casamento de Assange

O casamento acabou acontecendo depois de uma batalha judicial. O casal havia pedido autorização para casar em maio do ano passado, mas entrou na justiça em outubro diante da demora em obter a licença, embora casamentos na cadeia sejam previstos pela legislação britânica. 

Stella Moris falou de sua alegria por poder se casar com o fundador do WikiLeaks – apesar das restrições impostas ao casamento.

“Todos os convidados e testemunhas foram obrigados sair assim que a cerimônia terminar, mesmo que seja antes do término do horário normal de visita.”

Moris também voltou a reclamar das restrições a convidados e ao pedido de ter um fotógrafo próprio. As imagens foram feitas por um guarda penitenciário mas não podem ser divulgadas. 

Um porta-voz da administração penitenciária disse que as restrições fazem parte das regras, e “que o chefe da prisão pode bloquear as imagens se acreditar que elas serão compartilhadas publicamente, o que pode comprometer a segurança prisional.”

Em um artigo para o jornal The Guardian na terça-feira (22), a noiva disse que duas testemunhas foram recusadas por serem jornalistas, assim como um fotógrafo que trabalha na imprensa.

Ela afirmou que todos estariam presentes em caráter pessoal, e questiona a real motivação da proibição de imagens.

“A prisão afirma que nossa foto de casamento é um risco de segurança porque pode acabar nas mídias sociais ou na imprensa.

Que absurdo. Que tipo de ameaça à segurança uma foto de casamento poderia representar?

Stella Moris observou que outros prisioneiros tiveram autorização para serem filmados, e acha que Julian Assange está sendo submetido a regras diferentes.

“Do que eles têm tanto medo? Estou convencida de que eles temem que as pessoas vejam Julian como um ser humano. Não um nome, mas uma pessoa.

O medo revela que eles querem que Julian permaneça invisível ao público a todo custo, mesmo no dia do casamento, e especialmente no dia do casamento. Para que ele desapareça da consciência pública.”

Casamento de Assange nas redes sociais

Se a intenção era mesmo essa, não deu certo, pois a mobilização online em torno do casamento de Assange foi intensa. 

As redes sociais foram inundadas de mensagens de congratulações pelo casamento e de protestos pela união atrás das grades e sem um fotógrafo oficial. 

Imagens da festa diante da penitenciária mostram os defensores de Assange comemorando o casamento com cartazes e flores. 

Em outros países, como na Austrália, país natal do fundador do Wikileaks, manifestantes também se organizaram para comemorar o casamento e protestar.

Foram feitas vigílias por ocasião do casamento, algumas diante de embaixadas britânicas.

Assange virou símbolo de liberdade de imprensa 

Embora não seja um jornalista de carreira, com atuação na mídia tradicional, Julian Assange se transformou em uma referência para os que defendem a liberdade de imprensa. 

Pelo site Wikileaks, ele publicou uma série de documentos confidenciais sobre a atuação dos EUA nas guerras do Iraque e do Afeganistão, reproduzidos pela mídia em todo o mundo. 

Assange sempre negou qualquer irregularidade e ganhou apoio para seu caso de organizações de direitos humanos e grupos de jornalistas em todo o mundo.

Entenda o caso de Julian Assange 

Cidadão australiano, Julian Assange foi preso em Londres em 209 depois de passar mais de seis anos na embaixada equatoriana como forma de evitar a extradição para a Suécia, onde respondia a um processo por agressão sexual, e depois para os EUA, por crimes contra a segurança nacional. 

O fundador do Wikileaks é processado pelos Estados Unidos sob alegação de uma conspiração para obter e divulgar informações de defesa nacional após a publicação de centenas de milhares de documentos relacionados às guerras do Afeganistão e do Iraque no site. 

Ele pode ser condenado a até 175 anos de prisão por 18 acusações. Em janeiro de 2021, a juíza distrital Vanessa Baraister acatou a tese da defesa de Assange e impediu a extradição, sob a justificativa de que ele corria risco de cometer suicídio se fosse para uma prisão de segurança máxima nos EUA. 

Em fevereiro, a justiça britânica concedeu ao país o direito de recorrer apenas em três aspectos processuais que não envolviam o laudo médico apontando risco de suicídio, e segundo analistas tinham pouca chance de mudar o veredito. 

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Os advogados do Departamento de Estado americano apresentaram à corte uma série de garantias com o objetivo de atenuar o suposto risco de suicídio, entre elas a de que ele não ficaria submetido a regime especial de isolamento em uma prisão de segurança máxima. 

Um dos advogados de Assange, Edward Fitzgerald , disse na época que as “garantias qualificadas e condicionais” foram apresentadas “tarde demais para serem devidamente testadas” e “não prejudicam as principais conclusões” do juiz distrital que aplicou a lei “estrita e inteiramente de forma adequada”.

Em nova audiência em outubro, o advogado sustentou que a juíza Vanessa Baraister produziu em janeiro um “julgamento cuidadosamente considerado e totalmente fundamentado”, acrescentando que estava “claro” que ela “aplicou corretamente o teste de opressão em casos de transtorno mental”. 

E disse ao tribunal: “É perfeitamente razoável considerar opressor extraditar uma pessoa com transtorno mental porque sua extradição pode resultar em sua morte”, acrescentando que um tribunal deve ser capaz de usar seu poder para “proteger as pessoas da extradição para um estado estrangeiro onde não temos controle sobre o que será feito a eles ”.

Outro fundamento da defesa de Julian Assange na sessão de outubro foram as revelações feitas pelo site de notícias Yahoo em setembro a respeito de planos dos EUA para sequestrar e matar o fundador do Wikileaks em 2007, quando ele estava asilado na Embaixada do Equador.

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Na época, Assange entrava em seu quinto ano asilado na embaixada do Equador em Londres, e, segundo o Yahoo, funcionários do governo Trump debatiam a legalidade e a viabilidade de uma operação para retirar o ativista do local, segundo a apuração.

Altos funcionários da CIA e da administração Trump teriam solicitado “esboços” de como assassiná-lo. As discussões sobre o sequestro e possível assassinato de Assange ocorreram “nos escalões mais altos” do governo Trump, disse um ex-oficial da contra-espionagem ao Yahoo.

A defesa de Assange tentou convencer a Suprema Corte de que ele não poderia ser extraditado para um país que tentou matá-lo. 

Mas não teve sucesso. O Departamento de Estado dos EUA conseguiu revogar a decisão em dezembro de 2021, abrindo caminho para a extradição. 

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