Londres – A repressão à imprensa independente no Vietnã, que resultou na condenação de mais dois jornalistas nos primeiros dias de abril, está indo além de longas detenções e prisões arbitrárias e adotando outros instrumentos de intimidação e punição de profissionais de mídia. 

O jornalista vietnamita Phan Bui Bao Thy foi condenado no dia 7 a um ano de aulas obrigatórias de “reeducação” por suposta difamação. 

Dois dias antes, a Justiça do país havia condenado outro jornalista, Nguyen Hoai Nam, a três anos e meio de prisão por uma reportagem denunciando corrupção em um órgão estatal. As penas foram fundamentadas em um artigo constitucional que criminaliza “abuso” dos limites dos direitos de expressão.

Jornalismo no Vietnã sobrevive com repressão e ameaças

O Vietnã é governado pelo Partido Comunista, frequentemente criticado por organizações de direitos humanos e de liberdade de expressão pela restrição de direitos civis, de associação, de crença e pela proibição de grupos que desafiem o regime. 

O país está classificado na 175ª posição no ranking de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras, com 180 nações listadas. Levantamento da ONG também revela que o país é o terceiro que mais prende jornalistas e blogueiros do mundo.

O jornalista Phan Bui Bao Thy, condenado a um ano de “reeducação”, era chefe do escritório da revista online Giao Duc Va Thoi Dai, que cobre assuntos do setor de educação, sem relação direta com política.

Ele recebeu a pena por uma acusação de difamar líderes estatais nas redes sociais. Os condenados à “reeducação” podem viver fora da prisão, mas são obrigados a frequentar aulas sobre a lei e os regulamentos locais do Vietnã.

Thy foi acusado de acordo com o artigo 331 do Código Penal vietnamita, que processa aqueles considerados “abusadores dos direitos à liberdade e à democracia ou que violem os interesses do Estado e os direitos e interesses legítimos de organizações e indivíduos”.

Segundo a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês) as autoridades decidiram sobre a sentença do jornalista após cinco dias de deliberação.

O processo foi aberto devido a 79 postagens no Facebook publicadas por Thy, bem como pelo empresário vietnamita Le Anh Dung, entre abril de 2020 e fevereiro de 2021, que supostamente violaram  a “reputação, honra e dignidade” dos líderes estatais. Dung foi sentenciado a 18 meses.

A entidade condenou o uso regular do Código Penal para deter jornalistas de forma arbitrária no país, afetando gravemente a liberdade de expressão e de imprensa no Vietnã.

“A IFJ insta as autoridades vietnamitas a retirar todas as acusações contra Phan Bui Bao Thy e permitir que os profissionais da mídia trabalhem livremente, sem assédio, intimidação ou prisão”.

O Comitê de Proteção da Jornalistas também se manifestou sobre o caso. 

“São as autoridades vietnamitas, não o jornalista Phan Bui Bao Thy, que precisam de uma ‘reeducação’ sobre a importância de uma imprensa livre em uma sociedade justa, justa e democrática”, disse Shawn Crispin, representante do CPJ no Sudeste Asiático. “O Vietnã deve parar imediatamente de punir e prender jornalistas por acusações contra o Estado.”   

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Jornalista do Vietnã é condenado a três anos e meio de prisão

Phan Bui Bao Thy foi o segundo jornalista em uma semana condenado com base no artigo 331 do Código Penal do Vietnã.

Em 5 de abril, o repórter Nguyen Hoai Nam havia recebido uma pena de três anos e meio de prisão por uma matéria publicada em 2018 no jornal Ho Chi Minh City Law, onde trabalhava na época, criticando o Estado. 

Ele é um repórter investigativo famoso, que desvendou casos envolvendo entidades governamentais e redes criminosas. Trabalhou em vários meios de comunicação vietnamitas, com Thanh Nien (Juventude), Phap Luat TPHCM (Lei HCMC), Vietnã TV  e Phap Luat Viet Nam (Lei do Vietnã).

Nguyen Hoai Nam (foto: Twitter)

As reportagens que deram origem à condenação denunciaram violações na Administração de Hidrovias Interiores do Vietnã. 

Posteriormente, o jornalista postou vários dos artigos no Facebook e criticou a investigação sobre o caso, dizendo que 15 pessoas cometeram violações, e não três como alegado pela polícia.

Ele acusou os investigadores de “deixarem os criminosos livres”.

O Departamento de Informação e Comunicação do HCMC disse que as postagens de Nam no Facebook afetaram a reputação de policiais e funcionários públicos. 

Ele foi preso 3 de abril de 2021. O jornalista se declarou inocente no tribunal e seguiu preso para o julgamento.

“O Facebook é uma ferramenta para informar o público. Lutei pelo Estado, não por qualquer pessoa. Escrevi artigos com provas, então não se pode dizer que menti ou inventei coisas”, disse o jornalista em comunicado reproduzido pela imprensa vietnamita e por organizações de liberdade de imprensa internacionais. 

Os promotores entenderam, no entanto, que as matérias produzidas por Nam “afetaram negativamente a segurança social e a ordem”.

Segundo o site de notícias VN Express, um dos mais lidos do país, o tribunal teria sido benevolente e estabeleceu a pena de três anos e meio de cadeia pelos “bons antecedentes e méritos e prêmios como jornalista”.

Nam rejeitou a sentença e exigiu uma investigação mais aprofundada sobre seu caso, disse o VN Express. 

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A posição do Vietnã no ranking de liberdade de imprensa da ONG Repórteres sem Fronteiras sinaliza que o país tem grandes avanços a serem feitos para assegurar o livre exercício do país — avanços que ainda parecem muito distantes de acontecer.

Os dois casos de abril seguem um padrão regular do país em relação à mídia independente e a jornalistas que fazem críticas ao Estado. 

No dia 31 de dezembro, o jornalista Le Trong Hung, de 42 anos, que fazia a cobertura sobre corrupção para o canal de TV de mídia social Chen Hung Viet Nam (TV Renascentista do Vietnã), foi condenado a cinco anos de prisão sob a acusação de “propaganda anti-Estado”.

Hung trabalhava há quatro anos para o veículo independente que ajudou a fundar. No ano passado, foi um dos 70 candidatos independentes às eleições no país. O jornalista foi preso em março de 2021, dois meses antes da realização do pleito.

Duas semanas antes, a premiada jornalista Pham Doan Trang havia sido sentenciada a nove anos pelo mesmo crime.

Pham Doan Trang Jornalista Vietnã
Foto: reprodução vídeo Radio Free Asia

Protestos vieram de entidades como a Anistia Internacional, que classificou a decisão de “escandalosa”, e até do Departamento de Estado dos EUA, que em nota afirmou que ela “não fez nada além de expressar pacificamente sua opinião”. Hung recebeu a sentença após ficar 434 dias detida. 

Ela escreveu vários livros e ajudou a fundar veículos de mídia independentes, incluindo a revista jurídica Luta Khoa e o site em inglês The Vietnamese, baseado na Califórnia, do qual é uma das editoras.

Além de atuar na imprensa, criou o grupo ambientalista Green Trees, que denuncia infrações ambientais e já teve vários ativistas presos. 

Capturada em sua casa na cidade de Ho Chi Minh em 6 de outubro de 2020, a jornalista ficou incomunicável por mais de um ano, até 19 de outubro de 2021, quando foi transferida para um centro de detenção a fim de aguardar o julgamento. 

Suspeitando que poderia ser presa, deixou uma carta a ser divulgada caso fosse capturada. Trang pediu que seus apoiadores continuassem sua luta por reformas no processo eleitoral do país; que ajudassem a promover seus livros e que aproveitassem sua prisão para forçar negociações com o governo.

Outro caso em 2021 foi o de um jornalista que trabalhou como editor de uma emissora de rádio controlada pelo governo.

Pham Chi Thanh foi condenado à prisão sob acusação de disseminar propaganda contra o Estado. 

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