Londres -Uma das mais conhecidas  jornalistas da rede de TV Al Jazeera, Shireen Abu Akleh, foi assassinada a tiros pelo exército israelense na Palestina enquanto cobria um ataque na cidade ocupada de Jenin, na Cisjordânia.

Depois de ser baleada na cabeça na manhã desta quarta-feira (11), ela foi levada para o hospital em estado crítico e morreu logo depois, disseram o Ministério da Saúde Palestino e a rede Al Jazeera.

O governo de Israel atribuiu a morte a um confronto de forças palestinas com soldados israelenses. No entanto, o chefe do escritório de Ramallah da Al Jazeera, Walid al-Omary, disse que não houve tiros disparados por palestinos.

Repórter assassinada era “jornalista de verdade”

Abu Akleh, palestina que também tinha cidadania americana, foi uma das primeiras repórteres de campo da Al Jazeera, onde trabalhava desde 1997, e era uma profissional respeitada. 

Um dos ex-colegas dela Mohammad Hawwash, que a conhecia há mais de 25 anos, disse que ela era uma “jornalista de verdade”.

“Shereen era uma jornalista profissional e imparcial que transmitia a realidade e os eventos como eles são”, disse Hawwash à Al Jazeera.

Giles Trendle, diretor administrativo da Al Jazeera English, que a rede ficou “chocada e triste” com a morte de Shireen Abu Akleh e pediu uma investigação transparente sobre seu assassinato.

“Como jornalistas, seguimos em frente. Nossa missão é seguir em frente. Não seremos silenciados apesar das tentativas de nos silenciar”, afirmou. 

De quem é a culpa?

O Ministério das Relações Exteriores de Israel acusou ‘terroristas palestinos’ de terem atirado indiscriminadamente e possivelmente terem atingido a jornalista, mas jornalistas que estavam no mesmo grupo afirmaram que não houve troca de tiros entre os dois lados do conflito.  

A morte da jornalista foi condenada por autoridades palestinas. O porta-voz do governo da Autoridade Palestina (AP), Ibrahim Melhem, descreveu o o caso como “crime abrangente cometido contra um jornalista conhecido”.

A presidência palestina condenou o assassinato, dizendo em um comunicado que responsabiliza a ocupação israelense, segundo a rede onde a jornalista assassinada trabalhava.

No Twitter, acusou Israel de perseguição sistemática a jornalistas, e clamou que jornalismo não é crime. 

 

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Caso será reportado ao TPI

A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês) condenou veementemente o assassinato direcionado a uma profissional de mídia palestina e anunciou que vai adicionar o assassinato à denúncia apresentada no Tribunal Penal Internacional, que detalha o ataque sistemático de jornalistas palestinos.

Para o Sindicato dos Jornalistas Palestinos, o crime foi deliberado e planejado. Em comunicado, a organização disse: 

“Há depoimentos dos jornalistas que estavam com ela quando ela foi morta, dizendo que eles estavam se movendo em grupo, todos usando equipamentos de jornalistas e claramente identificados, quando foram baleados por franco-atiradores israelenses.

Eles eram o único grupo na rua. Não houve manifestantes ou troca de tiros”.

Outro jornalista também ferido, Ali al-Samoudi, que recebeu uma bala nas costas, negou a versão de Israel em reportagem publicada pela rede:

“Nós íamos filmar a operação do exército israelense e, de repente, eles atiraram em nós sem nos pedir para sair ou parar de filmar.

A primeira bala me atingiu e a segunda bala atingiu Shireen … não houve nenhuma resistência militar palestina no local.”

Shatha Hanaysha, uma jornalista local que estava ao lado de Abu Akleh quando ela foi assassinada na Palestina, também confirmou à Al Jazeera que não houve confrontos entre combatentes palestinos e o exército israelense. Ela disse que o grupo de jornalistas foi diretamente visado.

“Éramos quatro jornalistas, estávamos todos usando coletes, todos usando capacetes”, disse Hanaysha à emissora.

“O exército de ocupação [israelense] não parou de disparar mesmo depois que ela entrou em colapso. Eu não conseguia nem estender meu braço para puxá-la por causa dos tiros que estavam sendo disparados. O exército foi inflexível em atirar para matar”, relatou. 

A reportagem da rede onde a jornalista trabalhava registra o último e-mail de Abu Akleh para o escritório Ramallah da Al Jazeera às 6:13 da manhã, no qual escreveu: “As forças de ocupação atacam Jenin e sitiam uma casa no bairro de Jabriyat. No caminho para lá – trarei notícias assim que a imagem ficar clara.”

Colega da Al Jazeera compartilha última foto de jornalista

O jornalista Arwa Ibrahim, da Al Jazeera English, prestou homenagens a Shireen Abu Akleh nas redes sociais.

“Eu cresci ouvindo a voz corajosa de Shireen Abu Akleh sobre a Palestina e tive o privilégio de trabalhar ao lado dela enquanto reportava de Jerusalém e da Cisjordânia ocupada.

Shireen foi morta a tiros pela polícia israelense enquanto fazia seu trabalho. Esta notícia atinge a todos nós.”

Ibrahim também compartilhou um vídeo do momento em que a jornalista foi declarada morta pelos médicos no hospital. Colegas de imprensa, que estavam no local identificados com os tradicionais coletes usados em coberturas de riscos, se desesperam e choram.

“Para muitos de nós jornalistas, o assassinato de Shireen Abu Akleh é profundamente pessoal”, escreveu Ibrahim em outra mensagem no Twitter.

“Antes de entrar nesta profissão, seu rosto e voz nos mostraram o caminho — calma, serena e inabalavelmente apaixonada e comprometida como repórter e palestina. Em todos os sentidos, sentiremos sua falta, Shireen.”

Um outro vídeo compartilhado por ele mostra dezenas de palestinos ao redor do corpo da jornalista assassinada, que foi coberto com mantas, uma bandeira da Palestina e o colete de imprensa que ela usava.

Ele descreve: “O simbolismo é avassalador. Shireen Abu Akleh, a corajosa jornalista palestina que passou décadas relatando a agressão israelense, foi morta em Jenin — um símbolo da resistência palestina à ocupação israelense. Aqueles que ela relatou [em suas reportagens] dizem adeus.”

Arwa Ibrahim também divulgou a última foto tirada de Shireen Abu Akleh em vida. Na imagem, um colega aparece ajudando-a a colocar o colete à prova de balas com a identificação de “Imprensa”.

Jornalistas na Palestina sob risco

A IFJ apresentou recentemente uma denúncia no Tribunal Penal Internacional (TPI) sustentando que o ataque sistemático de Israel a jornalistas que trabalham na Palestina e sua incapacidade de investigar adequadamente os assassinatos de profissionais de imprensa equivalem a crimes de guerra.

O secretário-geral do IFJ, Anthony Bellanger, disse:

“Enquanto todos os detalhes deste terrível assassinato ainda estão surgindo, o testemunho de jornalistas que estavam com ela quando foi morta apontam para que este seja outro alvo deliberado e sistemático de um jornalista.

Mais uma vez, jornalistas, usando coletes de imprensa, claramente identificados, foram alvo de franco-atiradores israelenses. Eles não estavam ao lado de manifestantes, eles não eram uma ameaça — eles foram direcionados para impedi-los de testemunhar e dizer a verdade sobre a ação israelense em Jenin.

“Adicionaremos esse caso à reclamação do TPI apresentada pela IFJ, detalhando essa segmentação sistemática. Se exigirmos justiça para o ataque russo de jornalistas ucranianos, devemos exigir justiça para o ataque israelense e assassinatos de jornalistas palestinos”.

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