Londres – Nem o exílio impede que jornalistas russos críticos ao governo de Vladimir Putin e à guerra na Ucrânia sofram censura e perseguição com base na lei de “fake news”, aprovada em março no parlamento da Rússia.

Dois jornalistas independentes tiveram prisão decretada à revelia, já que por estarem fora do país não compareceram ao tribunal  onde foi apresentada a acusação.

Ruslan Leviev e Michael Nacke não estão mais na Rússia, mas o Kremlin incluiu os nomes de ambos na lista internacional de procurados e determinou detenção  imediata de dois meses para quando forem capturados. Se condenados, eles podem pegar de 5 a 10 anos de cadeia.

Censura na Rússia atinge até mesmo quem está fora do país

A acusação contra Ruslan Leviev, fundador do projeto de investigação independente Conflict Intelligence Team (CIT), foi apresentada no Tribunal Basmanny, em Moscou, no dia 18 de maio.

Ele havia fugido da Rússia em 3 de março e teve a prisão decretada pelo juiz por “distribuição de notícias falsas” sobre os militares e a invasão à Ucrânia. Nacke está fora do país há dois anos. 

Apenas um dia após Leviev deixar o país, a Duma, o parlamento russo, aprovou a chamada “lei de fake news” que proíbe a imprensa nacional e estrangeira de divulgar informações sobre a guerra que não sejam aquelas aprovadas pelo Kremlin.

Pela lei, jornalistas e veículos de comunicação só podem chamar a guerra de “operação especial” e não podem noticiar as ações do exército russo no país vizinho.

Stanislav Seleznyov, advogado integrante de uma organização russa de assistência jurídica à liberdade de expressão que representa os dois jornalistas, teve acesso aos documentos judiciais, e disse que as acusações decorrem de um vídeo postado por Michael Nacke em seu canal do YouTube em 5 de março. 

No programa, os dois jornalistas discutiam o bombardeio russo de 4 de março à usina nuclear de Zaporizhzhia, no sudeste da Ucrânia. O investigador designado para o caso afirmou que o vídeo continha elementos que “contradiziam” a narrativa oficial da Rússia sobre a guerra.

Nacke se referiu à invasão russa da Ucrânia como uma “guerra” e não uma “operação especial”, e Leviev disse que as alegações russas de que os ucranianos atacaram a usina eram “ilusórias”.

O investigador alegou que Leviev e Nacke “conspiraram para estabelecer uma atitude pública negativa em relação ao exército russo e convencer seu público do uso dos militares russos contra civis e pela destruição de infraestrutura civil na Ucrânia”, informou o advogado.

Em 12 de maio, o Ministério do Interior russo colocou ambos em lista internacional de procurados.

Em 24 de maio, uma semana depois da audiência judicial de Leviev, o mesmo tribunal também emitiu ordem de prisão à revelia para o youtuber Michael Nacke, sob a mesma acusação.

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No Twitter, Ruslan Leviev compartilhou o que sabe sobre o processo. “Pelos documentos disponíveis no tribunal, soube que meu caso está sendo conduzido por um investigador para casos especialmente importantes do departamento para a investigação de crimes cibernéticos (!!) e crimes no campo de altas tecnologias”, disse.

Em março, o jornalista disse nas redes sociais que fugiu da Rússia para a Geórgia por causa da censura e do medo de ser punido por seu trabalho.

“Ei, deixei a Rússia há muito tempo, verifique o registro de voo. Mudei há muito tempo do endereço em Moscou onde morava e tirei de lá todas as minhas coisas. Pare de me procurar lá. Estou na Geórgia.”

Ao site Mediazone, Leviev confirmou que buscou exílio em outro país no dia 3 de março. A equipe do CIT também está na Geórgia, segundo ele. 

Em um vídeo publicado em seu canal no YouTube em 18 de maio, Michael Nacke disse que soube do processo criminal por meio de reportagens e não recebeu notificação oficial das acusações. Ele afirmou não planeja voltar ao país por causa da censura sofrida no governo Putin.

Pela lei aprovada em março, se os jornalistas forem condenados, podem pegar de 5 a 10 anos de prisão.  A lei funcionou como um instrumento de censura, levando ao fechamento de veículos de oposição ao governo da Rússia, exílio de profissionais e interrupção de reportagens de correspondentes estrangeiros. 

Uma nova lei proposta no Parlamento pode agravar ainda mais a situação, formalizando poderes para o governo de Vladimir Putin interferir na mídia de oposição e cassar licenças de correspondentes internacionais sem necessidade de ações judiciais. 

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Reclamando da censura e das perseguições,  Gulnoza Said, coordenador do programa do CPJ na Europa e Ásia Central disse: “A lei da Rússia que proíbe reportagens ‘falsas’ sobre os militares russos está causando sérios danos ao que resta da imprensa independente russa mesmo operando fora do país”, disse 

“As autoridades russas devem retirar imediatamente todas as acusações contra Ruslan Leviev e Michael Nacke e permitir que os jornalistas noticiem livremente sobre a guerra.”

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