Catarina Freire

Ontario – Para os brasileiros, o Canadá tem a fama de ser um país diverso e inclusivo — e os próprios canadenses, ou pelo menos 85% deles, acham que a diversidade racial faz do Canadá um país melhor.

Mas um terço da população acredita, também, que vive em um país racista. 

Entre a intenção de valorizar diversidade e inclusão e a realização efetiva dessa intenção há, claro, um longo caminho a ser percorrido. 

Diversidade racial do Canadá não é refletida na mídia

Uma das questões delicadas é a relação com as populações indígenas do país, uma história que envolve opressão, colonialismo e traumas que perpassam gerações e continuam muito presentes na vida dessas minorias.

Recentemente, descobertas de cemitérios clandestinos em áreas que eram, no passado, ocupadas pelas chamadas escolas residenciais, colocaram de novo o dedo nessa ferida. 

O motivo? No passado as crianças indígenas eram levadas para as escolas residenciais, deixando para trás a família, sua língua e tradições culturais. Nessas escolas, elas sofriam abusos de todo tipo, enquanto eram forçadas a aprender o “jeito europeu de ser”. 

À luta dos movimentos indígenas se junta o movimento Black Lives Matter, também presente no Canadá. Faz sentido: uma vitória verdadeira contra opressão, racismo e exclusão não pode deixar ninguém para trás. 

Leia também

Amazônia, sabedoria ancestral e colonialismo: as melhores imagens do World Press Photo 2022

Oito em cada dez redações não têm jornalistas negros ou indígenas

A Associação Canadense de Jornalistas (CAJ, na sigla em inglês) realizou, entre novembro de 2020 e julho de 2021, uma pesquisa sobre diversidade na mídia. Foram incluídos dados de mais de 3.800 jornalistas de 209 veículos de rádio, televisão, impressos e digitais. 

Os resultados revelam que oito em cada dez redações não têm em suas equipes nenhum jornalista negro ou indígena. Nos cargos de chefia, mais de 80% dos jornalistas se identificam como brancos. 

O relatório também mostra que as lideranças nas redações tendem a superestimar a diversidade em suas equipes.

Enquanto 70% dos editores que responderam à pesquisa disseram que seus colaboradores refletem a diversidade de suas audiências, menos de um terço das redações participantes são tão diversas quanto o público que atendem.

Leia o relatório na íntegra aqui.

Duas professoras da Universidade Metropolitana de Toronto, Asmaa Malik e Sonya Fatah, afirmam que as discussões em torno da diversidade racial na mídia canadense têm sido capitaneadas, em sua maior parte, por jornalistas pertencentes a grupos minoritários.

Elas analisaram dados dos colunistas de três dos principais jornais do Canadá – Toronto Star, National Post e The Globe and Mail – ao longo de 21 anos e verificaram que, embora a proporção de brancos no Canadá tenha diminuído ao longo desse período, a proporção de colunistas brancos aumentou. 

Não é à toa que nos últimos anos as empresas de mídia do Canadá – como as de outros ramos – têm sido cobradas cada vez mais quanto a políticas especificamente voltadas para o tema da diversidade, equidade e inclusão.

A grande distância entre intenção e realidade

Em dezembro de 2021, a CBC, emissora pública de rádio canadense, lançou um plano de três anos (2022-2025) para expressar seu comprometimento com os tópicos da diversidade, equidade e inclusão. 

No documento, a empresa assume o compromisso de que “todas as pessoas vivendo no Canadá se sintam valorizadas, vistas e ouvidas por sua emissora pública”. 

O plano se organiza em torno de cinco pontos estratégicos: escolher a inclusão, reconhecendo e desmontando as barreiras existentes; desenvolver conteúdo para todos; fomentar uma mudança cultural na empresa; criar conexões com grupos sub-representados para entender suas necessidades; e promover uma comunicação direta e aberta com todos os públicos. 

Apesar de avanços recentes, ainda não há manual de instruções sobre as formas mais eficientes de se promover diversidade. Assim, as empresas vão experimentando, e obviamente há tropeços. Às vezes, entre a intenção declarada e o que é colocado em prática há lacunas enormes. 

Por mais empenhados que sejam os jornalistas cobrindo questões de equidade, diversidade e inclusão, redações pouco diversas tenderão a uma cobertura limitada desses temas. 

Havendo representatividade de grupos minoritários dentro das equipes, cria-se a possibilidade de uma cobertura mais sensível às questões de relevância para populações indígenas, negras ou de imigrantes. 

Promover diversidade e inclusão nas redações e nas histórias por elas contadas não é apenas uma questão de cumprir tabela: sendo a mídia uma importante formadora de opinião, é, também, uma poderosa ferramenta para fomentar a mudança cultural que se deseja ver na sociedade. 


Esta matéria faz parte do Especial MediaTalks Diversidade na Mídia. Leia aqui.

MediaTalks Especial Diversidade Equidade Inclusão DEI Mídia jornalismo imprensa

MediaTalks Especial DEI Diversidade Inclusão Mídia apoios