Londres – Quase um ano depois de o jornalista investigativo holandês Peter de Vries ser assassinado  à luz do dia no centro de Amsterdã, em julho de 2021, os acusados começaram a ser julgados, mas não assumiram a autoria apesar de imagens de câmeras de segurança registrando o crime. 

Segundo as investigações policiais, o rapper holandês Delano Geerman, de 22 anos, e o mecânico polonês Kamil Egiert, 36, teriam agido a mando do maior traficante de drogas do país, Ridouan Taghi, que está preso desde 2019 e enfrenta uma série de processos.

Além de comandar um programa, De Vries havia se tornado consultor de uma das testemunhas de acusação contra o traficante, Nabil Bakkali, e essa poderia ter sido a causa da fúria. Taghi também é acusado de mandar matar o advogado e o irmão de Nabil.

Acusados de matar jornalista holandês podem pegar perpétua 

Peter de Vries, conhecido por suas reportagens investigativas sobre crime organizado, lutou mais de uma semana pela vida em um hospital depois de levar cinco tiros quando deixava o prédio da emissora de TV RTL Boulevard, em 6/7, em uma área movimentada da cidade. 

A polícia prendeu os dois acusados logo após o crime. Delano Geerman, 21, rapper de Roterdã que se apresentava como “Demper” ou “Slick” tinha antecedentes criminais e participava de um canal no YouTube chamado 101Barz, acusado de glorificar a violência.

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Delano Geerman (Foto: Instagram)

O polonês Kamiel Egiert, de 35 anos, tinha um mandado de prisão europeu pendente por furto e assaltos, emitido pela Polônia.

O resultado do julgamento deve sair no dia 14 de julho. Na sessão desta segunda-feira, a promotoria pediu prisão perpétua. As sessões serão retomadas em 15 de junho. 

Segundo o Ministério Público, é uma pena agravante para um homicídio por encomenda de “um cidadão completamente inocente”. 

“Um repórter criminal famoso e muito amado, com um histórico muito longo e determinação incomparável, não existe mais. Sua morte chocou toda a Holanda e lançou o país em profundo luto”.

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Peter de Vries (Reprodução/NOS)

Apesar das evidências, como imagens do crime capturadas por câmeras de segurança e trocas de mensagem antes e depois do crime obtidas no telefone celular de Geerman, os dois não assumiram o assassinato de De Vries.

O polonês, motorista do carro e responsável por ajudar na vigilância, disse: “eu não matei este homem”.

E Geerman, que pelas imagens foi quem atirou na cabeça do jornalista holandês, invocou o direito ao silêncio. 

No entanto, em uma das mensagens no telefone com o DNA do rapper, ele relata que a bala atravessou a tabela do jornalista e que todo mundo gritou, confirmando que De Vries estava morto. Ele teria recebido € 150 mil (R$ 780 mil).

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Os dois foram presos em uma rodovia menos de uma hora após o crime, porque a placa do carro foi registrada pelas câmeras de segurança. Imagens também mostram os dois circulando pelo local onde atacariam o jornalista minutos antes do crime. 

Os homens são das cidades de Maurik e Tiel, onde atua o grupo comandado por Taghi, que enfrenta acusações de assassinato, tráfico de drogas e crime organizado. 

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Ridouan Taghi foi preso em Dubai em 2019 e extraditado para a Holanda. (Divulgação /Polícia de Dubai)

Os filhos de Peter De Vries estão participando do julgamento e se dirigiram ao assassino. Royce de Vries disse: “se você tivesse pedido ajuda ao meu pai em vez de ter puxado o gatilho, ele teria ajudado”. 

Caso de Peter De Vries assustou Holanda 

O crime contra Peter De Vries chocou a Holanda, um país sem histórico de violência, e o mundo do jornalismo, pela ousadia dos autores que não se intimidaram com as câmeras de segurança nem com a fama do repórter, uma celebridade no país. 

O holandês não é o único jornalista assassinado em casos associados ao crime organizado. No México, onde nove  jornalistas já foram mortos apenas este ano, vários casos são atribuídos a cartéis de tráfico de drogas ou milícias. 

O caso do jornalista holandês, porém, chamou a atenção para o poder das quadrilhas na Europa.

Em entrevista à mídia holandesa logo após o crime, o juiz e promotor italiano Nicola Gratteri disse que Holanda, Alemanha, Bélgica e França subestimam a influência desestabilizadora do crime organizado na sociedade. Segundo ele, a Holanda está “minimamente equipada” para enfrentar as gangues criminosas. 

“Os países europeus não têm ideia do que realmente é um mafioso, um criminoso sério, e do que é capaz”, disse Gratteri. 

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Jornalista sabia ser um alvo, mas negou escolta

Dois anos antes do crime, a polícia avisou a De Vries que ele estava na “lista de alvos” de Taghi por dar apoio destacado à principal testemunha contra o criminoso.

O jornalista holandês assassinado chegou a revelar no Twitter que estava sob ameaça, mas optou por não aceitar proteção policial. 

Peter R. de Vries era um profissional premiado, que tinha em seu currículo a cobertura de grandes casos criminais.

Em 35 anos de carreira,  ele investigou mais de 500 casos de assassinato e se tornou um dos repórteres policiais mais conhecidos do país.

Seu livro sobre o sequestro do magnata da cerveja Freddy Heineken, em 1983, foi adaptado para um filme de Hollywood estrelado por Anthony Hopkins. Ele ficou ainda mais popular comandando desde 1995 um programa de TV sobre crimes.

De Vries trabalhou para veículos como De Telegraaf, revista Panorama e Algemeen Dagblad. Em 2008, ganhou o prêmio Emmy Internacional por sua investigação sobre o desaparecimento da adolescente Natalee Holloway em 2006, em Aruba.

Ele atuou em dupla com o jornalista Cees Koring durante cinco anos.

“O jornalismo investigativo e as reportagens criminais ainda estavam em sua infância na década de 1980. Fomos pioneiros. As aparições de Peter na TV deram um rosto à nossa atividade, levando-a a um nível superior”, disse o colega. 

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