Londres – Em mais uma investida para dominar o território ucraniano, a Rússia passou a transmitir seus canais, incluindo os que divulgam amplamente sua propaganda estatal, na região de Kherson, cidade no sul do país que já é controlada por Moscou.

O Ministério da Defesa da Rússia anunciou na rede social VKontakte na terça-feira (21) que “reconfigurou a última das sete torres de televisão” da área para a transmissão de emissoras russas.

Kherson é localizada próximo à fronteira com a Crimeia, anexada pelo governo de Vladimir Putin em 2014. Agora, pode viver um “apagão” de informações verdadeiras sobre o conflito.

Propaganda estatal da Rússia já era disseminada na região há dois meses

Desde o início da guerra, em fevereiro, a cidade foi ocupada pelo Exército russo e tem autoridades pró-Kremlin no comando, adotando inclusive o rublo como segunda moeda oficial. 

Em vídeo compartilhado na página do ministério russo na VKontakte, soldados mascarados aparecem trabalhando em torres de televisão. Os homens foram identificados como “especialistas das unidades de comunicação das Forças Armadas da Rússia”.

No comunicado, o Exército informa que “cerca de 1 milhão de moradores da região [de Kherson] agora podem assistir ao Channel One, Rossiya, NTV, REN-TV, Channel Five, OTR, TVC, STS, Zvezda, Mir e outros canais russos” de forma gratuita.

Rússia dissemina propaganda estatal em Kherson, cidade da Ucrânia
Publicação do Ministério da Defesa russo sobre torres de TV em Kherson (Foto: Reprodução/VKontakte)

Emissoras da Rússia estão sendo transmitidas para algumas partes de Kherson desde abril, segundo a Radio Free Europe/Radio Liberty (RFE/RL).

Mas a ampliação da cobertura do sinal de TV representa um rápido avanço para a absorção da região, que pode ficar desinformada sobre a guerra a partir de agora.

Propaganda estatal da Rússia na TV deve desinformar ucranianos sobre a guerra

Antes mesmo da invasão à Ucrânia, o governo russo já mantinha um rígido controle sobre a mídia, mas isso foi intensificado a níveis extremos com a guerra.

Uma lei aprovada pelo parlamento do país em março condena a até 15 anos de prisão quem divulgar “informações falsas” sobre o conflito e as Forças Armadas russas — e isso inclui usar os termos “guerra” e “invasão”, em vez de “operação especial”, para se referir ao que está acontecendo entre as duas nações.

Desde então, a mídia local se deteriorou. Centenas de jornalistas fugiram, alguns dos maiores veículos de comunicação do mundo retiraram suas equipes da Rússia e os locais de oposição foram obrigados a fechar.

Com a ampla disseminação de fake news sobre a guerra, até a agência estatal Tass foi removida dos serviços da Reuters na tentativa de frear a ampliação da propaganda estatal da Rússia no Ocidente.

A chegada da TV russa às regiões controladas na Ucrânia deve estender as forças midiáticas do Kremlin e desinformar a população local sobre o que acontece no próprio país.

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Em março, as imagens da jornalista Marina Ovsyannikova protestando ao vivo contra a guerra na Ucrânia na TV estatal russa Channel One ganhou o mundo, num ato desesperado de alertar à sociedade sobre a grave situação em que estão e pouco sabem.

Ela invadiu o estúdio da emissora segurando um cartaz em manifestação contra a invasão da Rússia ao país vizinho.

“SEM GUERRA. Pare a guerra. Não acredite em propaganda. Eles estão mentindo para você aqui”, dizia a placa exibida por Marina, que também gritou palavras contra o conflito segundos antes da transmissão cortar para um vídeo gravado.

Após o protesto ao vivo, Marina Ovsyannikova foi detida por algumas horas pelas autoridades do país. Em abril, ela escreveu um artigo intitulado “The Russians Are Afraid” (“Os russos estão com medo”, em português), em sua primeira colaboração para o jornal alemão Die Welt.

No texto, ela fala sobre as consequências legais que enfrenta desde o protesto. “Minha vida é dividida em um antes e um depois”, escreveu a jornalista.

“Em algum momento, os princípios morais eram mais importantes do que o bem-estar, a paz de espírito e a vida ordenada. A guerra na Ucrânia era o ponto sem volta e o silêncio não era mais uma opção.”

Outra jornalista russa também decidiu denunciar a propaganda estatal do Kremlin. Zhanna Agalakova trabalhou por mais de 20 anos na emissora estatal Channel One, mas pediu demissão quando a guerra na Ucrânia começou.

“Não foi possível para mim trabalhar chamando o que está acontecendo na Ucrânia de ‘operação pacífica’”, disse ela, em março, a jornalistas de vários países na sede da organização Repórteres sem Fronteiras (RSF), em Paris, onde fez seu relato. “É uma guerra e isso deve ser dito claramente.”

A tomada de Kherson 

Com a invasão russa, milhares de moradores locais deixaram a cidade de Kherson e os militares invasores se aproveitaram disso para se instalar nas casas e apartamentos abandonados, afirmou à RFE/RL a vice-chefe do conselho regional de Kherson, Serhiy Khlan, que está no exílio.

Em maio, as autoridades pró-Kremlin em Kherson instauraram o rublo russo como a segunda moeda oficial da região, que circula junto com a grívnia ucraniana.

“Somos muito gratos ao presidente russo, Vladimir Putin, por tudo que ele está fazendo por nós, por proteger o povo russo em terras historicamente russas que agora foram libertas”, disse o vice-líder da região de Kherson, Kirill Stremousov, nomeado por Moscou, à agência de notícias estatal russa RIA Novosti.

As novas autoridades querem ajudar aqueles que desejam “se juntar à grande família da Rússia”, ele acrescentou.

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Para isso, nas últimas semanas o governo Putin começou a emitir passaportes para os moradores de Kherson e da região sudeste de Zaporizhzhia, que é parcialmente controlada pelo Kremlin, como forma de torná-los cidadãos russos. As informações foram divulgadas pelo próprio governo via agências de notícias estatais.

A cidadania para os ucranianos que moram nas regiões controladas foi acelerada após um decreto assinado por Putin no final de maio sob protestos de Kiev.

O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia condenou o decreto presidencial russo, e disse em comunicado que ele é “nulo juridicamente”:

“[A medida] é uma violação flagrante da soberania e integridade territorial da Ucrânia, bem como das normas e princípios do direito internacional humanitário”.

“[Isso] não terá nenhuma consequência sobre o pertencimento dos habitantes dos territórios ocupados temporariamente pela Rússia à cidadania ucraniana.”Leia mais

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