Londres – Conhecida por seu protesto ao vivo contra a guerra em um canal de TV estatal onde trabalhava como editora, a jornalista russa Marina Ovsyannikova foi multada em 50 mil rublos (R$ 4,2 mil) por “desacreditar” as forças armadas do país em postagens nas redes sociais, mas não se curvou. 

“As evidências confirmam a culpa de Ovsyannikova. Não há razão para duvidar de sua autenticidade”, disse o juiz do Tribunal Distrital de Meshchansky de Moscou após uma curta audiência em 28 de julho, durante a qual Ovsyannikova descreveu o processo como “absurdo”.

Ela não se retratou, e logo após a audiência voltou a atacar o governo em suas contas de mídia social: “Guerra é horror, sangue e vergonha”, disse no Instagram.

Jornalista russa desafiou censura na TV estatal 

Então editora do telejornal noturno Vremya, do canal estatal Channel One, Ovsyannikova invadiu o estúdio quando programa era transmitido ao vivo no dia 14 de março com um cartaz dizendo: “Pare a guerra. Não acredite em propaganda. Eles estão mentindo para você” em russo. 

A jornalista passou por um longo interrogatório mas não foi presa. Mudou-se para a Alemanha e foi contratada pelo jornal Die Welt.

No início de julho, ela anunciou o que seria o fim de um contrato de três meses e retornou à Rússia sob a alegação de precisava participar de uma audiência de custódia dos filhos. 

Mas a passagem pela Alemanha foi marcada por controvérsias, com protestos contra o Die Welt por tê-la contratado, devido ao seu longo histórico de trabalho em uma emissora controlada pelo governo russo. 

Assim que voltou, a jornalista continuou a desafiar o governo. No dia 13 de julho, ela gravou um vídeo em apoio ao político da oposição Ilya Yashin, que está detido em prisão preventiva por supostamente espalhar informações falsas sobre os militares russos.

Dois dias depois, fez um protesto silencioso diante do Kremlin, transmitido em suas redes sociais, exibindo um cartaz que dizia: “Putin é um assassino. Seus soldados são fascistas”.  

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Foto: Telegram Marina Ovsyannikova

Em seus canais, publicou posts dizendo que os responsáveis pela invasão da Ucrânia deveriam estar no banco dos réus perante um tribunal internacional.

No dia 17, Ovsyannikova foi detida em frente de casa, interrogada novamente e liberada.

O advogado da jornalista russa, Dmitry Zakhvatov, informou que um processo havia sido aberto sob o Artigo 20.3.3 do Código de Ofensas Administrativas (“desacreditar” as Forças Armadas da Federação Russa), que estabelece multa de 30 mil a 50 mil rublos.

Nesta quinta-feira, veio a condenação e a multa, no valor máximo, recebidas com indignação pela jornalista. 

“As acusações são absolutamente absurdas. É como se me acusassem de atear fogo no Mar Cáspio ou espalhar varíola.

O objetivo do julgamento é intimidar todas as pessoas que se opõem à guerra na Federação Russa.”

Ela descreveu a Rússia como um país agressor, dizendo: “O início desta guerra é o maior crime do nosso governo”.

No post no Instagram, com uma selfie tirada dentro do tribunal, ela criticou “a perda de tempo” de todos ali. 

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A jornalista questionou a acusação, baseada na entrevista em defesa de Ilya Yashin, na qual disse que a guerra é o crime mais terrível do século 21: 

“Há alguma dúvida sobre isso? Cada pessoa normal neste mundo entende que a guerra é horror, sangue e milhões de vidas ceifadas.

E nenhum propósito pode justificar a morte de civis!”

A reclamou de estar sendo julgada, salientando que “o direito à liberdade de expressão e pensamento é garantido pelo artigo 29 da Constituição”.

Em entrevista a um canal de TV, também postado em sua conta no Instagram, ela disse estar sendo seguida. 

A história de Marina Ovsyannikova 

Apesar de ter se manifestado várias vezes dentro da Rússia contra Putin, Marina Ovsyannikova não é uma unanimidade na mídia como outros jornalistas dissidentes, a começar pelo detentor do Nobel da Paz, Dmitry Muratov.

Ela fez uma longa carreira na TV estatal e seu marido também.

Vivia uma vida de privilégios, reservada aos que se alinham ao governo russo, até o dia 14 de março, quando fez o protesto no estúdio do Channel One, aproveitando-se do acesso livre que tinha como editora do programa. 

Depois disso, a direção do canal de TV a acusou de ser espiã britânica, mas alguns a criticaram por seu passado.

Como correspondente do jornal alemão Die Welt, a jornalista russa fez reportagens criticando seu país.

Em uma delas, escreveu: “os russos têm medo”.

Mas a carreira na Alemanha foi curta. Jornalistas ucranianos protestaram contra a sua contratação diante de outros colegas com dificuldades de obter trabalho e chegaram a fazer manifestações.

Ao anunciar o retorno à Rússia, ela sugeriu que a contratação pelo jornal alemão era originalmente apenas por três meses, o que não foi informado à época.