Londres – Depois de vários anos de perseguição implacável por parte do governo de Daniel Ortega, que se agravou depois das eleições presidenciais de 2021, o jornal La Prensa foi obrigado a adotar uma media extrema: tirou todos os funcionários da Nicarágua. 

Um dos mais antigos jornais do país e o mais importante, o La Prensa já teve vários profissionais presos e intimidados, e desde ano passado funciona apenas online. 

Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), os últimos funcionários deixaram a Nicarágua clandestinamente entre 9 e 25 de julho, a fim de continuar realizando o trabalho de fora do país sem riscos junto com outros que já tinham se exilado. 

Jornal alvo de ‘aparato repressivo’ da Nicarágua

O episódio que serviu como a gota d’água para a decisão de remover toda a equipe para fora da Nicarágua aconteceu no dia 6 de julho. 

A polícia de Manágua realizou buscas nas casas de vários funcionários do jornal – um jornalista, um fotógrafo, um assistente administrativo e dois motoristas. 

O assédio foi em reação a uma reportagem sobre a expulsão de freiras católicas de uma ordem fundada por Madre Teresa de Calcutá.

Elas foram obrigadas a deixar a Nicarágua pelo governo Ortega, e seguiram para a Costa Rica. 

Os dois motoristas, que não tiveram suas identidades reveladas, foram presos sem qualquer acusação contra eles ou qualquer fundamento apresentado pelas autoridades, acusa a RSF.

Alertados sobre as prisões dos motoristas, os demais funcionários cujas casas foram revistadas se esconderam e conseguiram evitar a prisão. Mas foram forçados a fugir do país clandestinamente.

A organização declarou apoio à equipe editorial do jornal e a todos os meios de comunicação independentes da Nicarágua “que estão sendo submetidos aos extraordinários e chocantes abusos autoritários do presidente Ortega ”.

“O aparato repressivo estabelecido pelo governo Ortega para silenciar os jornalistas é tão aterrorizante quanto intolerável ”, disse Emmanuel Colombié, diretor do escritório da RSF na América Latina.

“ A imprensa independente na Nicarágua está morrendo e as vozes críticas às autoridades estão desaparecendo.”

Jornal da Nicarágua desmontado 

O jornal La Prensa vem sendo desconstruído pelo governo da Nicarágua há três anos.

Desde 2019 a publicação foi submetida a cortes no suprimento de papel de jornal e outras matérias-primas, assim como outros jornais que fazem oposição a Daniel Ortega. 

O segundo jornal mais importante do país, o El Nuovo Diario, anunciou o fechamento em setembro daquele ano.  

O La Prensa resistiu um pouco mais e conseguiu manter a edição impressa até 13 de agosto de 2021, data em que produziu a sua última versão em papel.

Nesse dia, a sede do jornal, em Manágua, foi fechada pela polícia e seu diretor-geral, Juan Lorenzo Holmann Chamorro, foi preso. 

Desde então, nenhum funcionário do jornal conseguiu retornar ao prédio e todos os equipamentos, incluindo a rotativa necessária para imprimir o jornal, foram confiscados pela polícia.

Hoje, o jornal La Prensa continua funcionando como um site de notícias sobre a Nicarágua graças a servidores de computador que estão fora do alcance do governo.

Parte da equipe editorial já trabalhava fora da Nicarágua. 

Holmann Chamorro está cumprindo a pena de nove anos de prisão que recebeu após ser condenado por lavagem de dinheiro, bens e bens sem que nenhuma prova fosse produzida pelas autoridades, segundo relatos da RSF e de outras organizações de defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa.

Ele é um dos presos políticos que cumprem pena no país, que encarcerou seis jornalistas e também ativistas e políticos. 

Ortega e as perseguições a jornais na Nicarágua 

Presidente da Nicarágua desde 2007, após um primeiro mandato de 1979 a 1990, Ortega “não pára por nada para controlar notícias e informações e usa uma combinação de assédio legal e estrangulamento econômico contra a mídia independente”, afirma a RSF. 

A organização destaca medidas como suspensão de publicidade estatal, restrições à importação de insumos e equipamentos jornalísticos, auditorias abusivas, detenções arbitrárias e leis absurdas e inconstitucionais.

Dois outros meios de comunicação, Confidencial e 100% Noticias , foram submetidos ao mesmo tratamento que o La Prensa em 2018, quando a polícia invadiu e apreendeu suas instalações e confiscou seus equipamentos.

Em junho do ano passado, Carlos Fernando Chamorro, um dos jornalistas mais importantes da Nicarágua,  fugiu do país após ter sua casa invadida.

Editor do site Confidencial e membro de uma das famílias políticas mais influentes do país, Chamorro disse que deixou a Nicarágua para “salvaguardar sua liberdade”.

Carlos Chamorro (Foto: Wikipedia)

Dezenove pessoas, incluindo a irmã de Chamorro e quatro outros candidatos em potencial nas eleições presidenciais de novembro, foram presas no que o Departamento de Estado dos Estados Unidos chamou de “campanha de terror” do presidente Daniel Ortega contra potenciais adversários.

De acordo com Jornalistas e Comunicadores Independentes da Nicarágua (PCIN), uma associação à qual pertencem muitos dos jornalistas independentes do país, pelo menos 140 jornalistas nicaraguenses estão vivendo no exílio, a maioria na Costa Rica, Estados Unidos e Espanha.

“Expostos a processos judiciais arbitrários na Nicarágua, espionados pela polícia ou alvos diretos do governo, esses jornalistas tiveram que atravessar clandestinamente as fronteiras da Nicarágua, às vezes colocando suas vidas em perigo, por causa de sua segurança física e para continuar trabalhando como jornalistas no exílio”, denuncia a RSF, acrescentando que os que tentaram sair legalmente da Nicarágua tiveram seus passaportes cancelados e confiscados.