Londres –  A guerra com a Ucrânia está servindo como justificativa para o regime de Vladimir Putin intensificar a censura à imprensa e suprimir a liberdade de expressão no país, um processo que não começou com a invasão mas foi acelerado depois dela.

Em uma prestação de contas sobre o trabalho do Ministério Público do país nesta semana, o procurador-geral Igor Krasnov revelou que as autoridades russas bloquearam ou derrubaram cerca de 138 mil sites na internet desde que Moscou invadiu o país vizinho, em 24 de fevereiro.

Segundo Krasnov, promotores públicos formalizaram mais de 300 pedidos ao órgão regulador de telecomunicações da Rússia, o  Roskomnadzor. Como resultado, foram censurados milhares de sites em uma tentativa de combater “notícias falsas”, disse o procurador-geral ao jornal Kommersant.

Censura de Putin atingiu até Nobel da Paz 

Um dos mais notórios sites fechados é o Novaya Gazeta, fundado e dirigido pelo jornalista Dmitry Muratov, que em 2021 foi reconhecido com o Prêmio Nobel da Paz por sua coragem ao desafiar a censura e as perseguições do governo Putin. 

Isso não o livrou de continuar sendo perseguido. Logo que a guerra começou, o site recebeu duas notificações do órgão regulador, e decidiu suspender a edição impressa e a atualização do site.

Mesmo assim, Muratov foi atacado com tinta vermelha por supostos agentes da inteligência russa quando viajava em um trem, e até hoje as investigações não foram concluídas. O site foi multado mesmo sem estar funcionando. 

Na última semana de julho, a administração de Vladimir Putin deu um novo passo na censura, abrindo um processo para encerrar de vez a publicação.

Uma tentativa de contornar a censura sob Putin durou apenas uma semana. Jornalistas do Novaya Gazeta criaram uma revista, a NO, sem Muratov diretamente envolvido. Mas o órgão regulador de mídia bloqueou o site em território russo. 

Numa outra tentativa fora da Rússia, jornalistas que deixaram o país criaram uma versão europeia do Novaya Gazeta, com ajuda de um fundo da organização Repórteres Sem Fronteiras para jornalismo no exílio. Mas ele também está bloqueado na Rússia, acessível apenas para os que utilizam VPN no país.

Sites e blogs desaparecem sob censura de Putin  

A maioria dos demais veículos bloqueados pela censura do regime de Vladimir Putin, porém, não encontrou meios de continuar noticiando, como o Novaya Gazeta. 

Sem recursos e com riscos de verem seus donos ou profissionais serem presos, sites e blogs independentes que falam sobre a guerra contra a Ucrânia de uma forma que desagrada ao governo estão sendo exterminados em larga escala. 

“Após o início da operação militar especial, fortalecemos nossa reação à disseminação de promoção de extremismo e terrorismo, tumultos em massa e notícias falsas na internet”, disse Krasnov ao Kommersant.

Muitos dos sites bloqueados criticaram a violação do território da Ucrânia ou se referiram a ela como uma “guerra” ou “invasão” em vez do termo “operação militar especial”, determinado pelo Kremlin.

Sites que publicam informações que contradizem as versões de Moscou sobre eventos na Ucrânia, e que por isso são consideradas “notícias falsas”, também estão sujeitos a serem bloqueados.

Os autores das publicações podem pegar até 15 anos de cadeia pela lei de fake news promulgada por Vladimir Putin em março. 

A tentativa de controlar as narrativas se estende também aos veículos de imprensa do próprio governo Putin, ou os que o apoiam.

Em julho, o Kremlin publicou dois guias para orientar a mídia estatal sobre como defender a invasão, invocando grandes eventos históricos e elegendo o Ocidente como o inimigo decidido a desmantelar a Rússia para ficar com suas riquezas naturais. 

A censura da administração de Vladimir Putin à internet estende-se às plataformas digitais, bloqueadas no país.

E também à enciclopédia online Wikipédia, que ainda resiste à imposição de remover conteúdo sobre a guerra da Ucrânia que não se alinhe ao discurso oficial do governo.

Em entrevista ao site independente russo Meduza, o diretor da Wikipédia contou a saga de vários anos sob perseguição do governo da Rússia, que se agravou depois da guerra.