A desinformação sobre a varíola dos macacos (ou monkeypox, em inglês) cresce na mesma proporção que o número de infectados pelo vírus, que já foi responsável por uma morte no Brasil.

Nesta terça-feira (10), Margareth Harris, porta-voz da OMS (Organização Mundial de Saúde), lamentou em uma entrevista coletiva em Genebra a notícia de que macacos estão sendo mortos no Brasil por pessoas temerosas de que eles transmitam a doença. 

Assim como aconteceu na pandemia da covid-19, especialistas alertam para o aumento de fake news, informações erradas e termos estigmatizantes que associam a enfermidade a alguns grupos. E o pior: mitos sobre a covid-19 já foram reciclados para a nova doença. 

Os macacos não são culpados

A coalizão internacional de jornalismo de saúde Internews Health Journalism fez um levantamento identificando os principais mitos e abordagens que não devem ser adotados para quem fala ou escreve a respeito da varíola dos macacos, seja em mídias sociais, blogs ou na imprensa.  

Um deles é a transmissão direta pelos animais. 

Apesar de a varíola dos macacos ser associada a primatas, eles não são os responsáveis pela transmissão da doença. Os reservatórios naturais do vírus são pequenos mamíferos, principalmente roedores.

O vírus ganhou o nome “monkeypox” em 1958 porque foi descoberto em um grupo de macacos africanos doentes que estavam sendo estudados em um laboratório na Dinamarca.

“As pessoas precisam saber que a transmissão que vemos agora é entre humanos”, disse Margaret Harris. “As pessoas não devem atacar os animais”, disse ela.

Monkeypox não é DST

Apesar do alto número de casos associados ao sexo – 95%, segundo o estudo publicado no The New England Journal of Medicine (NEJM) –, a varíola dos macacos não é considerada uma doença sexualmente transmissível (DST).

O vírus pode se espalhar tanto por meio de relações sexuais como por contato físico.

Uma pessoa pode se contaminar ao tocar em tecidos ou fluidos da pele de uma pessoa infectada, por exemplo. Gotículas respiratórias, bem como objetos contaminados, também são meios de transmissão.

Monkeypox não é uma doença de homossexuais e bissexuais

O NEJM divulgou no mês passado um estudo que diz que 98% das pessoas diagnosticadas com o vírus são gays ou bissexuais com menos de 40 anos. Quase 530 pessoas de 16 países diferentes foram avaliadas.

Esse dado, no entanto, não significa que a doença é exclusiva de homens que fazem sexo com outros homens, mas sim que atingiu esse grupo primeiro, alerta a Internews. 

Na realidade, qualquer um que não foi imunizado contra a varíola “comum”, que também protege contra a do macaco, pode ser infectado.

De acordo com o guia da Internews, estereotipar certas comunidades distorce o verdadeiro quadro da varíola dos macacos, causando desinformação. Além disso, de acordo com o documento, formar uma imagem distorcida sobre um grupo pode afetar a saúde pública mundial como um todo.

Cabe lembrar que na década de 80, quando o HIV começou a ganhar as manchetes da imprensa global, o vírus causador da Aids foi taxado como uma “peste gay”. O grupo, como resultado, até hoje sofre as consequências.

A Internews Health Journalism também disse que associar a varíola dos macacos a homossexuais e bissexuais pode prejudicar ainda mais a vida daqueles que vivem em países que criminalizam a relação consensual entre pessoas do mesmo sexo.

“Doença tropical” é desinformação sobre monkeypox

O rótulo de “doença tropical”, às vezes usado para se referir à varíola dos macacos, está ultrapassado e deve ser esquecido, segundo o documento. Isso porque o termo liga a enfermidade a algumas regiões específicas.

No auge da pandemia do novo coronavírus, por exemplo, alguns blogueiros e jornalistas chamaram o SARS Cov-2 de “vírus chinês” ou “vírus de Wuhan”. O uso das expressões gerou preconceito contra a população asiática.

O Internews Health Journalism destaca que relacionar problemas de saúde a determinados locais pode servir de pretexto para formuladores de políticas públicas se eximirem da responsabilidade e limitar recursos para o sistema de saúde.

O que dizem especialistas africanos

A varíola dos macacos é endêmica do continente africano. O primeiro caso em um ser humano foi relatado em uma criança em 1970, na República do Congo.

De lá para cá, cientistas mundo afora registraram algumas ocorrências em outros países – a maioria estava associada a pessoas que viajaram para a região, ou consumiram animais infectados.

O fato é que muitos especialistas africanos lutam contra o vírus há mais de 50 anos.

A Internet Health Journalism recomenda que os mais interessados pela doença acompanhem com atenção, via sites de centros de pesquisas ou pelas redes sociais, como os países do continente têm lidado com o problema:

“Existem muitos exemplos de prevenção e cuidados com a varíola dos macacos em países africanos que superaram com sucesso surtos no passado.

Conhecer e compartilhar as experiências de cientistas e profissionais de saúde africanos pode não apenas ajudar o público a aprender sobre as melhores práticas que ajudaram a retardar a propagação da varíola, mas também mitigar o medo desnecessário da doença.”

Sem alarde e desinformação sobre a Monkeypox 

O guia também recomenda cuidado com o pânico.  Apesar do número crescente de casos, a varíola do macaco não se espalha facilmente, diferentemente da covid-19. Além disso, o documento ressalta que ela tem baixa letalidade.

“A propagação da varíola pode ser interrompida melhorando a consciência de como o vírus se espalha e sobre como se proteger”.

Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC/EUA), até a segunda-feira (1/8) havia 23.620 pessoas infectadas em 80 países.

Dicas da OMS

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou algumas recomendações simples para prevenir a transmissão entre as pessoas, que podem ser compartilhadas em conversas com amigos, posts em redes sociais ou em textos e vídeos que abordem a varíola dos macacos: 

  • Ao cuidar de uma pessoa com varíola, encoraje o doente a cobrir quaisquer lesões, se possível com um curativo leve ou roupas;
  • Use uma máscara e peça ao doente que utilize uma também;
  • Evite o contato de sua pele com a pele do doente, e use luvas descartáveis;
  • Limpe as mãos regularmente, com água e sabão ou álcool, após contato com a pessoa ou seus pertences, como roupas (inclusive de cama) e utensílios para comer;
  • Lave roupas, toalhas, lençóis e talheres com água morna e detergente;
  • Use uma máscara ao manusear qualquer roupa ou utensílio;
  • Limpe e desinfete todas as superfícies contaminadas e descarte resíduos contaminados.

O guia completo da Internews Health Journalism pode ser acessado aqui.

Desinformação da covid-19 reciclada para a Monkeypox

No início de junho, pesquisadores do Institute for Strategic Dialogue (ISD) mapearam teorias conspiratórias sobre a covid-19 reutilizadas para a varíola dos macacos. 

Entre elas estava a de que a doença seria resultado de um trabalho coordenado com governos e organizações não governamentais (ONGs) para conter as liberdades individuais e impor “controle totalitário” sobre os seres humanos.

Conhecer os fatos e não compartilhar memes ou posts nas redes sociais que não tenham uma fonte confiável é um passo fundamental para ajudar no controle da doença.