Londres – Na guerra de informação e desinformação em que se transformou o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, a Apple abriu mais uma batalha ao exigir que o serviço de streaming de vídeo Rutube oculte todo o conteúdo produzido pela mídia estatal russa.

A gigante americana deu um prazo de duas semanas para que o conteúdo seja ocultado ou fique visível apenas para usuários dentro do país sob pena de o aplicativo ser removido da Apple Store. 

Segundo reportagens das agências estatais russas de notícias Interfax e Tass, a plataforma anunciou que não vai aceitar o pedido.  

Apple suspendeu vendas na Rússia 

Logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a Apple foi uma das companhias ocidentais que interrompeu a venda de seus produtos no território, dizendo-se “profundamente preocupada” com o conflito. 

Em julho, o órgão regulador de concorrência da Rússia anunciou que multaria a fabricante americana por violar leis antitruste locais e abusar de sua posição dominante na loja de aplicativos. 

No mesmo mês, a Apple foi multada em 2 milhões de rublos (R$ 166 mil) por um tribunal de Moscou, sob a acusação de não armazenar dados de usuários em território russo.

E o Google, dono do YouTube, foi multado em 34 milhões de rublos (R$ 2,8 milhões) por supostamente infringir normas de concorrência.

Rutube pertence a conglomerado controlado pelo governo  

Criado em 2006, o Rutube é o equivalente russo do YouTube, que desde o início da guerra passou a bloquear vídeos de criadores pró-Kremlin e contas de emissoras de TV estatais.

A agência reguladora de telecomunicações da Rússia, Roskomnadzor, fez seguidas notificações à plataforma americana, mas o serviço não foi suspenso.

E muitos dos bloqueados e banidos migraram para o Rutube, cujo visual e funcionamento são bem parecidos com o da rede de propriedade do Google

Reprodução Apple Store

Desde 2020 o serviço faz parte do conglomerado Gazprom, um gigante multinacional da área de petróleo e gás.

O governo russo é acionista majoritário da companhia, por meio da Agência Federal de Gestão de Propriedades Estatais. Portanto, tecnicamente é o controlador do Rutube. 

Segundo informações da plataforma, pessoas de 171 países têm acesso aos vídeos, e a audiência seria de 25 milhões de usuários mensais.

Junto com produções de entretenimento, há muito conteúdo pró-guerra, assumindo a narrativa do governo. 

Em maio, o Rutube sofreu um ataque cibernético, o maior de sua história. 

Atualmente, apenas usuários da Rússia, Bielorrúsia e Cazaquistão conseguem baixar o aplicativo. Mas os que já o têm instalado ou acessam o Rutube pelo site continuam tendo acesso aos vídeos. 

Mesmo assim a Apple resolveu comprar mais uma briga com a Rússia, ao dar duas alternativas ao Rutube: tornar o aplicativo disponível apenas para usuários russos ou ocultar o conteúdo do que chamou de “mídia patrocinada pelo estado”.

A empresa americana estabeleceu o prazo de  duas semanas para o Rutube se adequar. Caso contrário o aplicativo será removido da loja, diz a mensagem.

A assessoria de imprensa do Rutube confirmou à Interfax que não vai retirar o conteúdo, alegando que se o fizesse estaria violando os direitos da população de língua russa. 

Antes da ação da Apple, Rússia teria ‘inflado’ Rutube 

As tensões entre o governo da Rússia e as plataformas de mídia digital americanas começaram antes da invasão da Ucrânia. 

No dia 24 de dezembro do ano passado, o Google recebeu uma multa equivalente a US$ 98 milhões (RS$ 550 milhões) por não excluir conteúdo determinado pelo governo.

O Facebook foi multado em  US$ 27 milhões (R$ 152 milhões) pelo mesmo motivo.

Já prevendo que a briga com o Google poderia resultar na interrupção de seus serviços, o governo russo começou a “despejar dinheiro” nas plataformas alternativas, entre elas o Rutube, como revelou uma reportagem investigativa conjunta dos veículos independentes Agentstvo e iStories em fevereiro de 2022.

Outra iniciativa do governo de Vladimir Putin foi o lançamento do Yappy, uma alternativa ao TikTok, que teria caído em desgraça e chegou a ser multado por ter veiculado vídeos incentivando a participação nos protestos pela libertação do ativista Alexei Navalny. 

O serviço foi desenvolvido com o apoio da Fundação Innopraktika, liderada por uma das supostas filhas de Vladimir Putin, Katerina Tikhonova, e entrou em funcionamento no fim de 2021 pelas mãos da Gazprom-Media.

Na mesma época, o conglomerado adquiriu o controle de outra plataforma digital russa, a Vkontakte.

Em março, logo após a guerra começar, o regulador Roskomnadzor bloqueou o Facebook em resposta à rotulagem de conteúdo de veículos de mídia russos como não confiáveis. 

O Twitter também foi bloqueado, sob acusação de ser uma plataforma para “informações socialmente significativas imprecisas” sobre a “operação militar especial” da Rússia na Ucrânia.