Tóquio – Se o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, tivesse participado da COP27, a cobertura da mídia japonesa sobre as mudanças climáticas teria sido mais abrangente e aprofundada. Os chefes de governo do Japão e do Canadá foram os únicos do G-7 que não compareceram.

Floriano Filho correspondente Japão
Floriano Filho, correspondente Japão

Kishida chegou a declarar que gostaria de ter ido, mas teve que se concentrar em questões domésticas urgentes, como destacado pelo Asahi Shimbun, um dos cinco principais jornais do Japão.

E as preocupações não eram poucas: a contínua desvalorização do iene, a recessão econômica, a inflação em alta e os impactos, especialmente no campo energético, da guerra da Ucrânia.

A agência de notícias Kyodo News ressaltou que sete das dez maiores empresas japonesas de energia tiveram um prejuízo conjunto bilionário no primeiro trimestre de 2022 por conta dos desdobramentos internacionais da guerra da Ucrânia.

Isso sem contar os mísseis que a Coreia do Norte continua disparando em direção ao Mar do Japão. Tais questões já haviam ocupado a agenda política das eleições em outubro de 2021, deixando a crise climática em segundo plano.

Insatisfação do setor de energia renovável

A opção por uma participação mais acanhada não satisfez a expectativa das empresas japonesas de energia renovável, que pelos meios de comunicação locais pediam mais envolvimento político do país no evento, por enxergarem a COP como uma oportunidade de negócios.

Afinal, são corporações que detêm patentes e protagonismo internacional em inúmeras tecnologias de ponta para os setores energético e ambiental, entre elas o controle da poluição e o tratamento de água e esgoto, até a produção de diesel sem enxofre, passando pela reutilização de água da chuva e a geração de energia a partir do lixo.

Alguns dias antes do encontro no Egito, o ministro do Meio-Ambiente, Akihiro Nishimura, disse a jornalistas que o primeiro-ministro provavelmente compareceria ao evento.

Afinal, Kishida há havia participado de forma assertiva na COP26, anunciando uma ajuda adicional de até US$ 10 bilhões ao longo de cinco anos para que países em desenvolvimento da Ásia continuem reduzindo as emissões de carbono.

Tais metas, porém, estão cada vez mais difíceis de serem atingidas até pelo próprio Japão, que continua a ocupar a quinta posição entre os países que produzem mais emissões.

Carvão, problema para o Japão

Entre os muitos impactos do conflito na Ucrânia, a mídia internacional vem relatando o crescente apetite mundial por carvão. O Japão que está entre os maiores importadores mundiais de commodities energéticas, certamente não é exceção a essa tendência.

Em 2021, o aumento mundial da geração de energia a carvão foi de 8,5%, dificultando ainda mais a meta de zerar emissões líquidas até 2050. No caso japonês, as importações de carvão australiano no ano passado aumentaram 15%.

Nessa toada, a companhia JERA, principal geradora de eletricidade do Japão e maior importadora de gás liquefeito no mundo, construiu uma nova termelétrica a carvão.

Não é à toa, portanto, que durante a COP27 a organização não-governamental Climate Action Network deu ao Japão um dos prêmios “Fóssil do Dia”, como maior financiador público mundial de projetos de petróleo, gás e carvão.

Campanhas da mídia sobre mudanças climáticas não convenceram os japoneses

Os meios de comunicação japoneses até que se esforçaram. As emissoras de TV se uniram em uma campanha de conscientização sobre as mudanças climáticas.

O jornal Asahi Shimbun lançou um site especial sobre o tema, com uma série de artigos sobre a meta de limitar o aquecimento global  em 1,5 °C.

Mas as enquetes durante a COP27 revelaram um alto nível de ceticismo da opinião pública do Japão em relação à cúpula sobre mudanças climáticas.

Uma das pesquisas, realizada pelo Japan Today, perguntou aos leitores se a COP27 trará algum acordo efetivo para o meio ambiente. As respostas demonstraram um pessimismo generalizado, variando de um simples e seco “não” a alguma esperança, mas sem grandes expectativas.

Alguns leitores japoneses também ressaltaram o paradoxal número recorde de lobistas de empresas de petróleo e gás no evento. É provável que o aumento dessa participação tenha sido estimulado pelo relatório da COP anterior, em Glasgow.

Outros leitores ainda mais céticos com essas cúpulas responderam que elas começam com a “coleta de dinheiro” e terminam com as pessoas “perguntando o que realmente aconteceu”.

Esse desalento contrasta com a cobertura midiática japonesa de eventos sobre mudanças climáticas e ambientais do passado.

A pesquisa avaliou artigos de janeiro de 1998 a julho de 2007 para entender como a opinião pública japonesa foi influenciada pela cobertura jornalística do período.

Foi constatado um aumento significativo de artigos sobre o tema das mudanças climáticas a partir de janeiro de 2007, correlacionado com a crescente preocupação pública.

A relativa queda recente do interesse sobre o tema das mudanças climáticas no Japão não significa que o país não tenha se preparado para a cúpula. Pelo contrário.

Os seminários realizados durante a COP27 no Pavilhão do Japão só foram possíveis graças à “Semana GX (Green Transformation) de Tóquio”. 

Organizada pelo Ministério da Economia, Comércio e Indústria do Japão, ela consistiu em uma intensa agenda de conferências internacionais sobre energia e meio-ambiente realizadas nos meses de setembro e outubro deste ano.

Os debates envolvendo a neutralidade de carbono incluíram temas como hidrogênio e amônia, reciclagem de carbono e inovações tecnológicas para mitigação climática.

O Centro de Imprensa Internacional do Japão divulgou as conferências para jornalistas estrangeiros sediados no país e no exterior. Investindo no tradicional soft Power, o Japão reforçou sua diplomacia ambiental e tecnológica.

Japão pode oferecer suporte técnico para combater os efeitos das mudanças climáticas

O jornal Yomiuri Shimbun destacou que o governo japonês ofereceu auxílio para o monitoramento e alerta para combater as mudanças climáticas extremas nos países em desenvolvimento.

É o caso da tecnologia baseada em pequenos radares operados por uma empresa japonesa de dados meteorológicos na prefeitura de Chiba, vizinha de Tóquio.

O anúncio pretendia também reforçar a imagem do país junto à comunidade internacional, especialmente após o apelo do Secretário Geral da ONU, António Guterres.

Em março deste ano ele havia enfatizado a importância desses sistemas para evitar desastres naturais provocados pelas mudanças climáticas, cada vez mais frequentes no mundo.


Este artigo faz parte do MediaTalks Especial COP27