Londres – Quanto maior a confiança na imprensa, menor a aprovação do presidente Jair Bolsonaro, e vice-versa. Um estudo global mostrou que o percentual de aprovação do presidente entre os que geralmente não confiam nas notícias da imprensa é quase o dobro do verificado entre os que geralmente confiam.

A conclusão é do novo relatório do Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo da Universidade de Oxford, com base em pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha no Brasil.

Na época da pesquisa, enquanto 53% dos que não confiam na imprensa aprovavam o líder da nação, esse índice foi de apenas 28% entre os que confiam.

Foram ouvidas cerca de 2 mil pessoas, classificadas de acordo com a frequência com que confiam nas notícias de quinze das principais organizações jornalísticas do país.

O nível de aprovação geral do presidente Bolsonaro foi de 38%, quase igual ao da aprovação daqueles que confiam seletivamente em algumas organizações de notícias (37%).

O estudo foi realizado conjuntamente nos Estados Unidos, Reino Unido e Índia, com pesquisas de campo realizadas pelos institutos Kantar nos dois primeiros e do Internet Research Bureau na Índia.

 

Somente no Brasil confiança na imprensa foi maior do que nos governos

A pesquisa simultânea permitiu várias comparações importantes e mostrou algumas características comuns entre os que não acreditam na imprensa nos quatro países: geralmente são mais velhos, homens e brancos.

Mas o levantamento mostrou também algumas particularidades do Brasil. Nos demais países, os que não acreditam na imprensa tendem a ser também os de menor renda, com menor nível de educação e vivendo em cidades menores. Mas essas três características não se verificam no caso brasileiro.

Além disso, o Brasil foi o único dos países pesquisados onde a confiança na imprensa teve avaliação melhor do que a depositada pela população no governo federal ou nos governos locais.

Aprovação dos líderes do Reino Unido e da Índia é maior entre os que confiam na Imprensa

O comportamento dos que confiam na imprensa no Brasil em relação ao líder máximo da nação foi diametralmente oposto ao de seus pares do Reino Unido e da Índia.

Lá, os primeiros ministros Boris Johnson e Narendra Modi fundamentam sua maior parcela de apoio entre os que geralmente confiam nas principais organizações de notícias.

No caso de Boris Johnson, cujo índice de aprovação geral era de 57% no momento da pesquisa, o percentual sobe para 75% entre os que geralmente acreditam na imprensa, e cai para 47% entre os que não acreditam.

Na Índia o comportamento é semelhante: a aprovação de Modi, que era de 66% no momento da pesquisa, sobe para 80% entre os que geralmente acreditam nas principais organizações de notícias e cai para 50% entre os que geralmente não acreditam.


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Preferência dos que não acreditam na imprensa por Bolsonaro parece com caso de Trump

A dinâmica no Brasil foi parecida com a dos Estados Unidos, onde os geralmente desconfiados em relação à imprensa também tinham mais probabilidade de dizer que tinham uma opinião favorável sobre Donald Trump.

A diferença entre os casos brasileiro e norte-americano é que a rejeição a Trump era mais forte entre os que acreditavam seletivamente em alguns órgãos de imprensa, enquanto a reprovação de  Jair Bolsonaro é proveniente dos que acreditam de forma geral nos principais veículos.


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Quem é o brasileiro típico que desconfia da imprensa e apoia Bolsonaro

O levantamento feito pelo Datafolha para o Instituto Reuters elaborou o retrato do brasileiro típico que desconfia da imprensa e tende a avaliar positivamente o presidente Bolsonaro.

Maior concentração dos que desconfiam da imprensa no sul do Brasil

Além das diferenças causadas por características demográficas, também foram encontradas variações na confiança na imprensa dependendo de onde as pessoas vivem.

No Brasil, os “geralmente desconfiados” estavam um pouco mais concentrados no sul do país, região apontada pelo estudo como de padrão de vida mais alto e níveis mais elevados de apoio ao Bolsonaro.

A pesquisa demonstrou que um terço dos entrevistados na região Sul (32%) foram classificados como geralmente desconfiados da imprensa, enquanto apenas 16% eram geralmente confiantes.

No Nordeste, o estudo encontrou uma relação inversa, com 31% das pessoas geralmente confiando na imprensa e 20% desconfiando.

Quatro em cada dez brasileiros que não confiam na imprensa têm mais de 55 anos

Com relação à idade, os mais desconfiados nos quatro países são pessoas com 55 anos ou mais, enquanto aqueles com menos de 35 anos estão tipicamente super-representados (com percentual maior do que sua parcela na população) entre os segmentos do público que geralmente confiam nas notícias da imprensa.

O estudo mostra que essas diferenças de comportamento entre as faixas etárias é especialmente notável ​​no Brasil, onde pessoas com mais de 55 anos constituem 38% do grupo que geralmente não confia na imprensa (e apenas 18% dos que geralmente confiam).

A situação se inverte entre os mais jovens: as pessoas com menos de 35 anos representam 42% do grupo que geralmente confia na imprensa no Brasil (e apenas 24% dos que geralmente não confiam).


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Seis em cada dez brasileiros que não confiam na imprensa são homens

Em termos de gênero, foram encontrados padrões consistentes no Brasil, Índia e, em menor grau, no Reino Unido, onde os que geralmente mais desconfiam da imprensa têm maior probabilidade de serem homens.

Seis em cada dez (59%) dos que não confiam nas notícias da imprensa são homens, tanto no Brasil como na Índia. Esse percentual cai para 53% no Reino Unido e a divisão é igual entre homens e mulheres nos Estados Unidos.

No Brasil, os que mais desconfiam são brancos e não têm religião

Com relação à religião, tanto no Brasil como no Reino Unido, as pessoas que não se declararam seguidoras de alguma fé tenderam a ser mais desconfiadas em relação à imprensa.

Quanto à raça, as pessoas que se identificam como brancas se mostraram mais propensas a não confiar na imprensa no Brasil, enquanto aquelas que se identificam como negras, pardas ou indígenas tendem a ser super-representadas entre os que geralmente confiam.

Nível de educação só não influenciou na confiança na imprensa no caso do Brasil

Quanto menor o nível de educação, menor a confiança na imprensa. Pelo menos isso foi o verificado na Índia, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Lá, as pessoas sem diploma universitário foram as que menos demonstraram confiança na imprensa de seus países.  

No entanto, esse padrão não foi verificado no Brasil, onde as diferenças entre os níveis de educação não representaram diferenças significativas na questão da confiança nas notícias da imprensa.


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Os de renda mais alta tendem a ter mais confiança na imprensa, exceto no Brasil

O estudo revelou que que tanto na Índia como no Reino Unido e nos Estados Unidos, aqueles nas faixas de renda mais altas também têm maior probabilidade de geralmente confiar na imprensa.

Já no caso do Brasil é menos provável do que nos demais países pesquisados encontrar aqueles com renda familiar mais alta entre os que geralmente confiam na imprensa.

Em todos os países analisados, os que trabalham por conta própria tendem a ser mais desconfiados em relação à imprensa.  

Entre países pesquisados, só no Brasil a confiança na imprensa foi maior do que no governo

O Brasil foi o único dos quatro países pesquisados no qual os índices de confiança na imprensa foram maiores do que nos governos federal ou locais.

Uma parcela de 21% dos brasileiros disse que confia sempre na Imprensa, enquanto 13% disse que nunca confia. A antepenúltima posição também é a melhor entre os quatro países pesquisados, já que ela aparece em último em dois deles.

No caso do governo federal, 20% dos brasileiros disseram que sempre confiam, enquanto 34% responderam que nunca confiam.

A pior avaliação ficou com os governos locais e estaduais, nos quais apenas 14% disseram que confiam totalmente, enquanto 31% disseram que nunca confiam.

A instituição que mereceu mais confiança dos brasileiros foi a científica, na qual 54% disseram que sempre confiam. Em seguida aparecem as igrejas católica e evangélica, os militares, a Justiça e a polícia.

Na Índia, a imprensa aparece em penúltimo no ranking de confiança nas instituições, à frente apenas da polícia e atrás dos governos federal e locais. Os militares ocupam a primeira posição.

No Reino Unido e nos Estados Unidos, a imprensa aparece na última colocação, com um índice de confiança também menor do que nos governos federal ou locais.

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Brasil é o único onde tamanho da cidade não influi na confiança na imprensa

Em três dos países analisados ​​- Índia, Reino Unido e Estados Unidos – foi verificada uma clara relação clara urbanidade e confiança: nos locais mais rurais ou menores, percentagens consideravelmente mais altas de pessoas geralmente não confiam na imprensa.

No sentido inverso, nesses países a porcentagem dos que confiam na imprensa vai crescendo à medida em que o tamanho do local onde a pessoa vive vai aumentando, até se tornar dominante no caso das grandes cidades, como acontece no exemplo dos Estados Unidos.

O Brasil foi o único dos países analisados em que a confiança não foi correlacionada com a urbanidade. Não foi observada uma tendência de aumento ou de diminuição do nível de confiança na imprensa de acordo com o tamanho da cidade.

A pesquisa mostra índices mais ou menos estáveis nos diversos tamanhos de cidades, com leve preponderância dos que confiam na imprensa em quase todas as faixas de população analisadas, com exceção das cidades médias com população variando entre 200 mil e 1 milhão de pessoas.

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