Londres – A morte da Rainha Elizabeth deve deixar marcas profundas nas crianças que assistiram e participaram das cerimônias fúnebres e das homenagens, influenciando o futuro da monarquia no país.

Não se tem notícia de que engajar e sensibilizar crianças fosse objetivo da Operação London Bridge, o plano de comunicação e de eventos colocado em marcha imediatamente após a morte da monarca.

Mas isso acabou acontecendo de forma involuntária, como consequência da cobertura de imprensa sem precedentes. Segundo o instituto Ipsos, no dia da morte da rainha o tráfego em sites de notícias aumentou 53% no país, atingindo 96 milhões de pageviews. 

Futuro da monarquia depois de Elizabeth II

Nem todas as crianças acessaram a internet para ler sobre a rainha, mas foram expostas ao noticiário da TV, a homenagens nas ruas e no comércio e à influência de parentes e professores.

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Homenagem à rainha em ponto de ônibus da Oxford Street, em Londres (Foto: Lorena Nogaroli)

Esse “efeito colateral” pode impactar a percepção de futuras gerações sobre a continuidade do sistema atual, preocupação que assombra os que não querem ver o fim da monarquia por razões econômicas, políticas ou para manter a tradição.

Os pequenos são naturalmente encantados por contos de fadas protagonizados por reis, rainhas, príncipes, princesas e megeras − que não faltam no roteiro da monarquia britânica.

E suscetíveis a mensagens nacionalistas, forte elemento da persona de Elizabeth II, maior referência do “dever de servir” ao país. Os funerais exploraram esses aspectos ao extremo.

Bandeiras nacionais, militarismo e símbolos medievais marcaram as cerimônias transmitidas pela TV, em que se destacaram estandartes com brasões, a quase folclórica Guarda da Rainha com o uniforme vermelho lembrando soldadinhos de chumbo e o som de trombetas e gaitas de fole.

O povo teve a chance de participar dos eventos em algumas cidades, só que de forma controlada.

Filas para a despedida levaram mais de 12 horas em Londres, sem chance de manifestações pessoais na rápida passagem diante do caixão, a não ser um discreto sinal da cruz ou reverência com a cabeça.

Nas ruas, porém, o que se viu foi outra coisa. O local onde a comoção nacional ficou mais visível foi o Flower Tribute, uma área perto do Palácio de Buckingham reservada para acomodar flores e objetos em memória de uma figura que boa parte dos britânicos considerava da família.

Lá, quem reinou foram as crianças. Na tarde de domingo, véspera do enterro, havia uma quantidade enorme delas percorrendo com pais e avós os tributos dispostos em canteiros.

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Foto: MediaTalks

Em um dos canteiros, fotografado por uma criança com a ajuda do pai, uma bandeira do Brasil fazia a homenagem à rainha.

 

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Foto: MediaTalks

No Flower Tribute, os pequenos observavam os arranjos, liam as mensagens, se divertiam com objetos engraçados como bolsas, chapéus, cachorrinhos e ursinhos Paddington.

Fotos: MediaTalks

Alguns depositavam flores com ar grave, conscientes de que estavam fazendo algo solene. Cartinhas com letra infantil e rabiscos tentando representar a rainha feitos por gente muito miúda misturavam-se aos arranjos.

Foto: Aldo De Luca

Ao engajar filhos e netos nas homenagens, os adultos transferiram a eles a admiração por Elizabeth II e, por extensão, pela monarquia e pelo seu futuro.

O ex-jogador de futebol David Beckham é um exemplo de influência familiar. Ele virou notícia ao passar 13 horas na fila para honrar a monarca.

Entrevistado, disse que tinha aprendido com os avós a admirar a rainha e a realeza. E que os levou como acompanhantes quando recebeu sua OBE (Order of the British Empire).

Além das famílias, houve também as escolas. Como a rainha morreu em uma quinta-feira e o enterro foi em uma segunda, 11 dias depois, o tema ficou em evidência durante uma semana inteira.

E as escolas incorporaram o culto à monarquia em suas atividades de classe.

O resultado podia ser visto no Green Park na forma de colagens e cartazes assinados por crianças de uma classe ou escola.

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Fotos: MediaTalks

A cobertura extensa da mídia criou um ambiente de idolatria que entrou pelos portões das escolas e sentou-se à mesa do jantar das famílias.

Pesquisas mostram que os jovens são os menos inclinados a apoiar a continuidade do atual sistema. 

Será curioso ver como a geração que terá a partida de Elizabeth II gravada em sua memória afetiva vai perceber a monarquia daqui a alguns anos, quando tiver idade para ser entrevistada pelos institutos e quem sabe tomar decisões sobre o futuro do regime atual.