Após algumas semanas de um crise de imagem de proporção mundial, o Facebook viu na TV, assim como a audiência do canal americano CBS neste fim de semana, o rosto da ex-funcionária que revelou documentos internos da rede social no que hoje é chamado de caso dos “Facebook Papers”, em reportagens publicadas pelo Wall Street Journal.

Frances Haugen, 37, que trabalhou como gerente de produto na equipe de integridade cívica do Facebook, foi entrevistada neste domingo (3/10) no programa 60 Minutes, e acusou a empresa de, entre outras malfeitorias, ter culpa pela mobilização que culminou na invasão ao Capitólio em janeiro, que deixou cinco mortos. Nesta terça-feira (5/10), ela vai depor no Senado.

Rumores sobre entrevista da ex-gerente de produto da rede social já corriam pela empresa na sexta-feira (1/10), quando o vice-presidente de assuntos internacionais, Nick Clegg, fez circular um memorando aos funcionários, publicado pelo jornal The New York Times, “preparando-os” para eventualmente responder perguntas de “amigos e familiares” que surgiriam após a aparição de Haugen na TV.

Ex-funcionária afirma que Facebook priorizou lucros em detrimento da segurança

A ex-gerente afirmou que resolveu revelar o que hoje são os “Facebook Papers” pois os documentos provam que o Facebook prioriza repetidamente o crescimento da empresa em detrimento da segurança de seus usuários.

Na entrevista para a CBS, Haugen disse que deixou o Facebook no início do ano após “ficar irritada com a empresa”. Antes de partir, ela copiou memorandos e documentos internos.

“O Facebook repetidamente escolheu otimizar [a plataforma] para seus próprios interesses, como ganhar mais dinheiro”, afirmou a ex-funcionária.

Haugen também falou sobre a invasão de radicais de extrema-direita ao Congresso americano, alegando que o Facebook ajudou a alimentar a violência.

Na avaliação da ex-gerente de produto, o Facebook desativou de maneira irresponsável os sistemas de segurança na rede social usados para reduzir a desinformação durante as eleições nos Estados Unidos (EUA).

“Assim que a eleição acabou, eles os cessaram ou mudaram as configurações para o que eram antes, para priorizar o crescimento sobre a segurança, e isso realmente parece uma traição à democracia.”

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Clegg afirma tanto em seu memorando quanto em entrevista à rede CNN no fim de semana, que culpar o Facebook pela polarização nos EUA é algo descabido, e que a rede social tomou iniciativas baseada em dados.

“A responsabilidade por estes eventos recai inteiramente sobre os perpetradores da violência, e aqueles na política e em outros lugares que os encorajaram ativamente. Democracias maduras, nas quais o uso da mídia social é generalizado, realizam eleições o tempo todo — por exemplo, a eleição na Alemanha na semana passada — sem a presença desfigurante da violência”, afirmou o executivo em texto para funcionários divulgado na sexta-feira.

Clegg ainda reforça a informação de que o Facebook tem hoje 40 mil pessoas dedicadas à segurança e moderação de conteúdo — informação que vem sendo repetida desde o início dos “Facebook Papers”.

O VP de assuntos internacionais afirma que a rede social tirou “dezenas de milhares de páginas, grupos e contas QAnon” do ar, além de campanhas e hashtags afirmando que as eleições americanas foram fraudadas.

“Somente em 2020, removemos mais de 30 milhões de peças de conteúdo que violavam nossas políticas relacionadas ao terrorismo e mais de 19 milhões de peças de conteúdo que violavam nossas políticas sobre ódio organizado.”

Clegg ainda destaca que o Facebook designou os Proud Boys, grupo supremacista branco dos EUA, presente na invasão ao Capitólio, como uma organização de ódio em 2018.

Logo após a queda de Cabul, quando o Talibã voltou ao poder no Afeganistão, a plataforma divulgou que classificava os extremistas como “organização terrorista”.

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“Facebook Papers” expuseram VIP sem moderação e Instagram tóxico

Os “Facebook Papers” entregues por Haugen à imprensa revelaram práticas controversas da empresa, que lida com dados de cerca de 3 bilhões de pessoas em seu ecossistema de aplicativos — Facebook, Instagram, Messenger e WhatsApp.

Entre as questões que vieram a público em reportagens do Wall Street Journal, está a moderação seletiva que deixa famosos e poderosos livre para excederem os limites das regras da rede social para posts. O jornal cita o caso do jogador Neymar, que sob acusação de estupro, expôs em fotos com nudez a mulher que o acusava.

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As falhas na chamada XCheck, ou checagem cruzada, foram objeto de análise do Conselho de Supervisão, órgão independente criado pela rede social em 2020. A mesa analisadora determinou a publicação de um relatório de transparência este mês e afirma que o Facebook precisa ser mais claro em relação a suas políticas de moderação.

Empresa foi a público afirmar que usa pesquisas para aprimorar produtos

Em outro caso dos “Facebook Papers” revelado pela mídia americana, a empresa acompanhava os danos potenciais do Instagram sobre a saúde mental de jovens usuários, especialmente meninas.

Segundo mostraram os documentos revelados, a empresa possui a informação de que meninas que não se sentem bem com seus corpos relataram se sentir ainda pior após usar o Instagram.

Após a empresa ser enquadrada como irresponsável, dentro da imagem de priorizar lucro sobre a segurança dos usuários, como disse a ex-gerente na TV no domingo, o Facebook veio a público.

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Entre seus argumentos para defender a posição do Facebook, a chefe da área de pesquisas da rede social, Pratiti Raychoudhury, afirmou que “o que as pesquisas realmente demonstram é que muitos adolescentes sentem que usar o Instagram ajuda quando estão atravessando momentos difíceis e problemas que jovens sempre enfrentaram“.

A empresa, contudo, resolveu adiar o lançamento de sua versão do Instagram para usuários menores de 13 anos. 

Em comunicado assinado pelo chefe global do Instagram, Adam Mossseri, a empresa americana anunciou na última segunda-feira (27/9) que a ideia do novo aplicativo é “a coisa certa a fazer”, mas que antes de lançá-lo quer conversar com pais e legisladores sobre os planos.

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