Londres – Casada com um indiano, mãe de um filho nascido no país e residente na Índia há 25 anos, a jornalista francesa Vanessa Dougnac foi obrigada a deixar o país na semana passada depois de ter seu visto de residência revogado, em um caso que provocou protestos das principais organizações internacionais de liberdade de imprensa. 

Dougnac escrevia regularmente sobre uma série de questões sensíveis ao governo de Narendra Modi, como direitos humanos, política internacional e assuntos internos, para publicações como o diário francês La Croix , o semanário Le Point, o jornal diário suíço de língua francesa Le Temps, e o jornal belga de língua francesa Le Soir. Era a correspondente estrangeira há mais tempo no país, onde trabalhava há 23 anos.  

Como esposa de um cidadão indiano, ela detinha status de residência permanente, conhecido como visto de Cidadania Internacional da Índia (OCI). Desde março de 2021, os regulamentos indianos passaram a exigir  que os titulares de vistos OCI solicitem autorização para trabalhar como jornalistas na Índia, que ela obteve. 

No entanto, em setembro de 2022 o governo indiano revogou a licença de jornalismo de Dougnac sem justificativa, segundo o Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ). A organização afirma que ela parou de fazer reportagens sobre a Índia enquanto recorria da decisão.

Só que em janeiro de 2024 o Ministério da Administração Interna emitiu um aviso a Dougnac dizendo que pretendia retirar o estatuto de residência permanente, alegando que ela tinha exercido atividades jornalísticas no país sem autorização.

Índia chamou reportagens da jornalista de ‘maliciosas’ 

A correspondência classificou suas reportagens de “maliciosas” , afirmando que teriam criado uma “percepção negativa” da Índia e poderiam “provocar desordem e perturbar a paz em certos setores da sociedade”. 

As autoridades também alegaram que Dougnac viajou para áreas restritas sem permissão.

Na semana passada, cerca de 30 correspondentes estrangeiros baseados na Índia escreveram uma carta conjunta instando as autoridades indianas a resolverem rapidamente o caso de Dougnac, “uma vez que afecta não só o seu sustento, mas também a sua vida familiar”.

Ao deixar o país, a jornalista divulgou uma mensagem: 

“A Índia é a minha casa, um país que amo e respeito profundamente, e nunca me envolvi em quaisquer atos que sejam de alguma forma prejudiciais aos interesses indianos, como está sendo alegado. 

Trabalhei como jornalista na Índia quando realmente tinha uma autorização de trabalho válida. Parei de fazer reportagens assim que minha licença de jornalismo foi revogada em setembro de 2022.

“Sou jornalista, uma profissão que prezo muito, e não posso concordar em abandoná-la por causa de acusações não comprovadas.”

Embora a carta recebida pela jornalista mencionasse o teor de suas reportagens, o secretário de Relações Exteriores da Índia, Vinay Kwatra, disse em 26 de janeiro que as ações contra Dougnac não tinham nada a ver com sua cobertura. 

“As pessoas são livres para fazer o que estão credenciadas para fazer em um determinado espaço. Mas aqui penso que a principal questão é se a pessoa está em conformidade com as regras e regulamentos do estado sob o qual se enquadra”, disse Kwatra num comunicado.

Jornalistas e organizações protestaram contra decisão 

“É profundamente desanimador testemunhar o assédio que Vanessa Dougnac, uma jornalista veterana que fez da Índia seu lar nas últimas duas décadas, sofreu nas mãos das autoridades indianas nos últimos 17 meses”, disse Carlos Martinez de la Serna, representante do Comitê de Proteção a Jornalistas para a região.

“O governo indiano deve estabelecer prontamente um mecanismo transparente que permita aos jornalistas estrangeiros procurar reparação, em linha com as expectativas de qualquer nação democrática e cumpridora da lei.”

“Forçar uma jornalista profissional experiente a deixar a Índia depois de lá ter residido durante duas décadas revela uma imagem muito sombria e deplorável do que se tornou a liberdade de imprensa sob o primeiro-ministro Narendra Modi”, disse Anne Bocandé, diretora editorial da Repórteres Sem Fronteiras.

“A dois meses das eleições gerais, o cerco se aperta sobre correspondentes estrangeiros que tentam cobrir a Índia de forma profissional. Condenamos a forma inaceitável como Vanessa Dougnac tem sido tratada e o uso de acusações absurdas como subterfúgio para amordaçar e intimidar repórteres honestos. As autoridades indianas devem garantir a segurança e a liberdade de trabalho dos jornalistas.”

Vários jornalistas estrangeiros, incluindo titulares de vistos OCI, enfrentaram múltiplos desafios para conquistar o direito de trabalhar legalmente na Índia nos últimos anos, incluindo o que foi descrito como um processo “arbitrário” de aprovação ou recusa de autorizações e vistos de jornalismo, segundo o CPJ. 

“Sou jornalista, uma profissão que prezo muito, e não posso concordar em abandoná-la por causa de acusações não comprovadas”, disse ela em sua declaração, revisada pelo CPJ.