Londres –  O jornalista Ifran Mehraj, da Índia, vive uma situação que a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) descreve como “kafkiana”: chamado em seu celular pela polícia da região da Caxemira, onde vive, para passar na delegacia “por cinco minutos”, ele foi preso, transferido no dia seguinte para Nova Déli e enfrenta risco de prisão perpétua. 

Merhaj é um jornalista reconhecido no país e no exterior. Ele dirige a revista Wande Magazine , publicação online especializada em análises e reportagens em profundidade, colabora para meios nacionais como The Indian Express e The Caravan, e já produziu conteúdo para veículos internacionais como Al Jazeera , TRT World e Deutsche Welle.

O jornalista foi preso pela Agência Nacional de Investigação (NIA, na sigla em inglês), principal agência antiterrorista da Índia, em uma operação contra organizações não-governamentais da Caxemira acusadas de atividades “prejudiciais”à unidade, integridade, soberania e segurança da Índia”. 

Jornalista preso e acusado de terrorismo

Sob o governo do primeiro-ministro Narendra Modi, a Índia se tornou um dos locais mais perigosos para jornalistas, com prisões e assassinatos frequentes. 

Pelo Twitter, a NIA disse que a prisão ocorreu devido à suposta colaboração de Mehraj com a Jammu Kashmir Coalition of Civil Society (JKCCS), uma organização dirigida pelo ativista de direitos humanos Khurram Parvez, que está preso desde novembro de 2021. 

O chefe da RSF organização para a região Ásia-Pacífico, Daniel Bastard, disse:

“Irfan Mehraj é um repórter experiente, responsável e cuidadoso que não pode ficar na prisão.

Leis especiais destinadas a combater o terrorismo não devem ser usadas para reprimir as atividades dos jornalistas. Tendo em vista a natureza claramente espúria das acusações feitas contra ele, pedimos ao ministro do Interior indiano, Amit Shah, que ordene sua libertação imediata e incondicional.” 

A Anistia Internacional também protestou. Aakar Patel, presidente do conselho da entidade na Índia, disse que a prisão “é uma farsa, exemplo da longa repressão dos direitos humanos e da repressão às liberdades da mídia e da sociedade civil na região de Jammu e Caxemira”.

Conflito na Caxemira 

A Índia e o Paquistão reivindicam a totalidade do território dividido de Caxemira. Os rebeldes, na região controlada pela Índia, combatem o domínio de Nova Délhi desde 1989.

O pai de Mehraj disse ao site de notícias The Wire que o jornalista estava trabalhando em uma reportagem na noite de 20 de março, quando os investigadores da polícia ligaram para seu celular e lhe disseram para ir ao escritório “por cinco minutos”.

Após obedecer, ele foi preso e transferido para a capital indiana. E soube que estava enfrentando uma possível sentença de prisão perpétua com base na seção 124-A do código penal indiano, entre outras acusações citadas em um “Relatório de Primeira Informação” que o NIA apresentou contra ele.

A RSF informou que o jornalista recebeu nove acusações, que vão desde “incitar desafeto ao governo por meio de palavras” até “arrecadação de fundos para atividades terroristas” sob o código penal indiano e a Lei de Prevenção de Atividades Ilegais (UAPA), que permite que as autoridades detenham pessoas indefinidamente.

Seu celular e computadores foram apreendidos durante uma invasão em sua casa em 2020. Desde então ele foi interrogado diversas vezes pela polícia.

Outros jornalistas presos na Índia 

De acordo com a Repórteres Sem Fronteiras, as agências antiterroristas da Índia para perseguem jornalistas da Caxemira que não seguem a linha estabelecida pelo Ministério de Assuntos Internos de Nova Delhi.

Mahraj é o quarto jornalista da Caxemira atrás das grades na Índia, segundo a organização de direitos humanos indiana Free Speech Collective.

Os outros são Aasif Sultan, preso em agosto de 2018, Sajjad Gul, preso em janeiro de 2022 e Fahad Shah, editor do Kashmir Walla, preso em fevereiro de 2022. Na semana passada, ele foi acusado de “sedição” por publicar um artigo da escritora Aala Fazili.

Índia, 150º em liberdade de imprensa 

A Índia ocupa o 150º no ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que lista 180 países. 

“A violência contra os jornalistas, a mídia politicamente partidária e a concentração da propriedade da mídia demonstram que a liberdade de imprensa está em crise na “maior democracia do mundo”, governada desde 2014 pelo primeiro-ministro Narendra Modi , líder do Partido Bharatiya Janata (BJP) e a personificação da direita nacionalista”, diz a RSF.