Sem renda por mais de um ano depois de fugir do Afeganistão para o Paquistão, o jornalista afegão Samiullah Jahesh estava disposto a vender seu rim para colocar comida na mesa para sua família.

“Eu não tinha outra opção, não tinha dinheiro nem comida em casa”, disse Jahesh, ex-jornalista do canal de TV independente Ariana News, do Afeganistão, ao Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

Jahesh é um dos muitos jornalistas afegãos exilados por mais de 18 meses depois que o Talibã tomou o poder, forçando centenas de milhares de afegãos a fugir.

Jornalistas afegãos buscam abrigo em outros países

Entre os que saíram estavam centenas de jornalistas que buscavam refúgio enquanto o Talibã reprimia a mídia independente anteriormente ativa do país.

Enquanto alguns jornalistas afegãos encontraram abrigo na Europa ou nos Estados Unidos, aqueles que não conseguem ir além do vizinho Paquistão estão em apuros cada vez maiores.

Incapazes de encontrar empregos sem a autorização de trabalho, a validade de seus vistos está acabando, enquanto eles enfrentam a tentativa de reassentamento em um terceiro país.

O Paquistão, que no ano passado anunciou que agilizaria os vistos de trânsito de 30 dias para os afegãos que vão para outros países, agora está tomando medidas mais duras contra aqueles que estão no país sem documentos válidos.

Restrições no Paquistão

Em março, o governo anunciou novas restrições limitando os movimentos dos jornalistas do Afeganistão.

Pelo menos 1,1 mil afegãos foram deportados nos últimos meses, de acordo com um relatório do jornal The Guardian, citando a advogada paquistanesa de direitos humanos Moniza Kakar.

“O Paquistão não é signatário da convenção de refugiados da ONU”, disse. Ela afirma que os refugiados não devem ser forçados a retornar a um país onde enfrentam ameaças à sua vida ou liberdade.

Jornalistas afegãos disseram ao CPJ que temem que a postura linha-dura do Talibã na mídia os coloque em perigo, além dos riscos se forem enviados de volta.

Alguns jornalistas disseram que têm que pagar taxas exorbitantes para renovar um visto e os pedidos podem levar meses para serem processados. Aqueles sem vistos válidos vivem escondidos por medo de detenção ou extorsão.

Mesmo aqueles com a documentação adequada disseram ter sido perseguidos pelas autoridades locais. A incerteza, dizem eles, colocou pressão em sua saúde mental.

Jahesh, que suspendeu seu plano de vender seu rim após receber uma doação depois de tuitar sua oferta desesperada em fevereiro, disse:

“As pessoas estão preocupadas em serem identificadas e presas se saírem para tentar renovar seus vistos.

O risco de deportação está colocando todos sob pressão”.

A situação é “terrível”, disse Ahmad Quraishi, diretor executivo do grupo de defesa Centro de Jornalistas do Afeganistão, que estima que haja pelo menos 150 jornalistas afegãos no Paquistão.

Ele pediu às embaixadas que priorizem os pedidos de reassentamento de jornalistas em risco.

Jornalistas afegãos relatam problemas enfrentados no Paquistão

O CPJ conversou com cinco outros jornalistas afegãos exilados no Paquistão que enfrentam problemas de visto. 

Ahmad Ferooz Esar, ex-jornalista da Arezo TV e da Mitra TV, fugiu para o Paquistão em dezembro de 2021 com sua esposa, também jornalista.

Ele foi detido no início de fevereiro e está escondido depois de falar sobre sua detenção. Na noite de 3 de fevereiro, a polícia entrou na casa do jornalista e prendeu ele e vários outros afegãos que moravam lá.

“Perguntei à polícia porque eu estava sendo preso, eles não disseram nada. Perguntaram-me sobre o meu trabalho e o que fiz no Afeganistão, tive muito medo.

Eles nem verificaram nosso passaporte ou o visto. Fomos levados para a delegacia. Eles pediram dinheiro. Antes que meu celular fosse roubado, compartilhei minha prisão com alguns colegas da mídia em Islamabad”.

Esar conta que com a ajuda desses colegas ele saiu da prisão e deu entrevistas na mídia e falou sobre corrupção policial: “Eu declarei os fatos, mas a polícia veio me procurar depois. Tivemos que sair de casa. Estamos vivendo com medo”.

“A todo momento tememos que descubram nosso endereço atual e venham aqui me prender. Por favor, ajude a mim e minha esposa a escapar desse horror e destruição. Não há como voltarmos ao Afeganistão”, disse.

Khatera Ahmadi, ex-apresentadora de notícias da emissora afegã TOLONews, fugiu para o Paquistão em julho de 2022.

Uma foto dela cobrindo o rosto no ar seguindo uma ordem do Talibã foi uma das imagens amplamente compartilhadas ilustrando as restrições às jornalistas no país.

A jornalista contou que: “Tive que fugir do Afeganistão depois que o Talibã chegou ao poder e após as ameaças que foram feitas contra mim. Consegui o visto e vim para o Paquistão com meu marido, que também é jornalista”.

“Já se passaram oito meses, estamos em uma situação ruim. Não podemos viajar livremente no Paquistão.

Temos que ir até a fronteira de Torkham [uma passagem de fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão que alguns afegãos são obrigados a visitar a cada dois meses] para renovar nossos vistos, mas o Talibã pode me prender lá”.

Ahmadi disse que não pode ir a lugar nenhum, que a família não pode transferir dinheiro e que não pode fazer o contrato de aluguel da casa. “Não podemos fazer nada aqui”.

Medina Kohistani, ex-jornalista do TOLONews, fugiu para o Paquistão há um ano. Ela disse que a ansiedade aumentou entre os jornalistas afegãos exilados no Paquistão.

“A polícia sempre patrulha as ruas e mercados e verifica os vistos e passaportes dos afegãos. Em alguns casos, eles entram nos prédios e verificam os vistos e autorizações de residência dos refugiados afegãos”.

“Em um caso, várias pessoas, incluindo jornalistas, foram presas por questões de visto e depois foram libertadas após pagarem suborno. Meu amigo, que é jornalista, não teve dinheiro para pagar as multas depois que o visto expirou, vive com medo constante”.

Ahmad, que pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome, mora em Islamabad há cerca de 10 meses. Ele foi forçado a fugir do Afeganistão depois de ser detido pelo Talibã por causa de suas reportagens.

“Eu vi que a maioria dos jornalistas afegãos teve que comprar seus vistos para o Paquistão por US$ 1,2 mil para poder fugir do Afeganistão e agora seus vistos expiraram. Mesmo que eles tenham tentado solicitar uma extensão, eles não obtiveram uma resposta, falou.

“A única forma de conseguir um visto é pagando propina, o que é impossível, dada a situação financeira de muitos jornalistas afegãos”.

Ele relatou que testemunhou um dos jornalistas cujo visto expirou pagar suborno à polícia. E disse: “Não posso fornecer mais detalhes, pois posso enfrentar riscos ao falar disso”.

Um jornalista afegão, que é pai de três filhos de 5 a 14 anos, fugiu para o Paquistão há mais de um ano e pediu para não ser identificado para a segurança de sua família.

“O Paquistão não oferece educação para nossos filhos, as escolas públicas e privadas não matriculam nossos filhos. Este é realmente um grande problema. Qual será o futuro dessas crianças enquanto não houver esperança de um reassentamento em um terceiro país?, lamentou.

Ele contou que “quando fugimos do Afeganistão, tínhamos uma pequena poupança que guardamos conosco. Tínhamos apenas o suficiente para sobreviver com essas economias no começo, agora temos que vender nossos pertences como as joias de minha esposa por dinheiro e comida. Não há outras opções, não podemos voltar para o Afeganistão”.

O Ministério do Interior do Paquistão não respondeu a um pedido de comentários para este artigo, incluindo as alegações de suborno.


Sobre os autores:

Beh Lih Yi é a Coordenadora do Programa da Ásia do CPJ. Ela tem mais de 20 anos de experiência em reportagens sobre direitos humanos e justiça social em toda a Ásia para a Agence France-Presse, Thomson Reuters Foundation, site de notícias malaio independente Malaysiakini e outros veículos.

Waliullah Rahmani é pesquisador da Ásia no CPJ. De 2016 até a queda de Cabul para o Talibã em agosto de 2021, ele foi fundador e diretor da Khabarnama Media, uma das primeiras organizações de mídia digital no Afeganistão.


Este artigo foi publicado originalmente no site do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e republicado no MediaTalks sob uma licença Creative Commons atribuição não comercial.