Londres – Durou pouco a lei de mídia aprovada na Polônia feita sob medida para atingir o canal de notícias TVN, de propriedade da Discovery. Uma emenda sobre propriedade estrangeira obrigaria a empresa americana a vender o controle da emissora, que veicula o telejornal mais assistido do país e crítico do governo. 

Depois de pressões dos EUA, da União Europeia e da população, o presidente Andrzej Duda vetou a regulamentação que tinha sido aprovada a toque de caixa pelo Parlamento dez dias antes.

Duda anunciou a decisão em um pronunciamento feito pela TV nesta segunda-feira (27/12), pressionado por declarações duras do Departamento de Estado Americano, de líderes da União Europeia e de protestos nas ruas. 

Regulamentação de mídia desagradou a todos 

O projeto de lei vinha sendo discutido há vários meses no Parlamento. A emenda que gerou reação negativa foi apresentada inicialmente como uma iniciativa para proteger a mídia polonesa de aquisições hostis por parte de empresas estrangeiras.

No entanto, o efeito imediato seria a obrigatoriedade de a Discovery vender sua participação na TVN.

O canal é de propriedade da americana por meio de uma empresa com sede na Holanda, recurso empregado para contornar uma proibição de companhias não europeias deterem mais de 49% das empresas de mídia polonesas.

A emissora tem entre seus canais o TVN24, que exibe o telejornal de maior audiência do país, com grande influência sobre a opinião pública polonesa. 

No dia 17 de dezembro, o projeto de lei de propriedade de mídia foi colocado em votação às pressas, depois de uma reunião de comitê para debater suas implicações. 

A oposição criticou o trâmite, acusando o partido do governo, o nacionalista Law and Justice (PiS), autor da iniciativa, de infringir os dispositivos legais.

A convocação aos parlamentares foi feita por mensagem de texto 24 minutos antes da votação, segundo relatos de membros da casa. 

Dois dias depois, passeatas em várias cidades reuniram manifestantes entoando o slogan  “wolne media” (mídia livre).

Protesto em Varsóvia (foto Magdalena Skrzypek/Twitter)

A lei também motivou reação dos Estados Unidos, que não costumam interferir diretamente em questões locais de liberdade de imprensa. Nesse caso, porém, o que estava em jogo era o maior investimento de uma empresa privada americana na Polônia, estimado em US$ 1 bilhão. 

Logo após a votação do dia 17, a controladora Discovery emitiu um comunicado dizendo que decisão do Parlamento “deveria alarmar qualquer empresa que invista no país”. E pediu ao presidente Andrzej Duda que vetasse a legislação.

O mesmo fez o Departamento de Estado americano.

 “Os Estados Unidos estão profundamente preocupados com a aprovação na Polônia de uma lei que prejudicaria a liberdade de expressão, enfraqueceria a liberdade de imprensa e corroeria a confiança dos investidores estrangeiros em seus direitos de propriedade e na legalidade dos contratos na Polônia”, disse o porta-vos do órgão, Ned Price, em um comunicado.

Lei de mídia ameaçava Discovery e pluralidade 

Organizações de defesa da liberdade de imprensa uniram-se para pressionar Andrzej Duda. 

Uma carta assinada por 16 entidades, incluindo o Centro de Proteção a Jornalistas, a Repórteres Sem Fronteiras e a Federação Internacional de Jornalistas cobrou do presidente veto ao que os signatários viram como “ameaça fundamental à liberdade de mídia e ao pluralismo em Polônia”. 

Para as organizações, em vez de um “esforço sincero” para proteger a Polônia contra aquisições hostis da mídia estrangeira, a lei de propriedade da mídia “sempre teve como objetivo quebrar a estrutura de propriedade da TVN e forçar a Discovery a vender sua participação e o controle de 51%”.

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Isso, segundo os críticos da lei, abriria  a porta para que empresas aliadas ao governo adquirissem o controle da TVN e tornassem a linha editorial favorável ao partido no poder.

Dirigindo-se ao presidente Duda, as signatárias da carta afirmaram: 

“Sua decisão sobre este projeto de lei não deve ser sobre se alguém concorda ou discorda da cobertura da TVN. Deve ser sobre o princípio do pluralismo da mídia e a capacidade dos cidadãos de acessar informações de uma variedade de fontes de notícias. 

Deve ser também sobre o direito fundamental da mídia de cumprir seu papel de fiscalizar aqueles que estão no poder. 

E deve ser sobre a garantia de condições de mercado justas, em um setor de mídia livre da interferência do governo.”

A posição do presidente 

Embora a controvertida regulamentação de mídia tenha sido apresentada pelo partido que dá sustentação ao governo da Polônia, o presidente da república não a defendia, pelo menos abertamente.

O partido governista Lei e Justiça controla a emissora pública de televisão TVP, que se tornou porta-voz do governo, e também grande parte da imprensa regional.

O governo da Polônia passou a controlar a maioria da mídia regional do país por meio da estatal petrolífera Orlen, que adquiriu d20 dos 24 jornais regionais de propriedade da empresa alemã Polska Press, cujos sites têm em conjunto 17 milhões de leitores.

Desde que o PiS foi eleito para o poder, em 2015, a Polônia caiu 46 posições no índice mundial de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras, ocupando hoje o 64º lugar na lista de 180 nações. 

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Andrzej Duda tem sido responsável por várias iniciativas para limitar a influência do jornalismo independente.

Em setembro, a organização Repórteres Sem Fronteiras declarou um “estado de emergência” à liberdade de imprensa na Polônia, a propósito do projeto de regulamentação de mídia.

A RSF denunciou que durante a última campanha presidencial, a mídia estatal favoreceu o atual presidente, ao mesmo tempo em que tentou desacreditar o principal candidato da oposição.

Briga com Discovery: riscos diplomáticos e políticos 

No caso da nova lei de mídia, no entanto, Duda pode ter percebido que os prejuízos diplomáticos e políticos eram superiores aos benefícios de sua aprovação, diante da onda negativa que ela despertou dentro e fora do país. 

Quando as reações ao projeto começaram, ele disse concordar com o princípio de proteger o ecossistema da mídia da Polônia de aquisições hostis provenientes de inimigos como a Rússia.

Mas afirmou que ele não deveria ser aplicado aos acordos comerciais e tratados de investimento existentes.

No pronunciamento em que anunciou o veto, ele disse: 

“O projeto de lei e suas emendas dizem respeito a entidades que já estão presentes no mercado. 

Há também a questão do pluralismo da mídia, da liberdade de expressão. Ao tomar minha decisão, levei esse elemento seriamente em consideração”.

O ex-líder da União Europeia, Donald Tusk, que agora lidera o partido de oposição polonês Plataforma Cívica, disse que a decisão de Duda provou que “a pressão funciona”.

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