Em resposta à perseguição por parte do governo da Guatemala que culminou com a prisão de José Rúben Zamora, fundador e presidente do elPeriódico, o jornal desistiu de continuar circulando com sua versão impressa e anunciou uma reformulação para se tornar apenas digital. 

O caso é um dos mais notórios exemplos de pressões sofridas pela imprensa independente na América Latina. Zamora está em prisão preventiva há quase seis meses, apesar dos protestos internacionais contra a administração de Alejandro Giammattei.

Em nota, o Comitê de Proteção a Jornalistas classificou a decisão de “dolorosa”, sinal da deterioração das condições de liberdade de imprensa na Guatemala. 

Perseguição pela Guatemala sob alegação de violações financeiras 

Jornalista premiado por sua luta contra a censura no país, José Rúben Zamora foi capturado em casa no dia 29 de julho.

Ele enfrenta acusações de lavagem de dinheiro, chantagem e tráfico de influência. Antes da prisão, havia denunciado que um processo estaria sendo “fabricado” contra ele. 

Em 19 de agosto, a perseguição se estendeu à gerente financeira da empresa jornalística, Flora Silva, presa pela polícia da Guatemala após uma operação policial em sua casa. Silva também permanece em prisão preventiva.

Zamora, sua família e colegas afirmam que o caso é retaliação pelos relatos da elPeriódico sobre suposta corrupção envolvendo a administração de Giammattei e a Procurador-Geral do país, María Consuelo Porras.

Em comunicado, o jornal informou que realizaria em dezembro um processo de reestruturação para continuar existindo “em um futuro que precisa de um jornalismo mais ágil, dinâmico e comprometido com a comunicação dos fatos”.

E associa a decisão à perseguição por parte do governo de Giammattei:

“Com esta medida, procuramos lidar com um sistema hostil contra a imprensa independente, a liberdade e a democracia.

Estes 120 dias de pressões políticas e econômicas nos obrigaram a repensar o que significa fazer jornalismo e como fazê-lo em um contexto onde a mentira e a opacidade reinam.”

A última edição impressa do ElPeriódico circulou no dia 30 de novembro e todos os funcionários foram demitidos.

No comunicado, o veículo explicou que a partir de 1º de dezembro a operação do elPeriódico seria redesenhada.

O processo inclui uma avaliação da cobertura, dos canais de distribuição e da forma de organização do trabalho. Serão feitas pesquisas de opinião para que os leitores expressem suas ideias sobre o futuro do jornal.

Ao longo do mês, serão distribuídas seis edições especiais aos assinantes de edição impressa, fazendo um balanço dos 26 anos de existência do El Periódico e informando sobre os novos passos.

Não haverá cobertura de notícias de forma mais imediata, nem os boletins diários que o jornal distribuía aos inscritos, informou o comunicado. Mas as redes sociais continuam sendo atualizadas com notícias. 

O CPJ lamentou a decisão e voltou a pedir a liberdade de Zamóra e de Flora Silva.

“As autoridades da Guatemala, começando pelo presidente Alejandro Giammattei, devem retirar as acusações criminais contra a equipe da elPeriódico, pôr fim imediato aos seus esforços para sufocar o jornalismo investigativo e garantir que os meios de comunicação independentes, incluindo o elPeriodico, possam continuar a noticiar com segurança e a liberdade.”

Fundador do jornal da Guatemala reconhecido por luta contra censura 

O elPeriódico foi fundado em 1996, depois de 36 anos de guerra civil do país centro-americano. Como uma das principais publicações independentes do país, é reconhecido por desvendar abusos de direitos humanos pelos militares e corrupção de décadas no governo da Guatemala.

Em 1995, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas concedeu a Zamora seu Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa, em reconhecimento ao trabalho de combate à censura na Guatemala.

Em 2000, ele foi nomeado um dos 50 heróis da liberdade de imprensa pelo Instituto Internacional de Imprensa.

No momento em que Zamora foi preso, a redação também foi ocupada pela polícia durante 12 horas.

O promotor Rafael Curruchiche, que lidera o escritório anti-impunidade da Guatemala e chefe da operação, deu uma entrevista afirmando que não houve tentativa de atacar o trabalho jornalístico ou bloquear o jornal, embora a equipe tenha ficado impedido de entrar ou sair durante todo o tempo.

Na semana anterior, Curruchiche havia sido incluído pelos Estados Unidos em sua lista de pessoas corruptas e antidemocráticas na Guatemala. Ele está proibido de ingressar nos EUA.

O país o acusa de obstruir as investigações sobre atos de corrupção “interrompendo processos de alto nível contra funcionários do governo”.

A procuradora-geral María Consuelo Porras também é alvo de sanções por parte dos EUA sob acusação de  “envolvimento em corrupção significativa”, segundo o Washington Post.