O francês Thierry Henry não é o único no mundo do futebol a sofrer com bullying online. Mas ao tomar a atitude de sair das redes sociais como forma de pressionar as empresas de mídia digital a combaterem o racismo em suas plataformas com mais energia, anunciada na última sexta-feira (26/3), tem o potencial de impulsionar o movimento dos que cobram ação mais firme contra o discurso de ódio na internet. 

O ex-jogador e ex-técnico anunciou a decisão de se desconectar com um post no Twitter, onde tinha 23 milhões de seguidores, “até que as plataformas comecem a levar o racismo a sério”. Henry comparou o rigor aplicado aos direitos autorais e ao racismo: 

“A partir de amanhã de manhã estarei me retirando das redes sociais até que as pessoas no poder sejam capazes de regular suas plataformas com o mesmo vigor e ferocidade que têm atualmente quando você infringe direitos autorais…. 

O grande volume de racismo, bullying e tortura mental é muito tóxico para ser ignorado. TEM que haver alguma responsabilidade. É muito fácil criar uma conta, usá-la para intimidar e assediar sem qualquer consequência e ainda permanecer anônimo. Até que isso mude, desabilitarei minhas contas em todas as plataformas sociais. Espero que isso aconteça em breve.” Thierry Henry (@ThierryHenry), 26 de março de 2021 

Em uma entrevista à CNN Sports, Henry disse sobre as redes sociais: 

“Não é um lugar seguro e não é um ambiente seguro”.
“É  uma ferramenta importante que, infelizmente, algumas pessoas se transformam em uma arma porque podem se esconder atrás de uma conta falsa.”
“Não estou dizendo que não é bom ter mídia social, estou apenas tentando dizer que tem que ser um lugar seguro.”
“Basicamente, eu fiz o que senti e espero que isso possa inspirar as pessoas a fazerem a mesma coisa se elas se sentirem da mesma maneira.”
 
 
 
Reações
A notícia causou reação em vários países. No Reino Unido, onde vários jogadores de futebol têm sido vítimas de abuso racial online até o secretário nacional de cultura, mídia e esporte, Oliver Dowden, manifestou-se:

“Ninguém deveria ter que desligar seus canais de mídia social por causa do abuso. As empresas devem fazer mais para lidar com isso e estamos introduzindo novas leis para responsabilizar as plataformas. Isso é complexo e devemos acertar, mas estou absolutamente determinado a combater o abuso racista online”.

A lei a que Dowden se refere é a Online Harm Bill, um projeto legislativo apresentado em dezembro do ano passado e que está previsto para entrar em vigor em breve.O fundamento é o instituto jurídico duty of care, que estabelece a responsabilidade do Estado de defender pessoas vulneráveis. 

Times de futebol também assumiram posição. O Arsenal reproduziu a imagem da conta encerrada de Henry, protestando: esta não deveria ser a resposta.

 

Brasileiro Fred foi vítima recente de abuso 

Entre os que sofreram assédio online ligado a racismo no país estão os atletas do Manchester United Marcus Rashford, Mason Greenwood e o brasileiro Fred.

Outra vítima recente foi Yan Dhanda, que joga no Swansea City. Nascido no Reino Unido de pais indianos, é um dos poucos jogadores de origem asiática no futebol profissional britânico. No dia 10 de fevereiro, a derrota de seu time foi motivo para abusos racistas também pelo Instagram.  A Polícia do País de Gales abriu uma investigação. 

Na época, o jogador criticou o Facebook, dono do Instagram, por adicionar “mais combustível para o ódio” ao não banir a conta de agressores da plataforma, em vez de apenas restringir o usuário de enviar mensagens privadas “por um determinado período de tempo”.

Dhanda disse que estava “zangado e magoado” com o abuso e lutou para dormir naquela noite. E acha que o Facebook optou por não banir a conta por “motivos egoístas”.

“A punição dada ao perpetrador realmente dá a eles mais combustível para o ódio, pois agora eles sabem com certeza que não há consequências firmes para suas ações online”, disse Dhanda.

A posição do Facebook 

No dia em que Thierry Henry deixou as redes sociais, um porta-voz do Facebook disse:

“Não queremos abuso discriminatório no Instagram e o removemos quando o encontramos. Entre outubro e dezembro do ano passado, agimos contra 6,6 milhões de peças de conteúdo de discurso de ódio no Instagram, 95% dos quais encontramos antes que alguém nos denunciasse. ”

O que as manifestações dos atletas e a decisão de Thierry Henry colocam em pauta, no entanto, é a extensão das punições. Quando foi atacado, Dhanda escreveu:

“Banir alguém de enviar mensagens por alguns dias só prova que essas pessoas que estão enviando mensagens racistas sabem que na verdade não há punição real. Eles levam um tapa na mão, e então podem voltar a dizer e fazer o que quiserem para ferir os sentimentos das pessoas e fazer com que elas pensem negativamente sobre si mesmas. ”

Thierry Henry pensa o mesmo. Na entrevista à CNN, ele disse: 

“As coisas estão um pouco melhores no estádio, mas agora o problema mudou nas redes sociais, onde as pessoas podem se esconder”, acrescentou.
“Você sempre pode dizer: ‘Oh, é difícil rastrear’. Você fecha essa conta, eles podem abrir outra. Então, você apenas remove o problema.
“Esse problema já se arrasta há muito tempo e não é um ataque a ninguém. Trata-se de tornar o lugar mais seguro.”
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