Londres – Embora a maior parte dos atos de censura durante a guerra entre a Rússia e a Ucrânia tenham partido do país invasor, como documentou um novo relatório do International Press Institute, o governo ucraniano está sendo criticado por mais uma revogação de credenciamento a jornalistas, desta vez de dois profissionais italianos. 

Segundo a Federazione Nazionale Stampa Italiana (FNSI, federação que reúne os sindicatos de jornalistas locais, Alfredo Bosco e Andrea Sceresini tiveram seu credenciamento de imprensa retirado pelo Ministério da Defesa em Kiev no dia 6 de fevereiro por supostamente estarem “colaborando com o inimigo”. 

Um terceiro jornalista italiano, Salvatore Garzillo, esteve na Polônia e  não conseguiu entrar de volta na Ucrânia, tendo retornado à Itália.

Jornalistas cobriam guerra na Ucrânia para a RAI

Os dois são freelancers e trabalhavam em uma reportagem para a rede estatal RAI. Eram credenciados para cobrir a guerra na Ucrânia desde março de 2022, e já tinham documentado as tensões em regiões disputadas pela Rússia e pela Ucrânia no passado, o que seria a origem da desconfiança ucraniana. 

No dia 18 de fevereiro, a emissora veiculou uma reportagem feita pela dupla de profissionais em Donbass.  

Não é a primeira vez que jornalistas estrangeiros perdem credenciamento ou são impedidos de fazer cobertura em locais de interesse jornalístico durante a guerra, provocando críticas de organizações de liberdade de imprensa preocupadas com atos de censura que afetem o direito à informação.

Recentemente, uma jornalista dinamarquesa perdeu a autorização para trabalhar, e repórteres das redes CNN e SkyNews foram impedidos de cobrir a retomada da cidade de Kherson.

Em uma postagem no Facebook, Sceresini relatou que ao saber do boato de que eles seriam espiões para os russos e que o SBU (Serviço Secreto ucraniano) queria interrogá-los, voltaram de Bakhmut, no leste do país, palco dos confrontos mais violentos das últimas semanas.

“Não tendo nada a temer, fornecemos todos os nossos dados e pedimos para ser convocados o mais rápido possível. Só que ninguém nos chama.

Ficamos dias trancados em um apartamento em Kramatorsk, porque lá fora estava cheio de soldados e postos de controle, e quem for pego com um cartão de imprensa inválido corre o risco de ser preso.

Fomos então para para Kiev, porque a sede da SBU fica na capital e quem sabe não seria mais fácil para eles nos encontrarem. Mas mesmo em Kiev ninguém aparece”.

De acordo com a FNSI, apesar da máxima disposição dos dois jornalistas de prestar depoimento às autoridades, Bosco e Sceresini não receberam mais nenhuma notícia oficial e estão impedidos de trabalhar na Ucrânia, pois não podem circular pelo país diante do risco de serem detidos em postos de controle. 

O Ministério das Relações Exteriores italiano confirmou que estava acompanhando o caso dos jornalistas, que publicaram uma carta no jornal “Il Fatto Quotidiano” descrevendo o que acreditam ter sido o motivo do bloqueio:

“A suspeita – também com base nos rumores que circularam entre os fixers [jornalistas locais que ajudam repórteres estrangeiros em cobertura de campo] – é que o problema seria nossa experiência de trabalho jornalístico nas repúblicas separatistas que, como centenas de outros colegas, visitamos várias vezes desde 2014.

Nossas reportagens na época documentaram, entre outras coisas, o negócio de minas ilegais geridas por líderes pró-russos, a presença no local de voluntários de extrema direita, incluindo italianos, e as rixas internas dentro dos governos das repúblicas não reconhecidas de Donetsk e Lugansk. 

Ao mesmo tempo – tendo também obtido um cartão especial da SBU – naqueles anos obviamente também visitamos a frente do lado ucraniano.”

Em um post no Twitter, o presidente da FNSI, Vittorio Di Trapani, condenou a retirada da credencial:

“Os cronistas não participam de guerras, eles contam sobre elas. Precisamos garantir sua segurança e o direito de realizar seu trabalho”.

A organização de liberdade de imprensa Artigo 21 está entre as que protestaram contra a medida da Ucrânia. Uma reunião foi feita na sede da entidade nesta segunda-feira (20) para tratar do assunto e elevar a pressão sobre o Ministério das Relações Exteriores italiano. 

O assunto é politicamente delicado, pois a Itália oficialmente apoia a Ucrânia. A primeira-ministra do país, Giorgia Meloni, reuniu-se com o presidente Volodymyr Zelensky em Bruxelas há duas semanas.

Mas alguns de seus aliados próximos são ligados ao presidente russo, Vladimir Putin.

O ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, cujo partido faz parte da coalizão do governo, disse que jamais teria encontrado com o líder ucraniano, fazendo com que o gabinete de Meloni tivesse que divulgar uma nota confirmando o apoio a Kiev. 

A Ucrânia também foi criticada internacionalmente por sua nova lei de mídia, vista por entidades como instrumento para silenciar jornalistas e veículos críticos ao seu governo, que embora desfrute de altas taxas de aprovação, enfrenta obstáculos como um recente escândalo de corrupção na cúpula das Forças Armadas.