Londres – Listada pelas entidades de defesa da liberdade de imprensa como o país com mais jornalistas presos no mundo, a China está fazendo jus à má reputação, com registro de agressões e pelo menos duas detenções desde que os protestos contra o governo se intensificaram nos últimos dias. 

O caso de maior repercussão internacional foi o do jornalista Edward Laurence, da emissora pública britânica BBC. Ele foi jogado no chão, espancado e ficou detido por várias horas. O mesmo aconteceu com Michael Peuker, da Radio Telévision Suisse. 

Nesta segunda-feira (28), o Clube de Correspondentes Estrangeiros da China (FCCC, na sigla em inglês) se disse “extremamente consternado” com o tratamento dado aos jornalistas que cobrem os recentes protestos em Xangai e Pequim. 

Direito de cobrir protestos na China 

Manifestações eclodiram em cidades chinesas desde o dia 25 de novembro em reação às rigorosas políticas do governo para controlar a covid-19, que foram acusadas de interferir nos esforços dos bombeiros para resgatar as vítimas de um incêndio em um prédio residencial na cidade de Urumqi. 

O comunicado da organização lembra que de acordo com a lei chinesa, os jornalistas estrangeiros têm direito a acesso irrestrito a reportagens na China. “Nesses casos, eles faziam reportagens nas ruas das próprias cidades onde moram”, disse a entidade. 

“Apelamos às autoridades para que cumpram as suas próprias promessas e protejam a segurança e o direito de reportagem de todos os jornalistas estrangeiros que trabalham no país.”

A China ocupa o 175º no ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras, que tem 180 países listados. Segundo a organização, existem atualmente 99 profissionais de mídia presos no país. 

Vídeos da agressão a Ed Laurence, um experiente jornalista e cinegrafista da BBC, foram compartilhados nas redes sociais e a história apareceu em jornais de vários países. 

Em um deles, Lawrence está no chão, cercado de policiais que tentam arrastá-lo e algemá-lo. Pessoas que participaram do protesto assistiram e algumas filmaram a cena.

Em outro, ele aparece sendo conduzido por agentes e grita pedindo para avisarem ao consulado britânico. 

https://twitter.com/Shanghaishang10/status/1596930306959101953?s=20&t=FTYMJHouolc84gizD54lwA

O episódio agrava as tensões entre a BBC e o governo chinês. Em fevereiro passado o Clube de Correspondentes Estrangeiros publicou um relatório documentando o assédio a jornalistas estrangeiros, que levou pelo menos seis profissionais a deixarem o país. 

Um deles foi John Sudworth, premiado correspondente da BBC, que deixou seu posto em Pequim em março 2021 sob ameaça. Ele contou ter sido obrigado a sair às pressas com os filhos, seguido por policiais à paisana  até o aeroporto. 

Após a detenção de Ed Laurence, a emissora divulgou uma nota em que protesta contra o tratamento dado ao profissional, e afirma que ele foi agredido mesmo trabalhando com credenciais. 

A nota diz que não houve explicações oficiais ou pedido de desculpas por parte das autoridades chinesas. E critica a declaração dos agentes que prenderam o jornalista, atribuindo o ato a uma tentativa de “protegê-lo contra a covid no meio da multidão”. 

O Ministério das Relações Exteriores da China contestou a nota da BBC. O porta-voz, Zhao Lijian, afirmou que o texto “não reflete o que aconteceu”. E disse que o profissional não se identificou como jornalista.

“As autoridades chinesas devem parar imediatamente de assediar e deter jornalistas e garantir a segurança dos repórteres que cobrem os protestos contra as restrições da covid-19 no país, disse o Comitê para a Proteção dos Jornalistas na segunda-feira.

O CPJ também se manifestou contra a detenção de Michael Peuker, correspondente na China da plataforma de notícias RTS Info, da emissora pública suíça Radio Télévision Suisse.

O jornalista relatou ao Comitê que após terminar uma transmissão ao vivo de um local de protesto, em Xangai, a polícia o deteve e seu operador de câmera, levou-os ao escritório da RTS Info e confiscou seu equipamento de vídeo. 

Peuker disse ao CPJ que os policiais receberam um telefonema de “seu chefe” que ordenou sua libertação e depois teve o  equipamento devolvido.

“As detenções do jornalista da BBC Edward Lawrence e do correspondente da RTS Info Michael Peuker são apenas os exemplos mais recentes dos esforços indesculpáveis ​​das autoridades chinesas para sufocar o trabalho da imprensa”, disse Iris Hsu, representante do CPJ na China.

“As autoridades chinesas devem garantir que os membros da imprensa possam reportar livremente e parar de assediar e atacar os repórteres que cobrem os protestos.”

Covid, pretexto para repressão a jornalistas na China 

A justificativa para a detenção de Ed Lawrence durante os protestos dada por agentes policiais está em linha com a prática de utilizar a covid-19 para reprimir a liberdade de imprensa, como apontado no relatório “Confinado ou Expulso: cobrindo a China”, produzido pelo Clube de Correspondentes Estrangeiros. 

Segundo o documento,  a pandemia tem sido utilizada como desculpa para negar vistos, impedir o acesso de jornalistas a determinados locais, proibir viagens de reportagens e cancelar entrevistas.

O relatório informa que 52% dos entrevistados relataram terem sido orientados a deixar um local ou tiveram o acesso negado por motivos de saúde e segurança, mesmo quando não havia risco.

Jonathan Cheng, do Wall Street Journal, declarou que a a forma como o Estado utiliza a covid-19 tem feito o jornal mudar seus planos de reportagem:

“Cancelamos várias viagens planejadas porque tínhamos certeza de que as restrições atribuídas à covid iriam nos impedir acesso.”

Em sua análise sobre a China no Global Press Freedom Index 2022, a Repórteres Sem Fronteiras afirma que o presidente Xi Jinping, no poder desde 2013, “restaurou uma cultura de mídia digna da era maoísta, na qual o acesso livre de informações se tornou um crime e fornecer informações um crime ainda maior”.

A organização salientou que mídia estatal e privada da China está sob o controle cada vez mais apertado do Partido Comunista, enquanto a administração cria mais e mais obstáculos para repórteres estrangeiros.