O anúncio do Google de pagar US$ 1 bilhão aos editores de notícias segue a estratégia de dar os anéis para não perder os dedos

Por Aldo De Luca | MediaTalks, Londres 

 

Em artigo publicado no NiemanLab, Joshua Benton deixa clara a matemática por trás do anúncio do Google de gastar US$ 1 bilhão nos próximos três anos aos editores dos principais veículos noticiosos que farão parte do seu recém-lançado Google News Showcase.

De um lado, se a receita do Google continuar crescendo nos próximos três anos na mesma taxa que nos últimos três anos, o Google atingirá cerca de US$ 632 bilhões em receitas no período. O valor de US$ 1 bilhão anunciado, portanto, representa algo em torno de 0,15% disso. Um impacto mínimo de 0,05% na margem de lucro anual. 

Do outro, se a pressão crescente por regulamentação governamental e por cobrança de impostos feita por diversos países vier a desembocar numa taxação média de 10%, o impacto na margem de lucro anual seria 200 vezes maior.

Isso explica, segundo Benton, a escolha dos seis países por onde o projeto está começando (além do Brasil, Alemanha, Argentina, Austrália, Canadá e Reino Unido): todos onde o Google é ou foi alvo de esforços antitruste ou outras tentativas de controlar seu poder de mercado.

Como um dos principais argumentos usados pela campanha pró-regulamentação e pró-taxação é justamente o suposto prejuízo aos provedores de notícias locais, a iniciativa cairia como uma luva para desarmar essa bomba e tirar o peso de estar inviabilizando a imprensa de suas costas.

Aliás, discussão sobre regulamentação e taxação à parte, Benton é de opinião que o argumento sobre o mal causado pelo Google à imprensa não se sustenta.

“Se mal houve, foi o de ter superado os editores com produtos preferidos por anunciantes e consumidores, embora ele admita que a maioria dos editores não pense dessa forma”. 

Mas voltando ao cerne da questão, Benton considera que o Google, que já vinha se acostumando a driblar a pressão dos governos estrangeiros em tentar taxá-lo, passou a ser pressionado também em território norte-americano, o que faz a ameaça de tributação parecer cada vez mais real.

Como exemplo, ele cita o caso de Nebraska, onde um senador apresentou este ano um projeto de lei que tornaria a publicidade digital direcionada aos residentes do estado sujeita a impostos locais sobre vendas que variariam de 5,5% a 7,5%, dependendo da jurisdição. Como sempre, a iniciativa não avançou muito.

Organizações como o Free Press também têm pedido impostos semelhantes sobre os gigantes da tecnologia, sugerindo uma cobrança de 2% para uma dotação em prol do jornalismo. E a ideia da taxação já conta com aliados de peso como Paul Romer, Prêmio Nobel de Economia, que defende um imposto aplicado sobre as vendas de anúncios digitais direcionados.

Mas o sinal vermelho acendeu mesmo em Maryland, onde a taxação só não se tornou realidade este ano por muito pouco. A iniciativa imporia um imposto de consumo de até 10% sobre a publicidade digital feita por empresas com faturamento anual superior a US$ 100 milhões e dirigida aos residentes do estado. O projeto de lei conseguiu ser aprovado nas duas casas do legislativo estadual. E só foi vetado na última instância remanescente, pelo Governador Larry Hogan.

Qualquer dessas ameaças corresponde a impactos bem mais graves do que os 0,05% ano representados pelo Google News Showcase. E isso é o que realmente está na sua essência, segundo Benton: uma maneira de o Google enviar dinheiro aos editores de forma a resolver um problema de relações públicas, permanecer sub-regulamentado e afastar governos famintos, seja dentro ou fora dos Estados Unidos. 

Bem ao estilo de dar os anéis para não perder os dedos, ele faz a pergunta final:

“O que poderia fazer uma empresa querer dar 0,15% de sua receita? “

A resposta? Ele mesmo dá, sem precisar procurar no Google:

“A ameaça de outra pessoa querer tirar 10% dele”. 


Aldo De Luca,  Conselheiro e colaborador do MediaTalks byJ&Cia, é jornalista brasileiro radicado em Londres. Formado em Jornalismo pela UFF (Universidade Federal Fluminense), foi repórter especial do jornal O Globo em 1987 e 1988. Fundou junto com Luciana Gurgel a agência Publicom, que se tornou uma das maiores empresas do setor no Brasil e em 2016 foi adquirida pela WeberShandwick (IPG Group).  Além de jornalista,  é Engenheiro pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Integra a  FPA (UK Foreign Press Association). 

 

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