• Alรฉm de chamar as plataformas digitais ร  responsabilidade, Reino Unido tenta combater onda de desinformaรงรฃo sobre a vacina contra a Covid-19 supostamente vinda da Rรบssia, segundo o The Times. 
  • Professora especializada em programas de imunizaรงรฃo alerta: “Sem um plano de comunicaรงรฃo envolvente e persuasivo, o progresso cientรญfico feito no desenvolvimento da vacina Pfizer e BioNTech e as que virรฃo terรก sido em vรฃo”. 

Por Luciana Gurgel | MediaTalks, Londres

Nรฃo รฉ de hoje que a Inglaterra tenta controlar desinformaรงรฃo em seu territรณrio. Data de 1688, sob o reinado de James II, um decreto anunciando puniรงรฃo aos que espalhassem informaรงรตes maliciosas ou falsas, fossem elas faladas, escritas, impressas ou distribuรญdas โ€œpor outros meios de publicaรงรฃoโ€. 

A lei atรฉ poderia estar em vigor na era das mรญdias sociais, jรก que abriu a possibilidade de formas adicionais de espalhar notรญcias alรฉm dos manuscritos e prensas entรฃo existentes. Mas se no sรฉculo XVII a preocupaรงรฃo era com ofensas que ameaรงassem o rei, hoje o inimigo nรบmero um รฉ a onda de boatos circulando pelas redes, com potencial de retardar o combate ao coronavรญrus. 

Diversos paรญses ensaiam passos na direรงรฃo de amenizar o impacto das plataformas digitais globais sobre a sustentabilidade da indรบstria de mรญdia, sobre o comรฉrcio tradicional e sobre o discurso de รณdio, para citar apenas alguns de seus flancos. No Reino Unido, este รบltimo รฉ o principal. Os holofotes tรชm se voltado sobretudo para a ausรชncia de controles semelhantes aos que empresas jornalรญsticas estรฃo submetidos e para a lentidรฃo das redes sociais em remover conteรบdo nocivo. 

Um dia antes da euforia mundial provocada pelo anรบncio da Pfizer sobre o sucesso nos testes com a vacina contra o coronavรญrus, o Reino Unido anunciou (no dia 8/11) um acordo com as plataformas digitais. 

O documento publicado no site do Governo nรฃo tem o rigor do decreto real de 1688, que estabelecia penas para quem criasse as notรญcias falsas e para quem a elas tivesse acesso e nรฃo denunciasse ร s autoridades. Mas รฉ um movimento importante, pois formaliza o compromisso assumido pelos secretรกrios de saรบde e de mรญdia, Matt Hancock e Oliver Dowden, respectivamente, depois de uma reuniรฃo virtual com os lรญderes de Google, Facebook e Twitter. Assim, aumenta as chances de que venha a ser cumprido. 

Explica-se a presenรงa do secretรกrio de saรบde no acordo: o objetivo mais imediato da aรงรฃo do Governo de Boris Johnson รฉ estancar a onda de fake news relacionadas ร  vacina, que ganharam dimensรฃo alarmante no paรญs. 

Protestos contra distanciamento social e vacinaรงรฃo tรชm ocorrido em Londres semanalmente. A tensรฃo รฉ tamanha que em um deles, em 6/11, jornalistas credenciados chegaram a ser ameaรงados de prisรฃo se nรฃo deixassem o local, mesmo tendo status de trabalhadores essenciais e por isso desfrutarem de trรขnsito livre durante o lockdown. 

O movimento QAnon alastrou-se pelo Reino Unido. E os serviรงos de inteligรชncia trabalham para controlar desinformaรงรฃo vinda da Rรบssia. 

Proibido lucrar com fake news 

O texto publicado no site do Governo assemelha-se a uma ata de reuniรฃo em formato de press release, adornado com aspas dos participantes. Incorpora o estilo polido tรญpico dos britรขnicos, em que o recado รฉ dado de forma elegante porรฉm assertiva. 

Comeรงa meigo, afirmando: 

โ€œร€ medida em que o Reino Unido se aproxima do desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz contra a Covid-19, Oliver Dowden e Matt Hancock aproveitaram a oportunidade da mesa-redonda para saudar o progresso que essas empresas tรชm feito, fortalecendo suas polรญticas em relaรงรฃo a informaรงรตes falsas sobre coronavรญrus e ajudando a divulgar medidas de prevenรงรฃo contra a sua propagaรงรฃoโ€. 

Uma fofura que vai sendo deixada de lado logo em seguida:

“Mas os ministros levantaram preocupaรงรตes quanto ao tempo que as informaรงรตes falsas sobre as vacinas contra o coronavรญrus tรชm permanecido nas plataformas, pedindo  pedirauma aรงรฃo mais rรกpida para lidar com esse conteรบdoโ€.

E segue afirmando categรณrico, para que nรฃo restem dรบvidas sobre o combinado, que โ€œos gigantes da mรญdia social concordam com o pacote de medidas do Reino Unido para combater a desinformaรงรฃo em torno da vacinaโ€:

“Juntas, as plataformas concordaram em: 

    • Comprometer-se com o princรญpio de que nenhum usuรกrio ou empresa deve lucrar diretamente com a desinformaรงรฃo sobre a vacina contra a Covid-19. Isso desestimula a criaรงรฃo, promoรงรฃo e circulaรงรฃo desse tipo de conteรบdo
    • Assegurar resposta rรกpida a conteรบdo falso sinalizado pelo Governo
    • Continuar a trabalhar em conjunto com รณrgรฃos de saรบde pรบblica para garantir que mensagens corretas sobre a vacina atinjam o maior nรบmero possรญvel de pessoas 
    • Participar nos prรณximos meses de fรณruns destinados a aprimorar a resposta ร  desinformaรงรฃo e se preparar para novas ameaรงas. “

Em que pese o estilo amistoso adotado no texto, sem menรงรฃo a puniรงรตes ou o estabelecimento de mecanismos formais de supervisรฃo, hรก nele pontos importantes nas entrelinhas da redaรงรฃo sutil. 

Ao inserir a questรฃo do lucro com a desinformaรงรฃo como pecado capital, criou a armadilha perfeita para eliminar a subjetividade muitas vezes usada como subterfรบgio das plataformas para manter no ar conteรบdo falso. Se tem alguรฉm lucrando, e se cientificamente pode-se provar que o que estรก sendo oferecido (remรฉdio, conselho) รฉ falso, a tese de liberdade de expressรฃo tรฃo frequentemente invocada cai por terra. 

Interessante observar tambรฉm que ao deixar claro que a referรชncia a lucro vale tanto para pessoas que compartilham conteรบdo de sua prรณpria autoria quanto para โ€œempresasโ€, infere-se aรญ a inclusรฃo das prรณprias plataformas digitais entre elas. Parece movimento de xadrez. 

O secretรกrio nacional de mรญdia, Oliver Downden salientou justamente este ponto em sua declaraรงรฃo: 

“A desinformaรงรฃo sobre a Covid-19 รฉ perigosa e pode custar vidas. Ainda que as empresas de mรญdias sociais venham tomando medidas para impedir que ela se espalhe em suas plataformas, hรก muito mais que pode ser feito. Por isso, saรบdo este novo compromisso dos gigantes das redes sociais de nรฃo lucrar ou promover conteรบdo antivacina sinalizado, visto que ganhar dinheiro com esse conteรบdo perigoso รฉ erradoโ€. 

Os que acusam as empresas digitais globais de leniรชncia com fake news para preservar lucros ganharam em agosto mais um argumento. O Internet Institute da Universidade de Oxford publicou um estudo mostrando o mecanismo utilizado por canais de fake news para obter visibilidade e receita a partir da busca e publicidade de Google e Amazon. 

Os pesquisadores apontaram que alguns desses sites tรชm a mesma classificaรงรฃo dos de empresas jornalรญsticas sรฉrias. E que mais de 60% usam o Google Ads para faturar com a desinformaรงรฃo.

O problema afeta tambรฉm companhias que podem inadvertidamente ter seus anรบncios veiculados nesses sites. O jornal The Times revelou em julho que importantes marcas – Currys PC World, JD Sports, Sothebyโ€™s, Jigsaw e Accenture – determinaram ao Google a remoรงรฃo de suas peรงas em sites exibindo alegaรงรตes de que vacinas causam autismo e que portam um chip para ser implantado nos que as receberem.

Em sua fala no documento que selou o acordo com as plataformas, o secretรกrio de Saรบde Matt Hancock apertou um pouco mais o laรงo, reafirmando sua expectativa quanto ร s boas intenรงรตes:  

โ€œDepois da รกgua potรกvel, a vacinaรงรฃo รฉ a intervenรงรฃo de saรบde pรบblica mais eficaz no mundo e salva inรบmeras vidas, sendo capaz de erradicar doenรงas. Sinto-me encorajado pelo fato de as empresas de mรญdias sociais terem concordado em fazer mais para evitar a disseminaรงรฃo em suas plataformasโ€.

Ele nรฃo exagerou. Pesquisas diversas mostram como as fake news ajudam a moldar o comportamento do pรบblico em relaรงรฃo a vacinas e ao distanciamento social, como registramosneste artigo.

A pesquisa mais recente sobre vacinas foi feita pelo jornal Daily Mail. Publicada no dia 10 de novembro, revelou que 7% dos britรขnicos disseram nรฃo ter a intenรงรฃo de tomar a vacina โ€œde jeito nenhumโ€, enquanto menos da metade (45%) afirmaram com certeza que se imunizarรฃo. Outros dados: 48% tรชm dรบvidas sobre a seguranรงa; 12% tรชm certeza de que nรฃo รฉ segura e 54% acham que o processo de aprovaรงรฃo estรก sendo apressado. 

Nรฃo se pode aferir o quanto desse resultado รฉ influenciado pelo que se vรช nas redes sociais. Mas a julgar pelo nรบmero de pessoas participando de manifestaรงรตes antilockdwon e antivacina em Londres e pela Europa afora, os sinais preocupam. 

O que disseram os gigantes digitais ao Governo britรขnico

Do lado das plataformas que participaram da mesa-redonda, veio o discurso protocolar esperado. 

โ€œDesde o inรญcio da pandemia, temos trabalhado incansavelmente para promover o conteรบdo oficial do NHS (sistema pรบblico de saรบde) e para combater a desinformaรงรฃo. Nos รบltimos meses, atualizamos nossas polรญticas para garantir que conteรบdos que contradizem o consenso cientรญfico sobre o vรญrus sejam rapidamente removidos e desmonetizados. Hoje, estamos redobrando nosso compromisso de tomar medidas eficazes contra a desinformaรงรฃo sobre a vacina e de continuar a trabalhar com Governo e indรบstria para garantir que as pessoas tenham fรกcil acesso a informaรงรตes รบteis e precisasโ€.Ronan Harris, diretor do Google no Reino Unido

โ€œEstamos trabalhando em estreita colaboraรงรฃo com governos e autoridades de saรบde para impedir que informaรงรตes errรดneas prejudiciais se espalhem em nossas plataformas. Anรบncios que incluem boatos de vacinas ou desencorajam as pessoas a tomarem uma vacina sรฃo proibidos. Removemos informaรงรตes erradas sobre a Covid-19 e colocamos rรณtulos de advertรชncia nas postagens marcadas como falsas por verificadores de fatos terceirizados. Tambรฉm estamos conectando as pessoas a informaรงรตes precisas sobre vacinas e Covid-19 sempre que pesquisam esses tรณpicos. Nos primeiros meses da pandemia, direcionamos mais de 3,5 milhรตes de visitas para aconselhamento oficial do NHS e do Governo do Reino Unido,  e temos prazer em continuar a apoiar os esforรงos de saรบde pรบblicaโ€. Rebecca Stimson, chefe de polรญticas pรบblicas do Facebook no Reino Unido

โ€œNosso foco รฉ proteger o discurso pรบblico e ajudar as pessoas a encontrar informaรงรตes confiรกveis no Twitter (โ€ฆ) Desde a introduรงรฃo das polรญticas de desinformaรงรฃo sobre a Covid-19 em marรงo, nossos sistemas automatizados detectaram milhรตes de contas de spam ou com sinais de manipulaรงรฃo. Continuamos empenhados em combater a desinformaรงรฃo e a tomar medidas em relaรงรฃo a contas que violem nossas regrasโ€. Katy Minshall, chefe de polรญticas pรบblicas do Twitter do Reino Unido

Vai dar certo? 

Seria รณtimo se todos os dramas do mundo fossem resolvidos com uma reuniรฃo e a publicaรงรฃo de um acordo entre as partes. A desinformaรงรฃo sobre saรบde pรบblica รฉ um mal antigo, bem anterior ร s redes sociais, como documentam historiadores. Com elas, porรฉm, elevaram significativamente seu poder de destruiรงรฃo. 

O maior problema neste momento crucial para a sociedade reside no fato de que nรฃo รฉ apenas pelas redes sociais que se disseminam. Aplicativos de mensagem, mais difรญceis de serem controlados, tรชm sido fonte rica para conteรบdo falso, como atestam diversas pesquisas. 

Mas se as trรชs gigantes, como sรฃo classificadas pelo Governo britรขnico em seu documento, fizerem o que prometeram, serรก um passo com possรญveis efeitos em outros paรญses. Alรฉm de as notรญcias falsas nรฃo respeitarem fronteiras geogrรกficas, medidas adotadas pelas plataformas podem inspirar outras naรงรตes a igualmente cobrarem delas medidas semelhantes em seus territรณrios. 

E a desqualificar fontes notรณrias de conteรบdo falso, colocando em dรบvida o que propagam e evitando que continuem circulando por WhatsApp ou Telegram. Um exemplo flagrante no Reino Unido รฉ o do conspiracionista David Icke, que jรก foi jogador de futebol, apresentador da BBC e hoje acredita que rรฉpteis comandam o planeta. 

Apesar de a representante do Twitter na mesa-redonda do governo britรขnico ter afirmado em sua declaraรงรฃo que a rede jรก vinha adotando desde marรงo medidas contra contas com sinais de manipulaรงรฃo, a de Icke – com 382 mil seguidores – sรณ foi banida na semana passada. Uma das bandeiras defendidas por ele – que lucra vendendo livros e palestras – รฉ a de que as torres de 5G enfraquecem a imunidade e abrem o organismo para o coronavรญrus, o que resultou na destruiรงรฃo de mais de 70 delas no paรญs. 

Nem dรก para dizer que havia dรบvidas sobre se o conteรบdo veiculado por Icke era falso. Facebook e YouTube tinham removido o conspiracionista de suas plataformas hรก seis meses. E duas emissoras de TV britรขnicas sofreram processos do รณrgรฃo de controle de telecomunicaรงรตes devido a entrevistas por ele concedidas no auge da pandemia. O Ofcom considerou que nรฃo houve questionamento suficiente por parte dos entrevistadores, uma decisรฃo amplamente noticiada na รฉpoca, mas sem publicidade suficiente para convencer o Twitter.  

Reagir a tempo funciona, provou a Hope Not Hate 

O tempo de reaรงรฃo das plataformas que o Governo britรขnico promete fazer valer como parte do acordo faz diferenรงa. Casos como os de Icke e do QAnon ilustram o que a organizaรงรฃo britรขnica Hope Not Hate apontou em seu mais recente relatรณrio sobre a expansรฃo do movimento criado por seguidores de Donald Trump: รฉ possรญvel conter boatos com aรงรฃo rรกpida. O documento, publicado em outubro, mostra um assustador รญndice de 6% de britรขnicos declarando-se seguidores do QAnon, e 25% simpรกticos ร s suas teses. 

E destaca casos em que os resultados apareceram quando as plataformas agiram rรกpido: 

โ€œO trรกfego para o site QMap.pub, o mais popular para acessar as postagens do lรญder Q, caiu quase 25%. Slogans de QAnon foram impedidos de aparecer nos trending topics de todas as trรชs plataformas e, embora muitos dos usuรกrios suspensos tenham retornado configurando novas contas, seu alcance foi severamente limitado pela perda de sua contagem de seguidores.

Em outubro, o Facebook e o YouTube foram ainda mais longe, anunciando que tentariam remover totalmente a presenรงa do QAnon de suas plataformas. Isso foi seguido pelo que parece ser uma aรงรฃo rรกpida e decisiva: Shayan Sardarizadeh, da BBC, relatou que 80% dos grupos e pรกginas do Facebook que ele monitorava foram excluรญdos 24 horas apรณs o anรบncio, enquanto muitos dos maiores canais da QAnon no YouTube desapareceram horas apรณs seu anรบncio, em 15 de outubro.”

Outra ONG, a Center for Countering Digital Hate, demonstrou que apenas 5% do conteรบdo antivacina por ela reportado ร s plataformas foi removido ou sinalizado. O trabalho apresenta em detalhes as principais fontes de conteรบdo falso sobre vacinas. E denuncia a falta de aรงรฃo das mรญdias sociais mesmo depois de informadas, o que fez com que continuassem crescendo.

O trabalho reรบne conteรบdos assustadores captados nas redes sociais.  

 

Ameaรงas transnacionais na mira do Governo britรขnico – leia-se Rรบssia 

Pode a princรญpio soar como coisa de filmes de James Bond a ideia de que a Rรบssia tem uma fรกbrica de fake news distribuindo notรญcias falsas pelo mundo. Mas hรก sinais inequรญvocos, apontados por veรญculos de comunicaรงรฃo sรฉrios. E tambรฉm por pesquisadores. 

O trabalho do Internet Institute da Universidade de Oxford รฉ um deles. Na tabela que compara a classificaรงรฃo de relevรขncia nos sistemas de busca entre sites de notรญcias e sites associados ร  desinformaรงรฃo, o canal russo RT (antigo Russia TV, controlado pelo governo de Vladimir Putin) aparece em primeiro lugar. Teve pontuaรงรฃo idรชntica ร  dos respeitados La Repubblica, Le Figaro e Welt. E em segundo, outro russo, o Sputnik News.

Na รบltima segunda-feira (9/11), o jornal The Times publicou uma reportagem informando que o รณrgรฃo de inteligรชncia GCHQ (Government Communications Headquarters) teria iniciado uma ofensiva cibernรฉtica para desbaratar uma aรงรฃo de propaganda antivacina empreendida por โ€œnaรงรตes hostisโ€, sem citar exatamente quais. O รณrgรฃo nรฃo confirmou, mas tambรฉm nรฃo desmentiu. 

Em outro ponto, o texto observa que o Governo pode atuar sobre conteรบdo falso gerado por naรงรตes adversรกrias, mas nรฃo por cidadรฃos. Hรก muitas zonas cinzentas sobre o escopo da aรงรฃo, pois a Grรฃ-Bretanha tambรฉm nรฃo pode, segundo o The Times, atacar sites baseados nos Estados Unidos, Austrรกlia, Canadรก e Nova Zelรขndia.  

Uma fonte anรดnima disse na matรฉria que o problema maior sรฃo as mรญdias sociais, jรก que o conteรบdo nelas postado รฉ legรญtimo, entrando na seara das liberdades civis. Mesmo sem confirmar essa operaรงรฃo em particular, o Governo confirmou, como cita o jornal, atividades para neutralizar desinformaรงรฃo vinda da Rรบssia. 

Dormindo com o inimigo 

E no melhor estilo da espionagem clรกssica dos filmes de Bond, o mesmo The Times – que parece obcecado com a histรณria e com isso dado vรกrios furos – havia revelado uma campanha usando fotos de macacos para desqualificar a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford com a Astrazeneca. E mais: que um jornalista britรขnico baseado em Bruxelas estaria envolvido na publicaรงรฃo de artigos e posts com as ilustraรงรตes. 

Quando questionado sobre a origem das imagens, James Wilson, de 68 anos, afirmou que elas estavam โ€œnas mรญdias sociaisโ€. Mas ao ser confrontado com a informaรงรฃo de que ร  รฉpoca em que ele as veiculou nรฃo estavam ainda na rede, recusou-se a explicar ao The Times como teve acesso a elas e se era pago para publicรก-las.

O jornal afirma que a campanha russa foi criada para โ€œsemearโ€ imagens e videoclipes nas redes sociais em mais de dez paรญses. A segunda etapa pretendia usar a mรญdia estatal russa com artigos e blogs em outros paรญses para reportar sobre a agitaรงรฃo, repetindo essas imagens como evidรชncia dos temores globais sobre a vacina de Oxford. 

A batalha final: convencer o pรบblico a tomar a vacina 

Em artigo publicado no The Guardian no dia 12/11, a professora Melinda Mills, diretora do Leverhulme Center for Demographic Science da University of Oxford/ Nuffield College e autora de um relatรณrio da British Academy e Royal Society sobre programas de imunizaรงรฃo, reconhece a necessidade de controlar a desinformaรงรฃo para mobilizar a sociedade a se vacinar.  Mas aponta que “a desinformaรงรฃo nรฃo รฉ o รบnico fator por trรกs da dรบvida”. 

Ela observa que pesquisadores hรก muito vรชm indicando que motivos como complacรชncia, inconveniรชncia ou falta de confianรงa quanto ร  eficรกcia ou seguranรงa de vacinas influenciam na adesรฃo do pรบblico. No caso da Covid-19, tais motivos sรฃo exacerbados: 

” Uma vacina que normalmente leva uma dรฉcada para ser criada foi desenvolvida em alta velocidade, levantando questรตes sobre como isso foi possรญvel e se รฉ seguro”. 

Para a professora, hรก um enorme desafio de comunicaรงรฃo nesse momento: 

” A implantaรงรฃo da vacina Covid-19 enfrenta um grau sem precedentes de incerteza e complexidade que serรก extremamente difรญcil de comunicar. Pode levar anos ou meses para saber a duraรงรฃo exata da imunidade resultante de uma vacina, se e quando ela precisa ser repetida ou quรฃo protetora รฉ em diferentes grupos. Alรฉm disso, nรฃo estamos falando sobre โ€œa vacinaโ€, mas sim sobre muitas vacinas, cada uma com advertรชncias distintas.”

Para ela, “a aceitaรงรฃo ou nรฃo da vacina pelo pรบblico depende de quem for mais capaz de transmitir a mensagem”. Em sua avaliaรงรฃo, os governos e  autoridades de saรบde pรบblica sรฃo propensos a comunicaรงรตes unidirecionais com muitas informaรงรตes, como os sites gov.uk, que nรฃo seriam necessariamente classificados como material envolvente. 

“A adoรงรฃo da vacina significarรก engajar-se em um diรกlogo nรฃo apenas online, mas tambรฉm localmente, com pessoas que entendem suas prรณprias comunidades. As mensagens precisam corresponder ร  experiรชncia cotidiana e ser atraentes e adaptรกveis. O diรกlogo terรก que abordar os temores e preocupaรงรตes legรญtimas do pรบblico, nรฃo apenas reagir ร s alegaรงรตes extremas de antivaxxers com material pesado”. 

E finaliza categรณrica: 

“Sem um plano de comunicaรงรฃo envolvente e persuasivo, o progresso cientรญfico feito no desenvolvimento da vacina Pfizer e BioNTech e as que virรฃo terรก sido em vรฃo.”

Salve a rainha 

A batalha final contra a Covid-19 deve colocar comunicadores em pรฉ de igualdade com cientistas, jรก que caberรก a eles desenhar as estratรฉgias para convencer a sociedade. Mais uma vez o jornalismo de qualidade serรก crucial para levar as mensagens corretas ao pรบblico.

No Reino Unido, que esta semana contabilizou 50 mil mortes por Covid-19, tornando-se o primeiro paรญs europeu a superar essa marca, o Governo prepara uma campanha e promete usar todas as armas. 

Uma das possibilidades mencionadas em matรฉrias na imprensa seria a simpรกtica e querida rainha Elizabeth participar da aรงรฃo.

Bem diferente dos tempos de James II, em que o poder do rei era usado para assustar e nรฃo para convencer. 

 


Luciana Gurgel, Coordenadora editorial do MediaTalks byJ&Cia, รฉ jornalista brasileira radicada em Londres. Iniciou a carreira no jornal o Globo, seguindo depois para a comunicaรงรฃo corporativa. Em 1988 fundou a agรชncia Publicom, junto com Aldo De Luca, que se tornou uma das maiores empresas do setor no Brasil e em 2016 foi adquirida pela WeberShandwick (IPG Group). Mudou-se para o Reino Unido e passou a colaborar com veรญculos brasileiros, atuando como correspondente do canal MyNews e colunista semanal do Jornalistas&Cia/Portal do Jornalistas, no qual assina uma coluna semanal sobre tendรชncias no mundo do jornalismo e da comunicaรงรฃo. ร‰ membro da FPA (Foreign Press Association). 

luciana@jornalistasecia.com | @lcnqgur