Quando o coronavírus trancafiou meio mundo em casa, houve quem apostasse no declínio dos podcasts de notícias, já que perdera o sentido o apelo de se informar a caminho do trabalho ou ao se exercitar na academia. Erraram, segundo pesquisa do Instituto Reuters para estudos de jornalismo publicada nessa quinta-feira (19/11/2020).
O trabalho Daily news podcasts: building new habits in the shadow of coronavirus aponta o fenômeno dos podcasts diários de notícias como uma das áreas de consumo de informação de maior crescimento, inclusive na pandemia. E diz ser um formato que tem funcionado como tábua de salvação para muitos veículos durante a crise do coronavírus.
O relatório desataca que para jornais como o New York Times (The Daily) e o The Guardian (Today in Focus), eles estão atraindo audiência e criando hábito e fidelidade, além de gerarem receita significativa.
Mas observa que em alguns países o investimento no formato ainda é incipiente, embora mais emissoras públicas europeias e empresas jornalísticas comerciais tenham passado a adotá-lo.
O Brasil não foi pesquisado no estudo, que é uma continuação de outro relatório sobre o tema publicado no início de 2020 a partir de entrevistas com líderes de organizações de notícias em cinco países (Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, França e Suécia). No documento que acaba de ser lançado o Instituto acrescentou a Dinamarca.
“Escolhemos os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália porque esses países foram rápidos em abraçar o podcasting, com monetização em estágio avançado de desenvolvimento e alto grau de profissionalização. A França está se destacando no universo dos podcasts de notícias e é um exemplo de país de idioma não inglês com um ecossistema de mídia bem estruturado. Suécia e Dinamarca são dois mercados menores, mas com alto consumo de podcast”, explica Nic Newman, pesquisador sênior do Instituto Reuters e autor do trabalho.
A pesquisa examinou ainda como o coronavírus afetou os padrões de escolha do público, a maneira como esses programas são produzidos e o que aconteceu com o conteúdo.
“De forma geral, as empresas continuam extremamente otimistas com as perspectivas de podcasts diários de notícias, embora ressaltem que pode ser apenas um dos muitos produtos novos capazes de engajar o público e gerar receita”, diz Newman.
O crescimento do podcasting de notícias em seis países
O relatório anterior do Instituto Reuters havia identificado cerca de 60 podcasts diários de notícias diários produzidos especialmente para o meio (ou que foram significativamente adaptados do rádio para se adequar ao formato podcast).
Doze meses depois, esse total subiu para 102 podcasts de notícias diárias ativos, com 37 novos programas. Essa mudança é impulsionada pelo aumento do investimento das empresas jornalísticas em áudio em geral, e não uma resposta específica ao coronavírus – embora a pandemia também tenha contribuído.
O maior crescimento veio na Austrália, onde os lançamentos da News Corp e de várias outras organizações fizeram dobrar o número de programas, de seis para 13. No Reino Unido, o The Times lançou um novo podcast diário (Stories of our Times), assim como o Daily Mail (The Daily Show).
Um novo programa da emissora pública dinamarquesa DR começou em fevereiro, assim que a pandemia do coronavírus se instalou, enquanto a Rádio França lançou seu podcast diário de notícias em setembro. E a Apple iniciou nos Estados Unidos seu próprio programa, o matinal NewsToday, o primeiro em uma plataforma de tecnologia.
O tamanho do mercado
A pesquisa apurou que a categoria notícias representa menos de 1% do total de podcasts produzidos nesses países, mas responde por mais de 10% do total de downloads nos Estados Unidos, 9% na França e na Austrália, e 5% no Reino Unido. Nos seis países foram contabilizados 102 podcasts diários de notícias, dos quais 37 lançados no ano passado.
A mensuração foi feita com base em dados de consumo fornecidos pelos próprios editores por agregadores de cada país. Eles geralmente medem o número de reproduções de cada podcast mas contabilizam apenas os de jornais participantes, não sendo portanto representativos de toda a oferta existente.
“Mesmo hoje, apenas cerca de 7% dos estimados 1,3 milhão de programas de podcast no diretório da Apple são classificados como notícias. Mas, como revelamos no relatório do ano passado, o gênero responde por cerca de 30% do consumo de podcasts nos Estados Unidos, de acordo com dados fornecidos pela empresa de análise Chartable”, registra o estudo.
Como a Apple introduziu uma nova tag de “notícias diárias” em 2019, o autor da pesquisa explica que agora é possível separar facilmente os programas diários de notícias diárias de outros formatos também associados a notícias, como bate-papo semanal, conteúdo especializado, documentários e reconstituição de crimes. Isso reforça o desempenho ainda mais impressionante dos programas diários de notícias, segundo o Instituto.
Alcance impressiona
O estudo observa que os dados não refletem totalmente a posição de liderança assumida pelos Estados Unidos no desenvolvimento de podcasting, sobretudo na categoria de notícias. Afirma que muitos produtos nos Estados Unidos não são apenas sobre notícias (30%), mas que a audiência geral de podcasts também é maior do que em muitos outros países.
E que isso significa que alguns podcasts de notícias nos Estados Unidos alcançam uma audiência significativa, citando o New York Times. O jornal diz que seuDaily tem em média 4 milhões de downloads por dia – o dobro da audiência registrada há um ano.
O documento cita uma declaração do apresentador Michael Barbaro em um evento sobre podcasts em setembro:
‘O Daily está se tornando uma plataforma de notícias muito importante, superando expectativas. Fazendo as contas, vê-se que ele se tornou tão abrangente como o horário nobre da Fox News”.
O Instituto Reuters não teve acesso a dados de audiência de todos os jornais pesquisados, mas afirma que o The Guardian diz que seu programa principal,Today in Focus, atinge centenas de milhares de pessoas todos os dias – mais do que o número de pessoas que compra o jornal diariamente.
E que oFT News Briefing registra mais de 2 milhões de usuários por mês.
O podcast de notícias diárias de maior sucesso da França,La Story, do Les Echos, contabiliza 770.000 downloads por mês, segundo o relatório.
O formato campeão do New York Times
Quando se fala em inovação digital, mais uma vez o New York Times emerge como referência. Paradoxalmente, estáno centro de uma controvérsia relacionada a um dos seus principais produtos, o Caliphate, de autoria da premiada jornalista Rukmini Callimachi.
A policia canadense prendeu a fonte da série sob acusação de ter inventado histórias a respeito de sua atuação como terrorista. Talvez ele nunca tenha de fato estado na Síria.
Polêmicas à parte a respeito da série, o Instituto Reuters destaca que o formato pioneiro doThe Daily do Times – um mergulho profundo no noticiário do dia, com cerca de 25 minutos – provou-se particularmente bem-sucedido e foi o que mais inspirou jornais em todo o mundo.
Mas o relatório identificou três outros tipos que vêm funcionando bem: chat estendido, resumo conciso de notícias e microboletim para smart-speakers e aplicativos de streaming.
Audiência jovem
A pesquisa indicou que os jornais enxergam os podcasts diários de notícias como instrumento eficiente para atrair e engajar público jovem. E organizações que investem no modelo de assinatura afirmaram que os podcasts – especificamente os diários de notícias – ajudam a aumentar a lealdade e a reduzir a rotatividade da audiência.
Uma das experiências citadas no relatório é a da americana National Public Radio:
“A maior fatia de nosso público de podcasts é cerca de 20 anos mais jovem do que o público de noticiário do rádio. Sabemos que se quisermos alcançar essas pessoas terá que ser sob demanda e digitalmente”, disse Neil Carruth, diretor de programação sob demanda da NPR.
No Reino Unido, pessoas com menos de 35 anos têm quatro vezes mais probabilidade de consumir um podcast em comparação àquelas com idade superior a 55 anos. O Instituto Reuters refere-se no novo estudo a pesquisas anteriores mostrando que jovens passam uma quantidade considerável de tempo ouvindo podcasts, dizem que apreciam a diversidade de vozes e que gostam às vezes de ficar longe das telas.
Os jornais também estão observando transformações devido à rápida mudança dos hábitos de consumo e ao aumento do uso de áudio, segundo o Instituto Reuters. O documento destaca o exemplo do Evening Standard, jornal gratuito distribuído no transporte público, fortemente dependente dos usuários de metrô e ônibus em Londres, que também embarcou na onda do podcast.
“Temos visto as pessoas trocando livros e jornais pelo áudio“, disse Chris Stone, editor de áudio do jornal.
O The Guardian é outro que acha que os podcasts também são uma forma de atingir públicos diversos:
“Ele alcança um público diferente do nosso público tradicional. Diferente em termos de geografia, diferente em termos de composição social, em termos de etnia e, em particular, em termos de idade”, diz Robert Abel, chefe de estratégia comercial de áudio do Guardian .
Dados do Digital News Report do Instituto Reuters 2020 também mostram que, além de atrair mais jovens, os podcasts de notícias tendem a ter um desempenho melhor entre pessoas mais urbanas e com nível elevado de escolaridade. Este é um grupo altamente valorizado por anunciantes e por empresas jornalísticas em busca de novos assinantes digitais em potencial.
Coronavírus, abalo momentâneo
O Instituto Reuters confirmou o temor de que a pandemia poderia afetar os podcasts. Mas foi efeito temporário:
“Os padrões de audiência foram significativamente afetados durante a crise do coronavírus devido aos bloqueios e à limitação de deslocamentos diários. Depois de uma queda inicial, no entanto, o formato recuperou-se, com podcasts de notícias desempenhando melhor do que a maioria dos outros gêneros. Nossas entrevistas com editores de podcasts sugerem que a publicidade também se manteve muito melhor do que em outras áreas, com muitos deles relatando receita igual ou superior ao período anterior à Covid-19″, afirmou Newman.
Na avaliação dele, o coronavirus parece ter acelerado os planos para podcasts de notícias, já que vários jornais lançaram programas pop-up sobre o coronavírus durante o lockdown. E alguns consolidaram-se após o relaxamento das medidas de distanciamento social.
Os diferentes tipos de podcasts de notícias
Segundo o Instituto Reuters, o podcast diário de notícias mais longevo éThe Gist, iniciado pela Slate em 2014. Mas a aceleração do gênero realmente veio com o lançamento do The Daily, em 2017, que inspirou vários programas, como relataram entrevistados pelos pesquisadores.
“Todos nós nos apaixonamos pelo The Daily do New York Times e sentimos que nosso jornalismo poderia se traduzir em um mergulho diário. Também consideramos isso o maior funil para nosso outro jornalismo. E achamos que é a forma mais acessível de receber notícias de qualidade”. Rebecca Costello, CEO, Schwartz Media, Austrália.
Mas o aprofundamento em uma pauta é apenas uma das abordagens usadas pelos editores. A análise detalhada do Instituto Reuters para o relatório identificou quatro tipos de formatos, muitas vezes voltados para necessidades específicas do público e com demandas diferentes de recursos necessários para criá-los e mantê-los.
Mergulho profundo
Examina um, dois ou três assuntos em detalhes. Tende a ser cuidadosamente produzido, usando técnicas de design de som. Exemplos:
- The Daily (New York Times), Post Reports (Washington Post), Please Explique (Sydney Morning Herald), Today in Focus (Guardian), La Story (Les Echos), Genstart (Danish Broadcasting Corporation).
- Newscast (BBC), NPR Politics, Ben Shapiro Show (The Daily Wire), News O’Clock (Buzzfeed) e vários podcasts de coronavírus
Rodadas de notícias
Podcasts que têm por objetivo informar as pessoas de forma concisa em determinados momentos do dia. Normalmente incluem uma variedade de matérias. Exemplos:
- FT News Briefing, OmniPod (Omni, Suécia), BBC Global Podcast, From the Newsroom (News.com, Austrália)
Microboletins
Boletins de notícias muito curtos que fornecem um resumo rápido das notícias do dia. Frequentemente destinados a dispositivos de voz como Amazon Echo e Google Home, bem como Spotify. Exemplos:
- BBC Minute, NPR News Now, Ekot (rádio sueca)
Em geral, o formato de mergulho profundo popularizado pelo The Daily é o mais popular, respondendo por quase metade (43%) de todos os podcasts analisados pelo estudo. As mídias impressa e digital têm se concentrado mais nesse formato porque é visto como uma boa maneira de mostrar a profundidade e o alcance da expertise da redação, afirma o Reuters.
Qual a duração ideal?
O relatório mapeou em um gráfico a duração dos diferentes tipos de podcasts. Microboletins têm em média de cerca de três minutos. Resumos de notícias duram cerca de 10-15 minutos. Mergulhos profundos tendem a levar em torno de 20-25 minutos ou mais. E chats estendidos às vezes duram mais de uma hora.
Duração média calculada a partir dos últimos 15 episódios de setembro de 2020. Fonte: análise do Reuters Institute
A duração, segundo o relatório, pode ser parcialmente explicada pelas diferentes necessidades de público-alvo. Mas também pela mudança de tecnologia e distribuição:
Pesquisas mostram que muitos podcasts mais longos são ouvidos por meio de um smartphone ou no carro, quando se está fora de casa. Portanto, a duração é geralmente ajustada para o trajeto médio. Isso tende a ser pouco mais de 25 minutos nos Estados Unidos, e um pouco menos na Europa.
Mas, na realidade, a rotina de muitas pessoas foi interrompida pelo coronavírus e há muitas outras atividades regulares que favorecem o consumo de podcasts de notícias, como ir à academia, passear com o cachorro ou fazer as tarefas domésticas.
Em teoria, não há restrições quanto à duração de um podcast. Mas na prática muitos editores reconhecem que existe um mercado competitivo para a atenção e dizem que é melhor ser conciso:
“Se vai ser notícia e vai ser diário, que não demore muito. Pensamos em 15 minutos ou menos“, diz Neil Carruth, da NPR, nos Estados Unidos.
O Financial Times também adotou uma visão disciplinada de duração para seu briefing diário FT News, que cobre três ou quatro matérias em dez minutos.
“Os ouvintes gostam de previsibilidade, principalmente quando estão encaixando o podcast em sua rotina matinal. Ninguém tem mais muito tempo. Com essa duração, cobrimos as três ou quatro matérias necessárias para uma pessoa estar informada caso o seu chefe mencione-as em uma reunião”, disse Aimee Keane, diretora de áudio do FT.
Mas não existe consenso sobre a duração. O formato doNewscast da BBC, que começou como Brexitcast, geralmente dura meia hora ou mais. Ele foi projetado para permitir que jornalistas de política experientes falem de maneira informal e expressem suas personalidades de uma forma que muitas vezes é restrita no rádio ou na TV.
“O que aprendemos com o Brexitcast foi esse tom informal e descontraído, como uma conversa em uma sala com jornalistas no final do dia. E o público absorveu isso. As pessoas estavam um pouco cansadas da formalidade e de alguém falando por meio de boletins ou entradas de um ou dois minutos”, disse Dino Sofos, chefe de podcasts de notícias da BBC.
O relatório confirma que não há receita de bolo. Pierrick Fay, apresentador de La Story, de Les Echos, diz que a pandemia de coronavírus encorajou-o a ser mais livre para quebrar as regras e focar no conteúdo:
“‘O que mudou com o bloqueio é como eu me libertei do limite psicológico de 25 minutos que eu não deveria cruzar. O que importa para mim agora é o que as pessoas têm a dizer”.
Embora os podcasts de mesas-redondas e de aprofundamento sejam adequados para quem busca análise, resumos de notícias e microboletins são projetados para serem mais funcionais, tendendo a serem mais rápidos, diz o Instituto Reuters.
“A duração dos podcasts também é cada vez mais influenciada por plataformas como Amazon, Google e Spotify, que às vezes pressionam por um conteúdo mais curto para atender aos seus requisitos. No ano passado, parte do maior crescimento veio dos smart-speakers e da distribuição por meio do Your Daily Drive do Spotify, uma lista de reprodução criada por algoritmos que mistura música e podcasts. Embora podcasts mais longos sejam incluídos, o formato tende a dar preferência a programas mais simples.
Mãos à obra: a equipe necessária
Segundo o Instituto Reuters, os podcasts diários de notícias representam um grande compromisso para os editores. A programação e a alta expectativa do público em relação à qualidade da produção não são para os fracos, diz o Instituto:
Ao conversar com editores nos últimos dois anos, descobrimos uma grande variação na abordagem. O podcast diário do New York Times tem uma equipe de produção dedicada de 15 pessoas. Isso permite que eles pesquisem pautas com antecedência, criem narrativas baseadas no enredo e preparem bem as entrevistas.
O The Guardian tem uma equipe de nove profissionais para o Today in Focus, incluindo um apresentador, um produtor/apresentador, dois produtores executivos, jornalistas e um designer de som – um dos membros mais importantes da equipe. O sucesso do podcast permitiu que mais um produtor fosse adicionado este ano para os principais segmentos, o que possibilitou um planejamento mais avançado e maior nível de produção,
Mas outras publicações têm muito menos recursos à disposição.
‘Temos apenas duas pessoas. Eles são repórteres e produtores e engenheiros”, disse Patrick Syk, chefe de áudio para o tabloide sueco Aftonbladet, que estava atuando duplamente como apresentador e produtor no dia em que foi entrevistado para o relatório porque o restante da equipe estava de férias.
“Somos um grande jornal, mas não podíamos contratar oito ou nove pessoas para fazer isso. O mercado na Suécia não é grande o suficiente para ter esse tipo de equipe para um único podcast.”
Algumas organizações procuram alavancar a equipe em uma série de tarefas de produção para obter eficiência máxima. No Reino Unido, a equipe de áudio do Evening Standard produz boletins para smart speakers e para o podcast diário de notícias.
A pesquisa observou que o tamanho das equipes alocadas reflete em grande parte a importância estratégica atribuída aos podcasts diários pelas empresas jornalísticas.
Para o New York Times e o Guardian o investimento em áudio representa um grande compromisso da organização, com o objetivo de construir hábitos e atrair um público mais jovem.
Os maiores investimentos têm se concentrado nos Estados Unidos e no Reino Unido, onde o mercado de publicidade de podcasts está aquecido e muitos programas já são lucrativos. Em mercados menores e para editores menores, o investimento em áudio parece mais arriscado e muitos podcasts são vistos mais como experimentos para estimular a demanda do público e dos anunciantes.
As emissoras se dividem em modelos de equipe dedicados ou híbridos
Enquanto os jornais tradicionais e os nativos digitais frequentemente precisam construir estúdios e incorporar know how de áudio, as emissoras de rádio já contam com eles. Mas, com orçamento apertado, algumas estão procurando aproveitar ao máximo os recursos existentes à medida que avançam para o podcast diário, apuraram os pesquisadores.
O Reuters usa como exemplo a americana NPR’s Up First, que emprega um modelo de produção híbrido. Conteúdos que foram ao ar no segmento inicial do programa de rádio Morning Edition são “reembalados” como um podcast pela mesma equipe. Isso torna o processo eficiente, mas significa que tiveram que sacrificar a ideia de um podcast dedicado.
Outra emissora que aproveita o conteúdo existente é a Swedish Radio, que reempacota trechos de sua popular marca Ekot como parte de um podcast de notícias atualizado regularmente durante o dia.
O podcast de notícias globais da BBC é nativo no formato, mas usa a mesma equipe que produz programas de rádio para garantir a máxima eficiência, mantendo uma abordagem diferente para a apresentação.
“Há duas edições por dia, que demandam uma equipe de apresentadores. Ele foi relançado em 2018 para dar uma sensação mais informal e ‘podcasty'”, diz o editor de Comissionamento Jon Manel. O podcast Global News continua a ser o programa de maior sucesso da BBC, com downloads chegando a milhões e um crescimento de 40% em base anual.
O Newscast da BBC e o Americast fizeram tanto sucesso que passaram a ser exibidos na televisão, filmados em um estúdio de rádio para manter o estilo informal. Isso garante que que o tempo investido pelos correspondentes seniores da emissora alcance audiência mais ampla:
“Nessa era de agilizar a produção e aproveitar ao máximo o tempo e os recursos, ele continua sendo um podcast em primeiro lugar, porque essa é sua forma mais pura. Mas também funciona para a TV”, diz Dino Sofos, chefe dos Podcasts da BBC News.
O Instituto Reuters observa, porém que embora as técnicas de uso duplo façam sentido para bate-papos e podcasts mais curtos, formatos distintos de aprofundamento geralmente requerem uma abordagem diferente:
A emissora pública dinamarquesa DR decidiu contratar uma equipe dedicada com experiência em podcasts nativos para lançar seu Genstart diário.
A NPR continua a fazer experiências com modelos de produção. Ela acaba de lançar Consider This, que retrabalha o conteúdo de seu programa noturno de atualidades All Things Considered, mas outros programas, como The Indicator e o NPR Politics Podcast, são todos originais, com equipes dedicadas.
Segundo o Instituto Reuters, não existe uma solução única para o tamanho e a estrutura da equipe.
“Nossa pesquisa mostra que as equipes com maior número de profissionais dedicados geralmente produzem os podcasts mais ouvidos, junto com programas de chat estendido voltados para a personalidade do apresentador. Abordagens de notícias de uso duplo são mais baratas de executar, mas correm o risco de perder a autenticidade e a intimidade que os podcasts permitem. À medida que os portfólios de áudio crescem, as empresas jornalísticas continuarão a buscar o ponto ideal entre distinção e eficiência.”
O papel do anfitrião do podcast na criação de um estilo íntimo
As organizações de notícias esperam que os podcasts criem um hábito diário e construam lealdade à marca. Diante disso, muitos de entrevistados para o estudo enfatizaram a importância de encontrar a pessoa ou pessoas certas para hospedar ou ancorar o programa.
‘Precisávamos de alguém que pudesse incorporar nosso podcast, um apresentador que fosse imediatamente identificável’, disse Erwann Gaucher, que ajudou a desenvolver Le Quart d’Heure para a Rádio França. ‘Testamos três anfitriões diferentes antes de encontrar o que pensávamos ser a fórmula certa – a jornalista do France Info Céline Asselot”.
O trabalho aponta que relacionamento com os anfitriões é uma característica ainda mais importante de podcasts mais longos e aprofundados, em que o anfitrião entrevista diversos convidados a cada semana.
“Há muito mais oportunidades de mostrar um pouco da sua personalidade”, diz Anthony Galloway, chefe global de áudio do Wall Street Journal, que supervisiona o podcast diário The Journal, voltado para negócios. “Estas são as pessoas que recebemos em nossas casas e agora cada vez mais diretamente em nossos ouvidos, por nossos fones”.
O Instituto registrou que muitas editoras impressas e digitais contrataram ex-emissoras com histórico comprovado, como Jules Lavie, o apresentador do Code Source no Le Parisien, que é ex-jornalista de rádio da France Info. O Dagens Nyheter recorreu a um ex-âncora de TV sueco com uma voz grave para ser um dos apresentadores de seu programa diário DN Studio.
“A simpatia é sempre um fator-chave em podcasts”, argumenta Martin Jönsson, que dirige estratégia de áudio no DN. “É muito, muito importante.”
O relatório explorou também a perspectiva dos anfitriões. Anushka Asthana, a principal apresentadora do podcast Hoje em Foco do Guardian nos últimos dois anos, disse que um aspecto importante é a empatia, tentando ajudar os ouvintes a entenderem uma história em profundidade. Mas, ao mesmo tempo, ela diz também tentar criar algumas piadas e adotar um tom divertido:
“Você tem que estar fisicamente aquecido, rir um pouco e realmente sentir que está na sala com o entrevistado para que possa reagir ao que ele está dizendo. Nós preparamos as entrevistas, mas não se deve extrair toda a diversão e entusiasmo delas”.
Informalidade e diversão são essenciais do formato de Newscast da BBC, outro exemplo destacado pela pesquisa, que envolve correspondentes seniores sentados em torno de uma mesa no final de um longo dia, compartilhando histórias e interagindo com os ouvintes. O tom costuma ser muito diferente de uma transmissão de rádio tradicional, como destacou o relatório:
No calor de histórias como Brexit e coronavírus, jornalistas experientes como a editora política Laura Kuenssberg, a editora de Europa Katya Adler e o correspondente sênior Chris Mason desenvolveram um vínculo estreito e uma química no ar, facilitados pelo apresentador Adam Fleming. Esse é um estilo que vem sendo apreciado igualmente pelo elenco e pelo público, cujas contribuições e questionamentos são uma parte importante do show.
Assim como não existe um tamanho único para a duração ideal de um podcast de notícias diárias, também não há consenso sobre como abordar a apresentação. Alguns podcasts diários tentam construir o programa em torno de um único apresentador enquanto para outros é uma questão de duas mãos ou de grupo com mais espaço para interação, observou a pesquisa:
Podcasts mais longos oferecem mais oportunidades para mostrar a personalidade dos anfitriões e construir relacionamentos com o público, enquanto podcasts mais curtos, como microboletins e rodadas de notícias curtas, dependem mais da entrega eficiente das próprias notícias. Nesse contexto mais funcional, o apresentador torna-se menos importante. E outras possibilidades do áudio ajudam a reforçar a identidade da organização de notícias”.
O impacto do coronavírus no consumo e na produção
O Instituto Reuters salienta que muitos podcasts de notícias são projetados especificamente para serem ouvidos durante rotinas matinais, como a preparação para o trabalho ou o deslocamento, alteradas significativamente pela pandemia.
“‘Foi uma queda muito rápida, em questão de dias’, disse Dave Zohrob, CEO da empresa de análise Chartable. Foi eliminado o deslocamento diário, as pessoas ficaram em casa e 20% do tempo de escuta foi embora”.
Outra visão da mudança de hábitos foi capturada em gráficos que agregam dados monitorados pela Acast, um dos maiores distribuidoras europeias de conteúdo de podcasts.
Tanto no Reino Unido quanto na França, o pico da manhã foi significativamente maior em janeiro (linha laranja) em comparação com maio (linha turquesa). A curva havia achatado consideravelmente como resultado de lockdwons e outras restrições ao movimento, com a escuta espalhada mais ao longo do dia. Outros países mostraram efeitos semelhantes, mas menos dramáticos.
A The Economist também percebeu essas mudanças nos hábitos de escuta em seu produto de briefing matinal quanto em podcast mais aprofunda The Intelligence, perceberam os pesquisadores.
“Não vimos um pico tão alto durante os horários de deslocamento, mas também não vimos uma queda tão grande ao meio-dia”, diz Frank Andrejasich, gerente de áudio. “Isso sugere que as pessoas estão se engajando mais regularmente e apenas preenchendo diferentes espaços abertos. A audiência para ambos os produtos está significativamente mais alta do que antes da crise, com taxas entre 70 e 80%”.
Recuperação rápida, sobretudo para notícias
Em termos de consumo geral, os dados da Acast compilados pelo Instituto Reuters confirmam que todos os gêneros de podcast caíram logo no início da crise (final de fevereiro/início de março), mas depois se recuperaram rapidamente. Os podcasts de notícias cresceram cerca de 30% no Reino Unido entre janeiro e agosto, enquanto os esportivos perderam tráfego devido à paralisação das competições.
Programas de notícias como Today in Focus do Guardian e Pandémie, um podcast do Le Monde que vai ao ar duas vezes por semana, obtiveram alguns dos maiores números da rede Acast. Mas o conteúdo escapista também foi bem, com programas como Off Menu tendo um bom desempenho no Reino Unido. E um podcast francês que explorou emoções como “esperança” e “resiliência” atraindo muitos ouvintes. Programas sobre atenção plena e saúde mental também renderam audiência.
Segundo o Instituto Reuters, os podcasts também se sustentaram melhor comercialmente do que outras formas de mídia em que a publicidade foi afetada. Muitos editores entrevistados disseram que, na maioria dos casos, a receita de publicidade está em níveis semelhantes ou superiores aos de janeiro.
A oportunidade dos podcasts sobre o coronavírus
Um dos motivos para o grande interesse por conteúdo de notícias neste período foi agilidade das empresas jornalísticas, apontou a pesquisa, observando que dezenas de podcasts diários de notícias diárias foram lançados em março e abril focalizando apenas a pandemia e suas implicações.
Nos Estados Unidos, a CNN foi a pioneira, lançando um podcast sobre a Covid-19 no final de fevereiro. O Coronavirus: Fact vs. Fiction é apresentado pelo correspondente médico da CNN, Dr. Sanjay Gupta.
Na Austrália, a emissora pública ABC adotou uma abordagem semelhante ao juntar o especialista em saúde Dr. Norman Swan, um locutor veterano de 30 anos, com um repórter de saúde mais jovem. O Coronacast resultante foi um dos podcasts de maior sucesso da ABC, com mais de 100.000 visualizações para cada episódio, de acordo com a pesquisa.
A vantagem do pioneirismo foi claramente importante em termos de distribuição, já que as principais plataformas, como Apple, Spotify e Google, procuraram ativamente por conteúdo confiável para promover, diz o Reuters, que examinou como as empresas reagiram à oportunidade da crise.
Algumas organizações de notícias adaptaram podcasts existentes em vez de criar novos. O noticiário semanal da BBC foi transformado em um Coronacast diário, valendo-se da experiência da equipe médica interna e de especialistas externos. O Evening Standard mudou a marca de seu podcast Leader por vários meses enquanto o interesse sobre a pandemia estava no auge.
Os podcasters não estavam apenas cobrindo talvez a maior história de suas vidas, mas também foram profundamente afetados por ela pessoalmente. O Instituto Reuters registrou no relatório que vários apresentadores testaram positivo para o vírus. E que os lockdowns forçaram muitos a apresentar e editar conteúdo de casa, usando estúdios improvisados em tendas ou armários.
O futuro dos podcasts de notícias
Ao examinar em profundidade uma ampla gama de experiências em podcast, o Instituto Reuters não encontrou uma receita única:
“Neste espaço em rápida evolução, não há resposta certa ou errada sobre formato ou duração, mas é essencial um foco forte nas necessidades do público e nos hábitos de escuta em rápida mudança”, afirma Nic Newman.
Ele salienta que o desafio talvez seja maior para as emissoras de rádio, que precisam manter os serviços de fluxo de rádio para os ouvintes mais velhos, ao mesmo tempo em que investem em podcasts para os mais jovens.
“Como nossos entrevistados deixaram claro, esta não é uma simples reversão da produção de rádio. Os podcasts são ouvidos principalmente por meio de fones de ouvido e isso requer uma abordagem mais íntima e um conteúdo que envolva as emoções. Técnicas narrativas baseadas em um modelo de storyboards de filmes e uso de humor são algumas das maneiras de fazer isso, mas não as únicas”.
“Os podcasts de uso duplo estão cada vez mais começando a vida como formatos digitais antes de migrar para o rádio e a TV”.
O pesquisador observa que para editoras impressas e digitais, os podcasts de notícias representam um dilema diferente:
“É mais fácil adotar um novo pensamento e criar formatos inteiramente novos, mas a infraestrutura e as habilidades precisam ser construídas do zero. Isso requer um investimento considerável que, em um momento de receita decrescente, no meio de uma pandemia global, exige empenho e coragem”.
Para ele, as evidências apontadas no relatório, de que o áudio ajuda a reter os assinantes existentes, fundamentarão muitas iniciativas comerciais, mas gerar receita hoje também é uma preocupação premente:
“Enquanto algumas empresas jornalísticas estão ganhando dinheiro com podcasts diários de notícias, em países como os Estados Unidos e o Reino Unido o maior faturamento está concentrado naquelas que investiram cedo no formato. E as oportunidades de publicidade e patrocínio até agora têm sido limitadas em países europeus menores”.
Uma preocupação apontada por Newman é até que ponto os editores poderão fazer com que novos produtos sejam descobertos à medida que a concorrência aumenta:
“Empresas maiores podem usar suas próprias plataformas para fazer promoção cruzada de novos podcasts diários, e provavelmente também estarão bem posicionadas para promoção em plataformas de terceiros, como Apple, Spotify e Google. Já editores menores podem ficar espremidos entre essas feras gigantes, de um lado, e publicações de nicho, do outro.
O mercado dos EUA, por exemplo, com 51 diferentes podcasts diários de notícias, parece extremamente saturado, sendo provável que apenas uma nova proposta verdadeiramente especial receba atenção. Mas em outros países – como a DR e a Radio France descobriram – ainda existem oportunidades para construir uma audiência com um investimento substancial e direcionado”.
Os dispositivos de voz também surgem como oportunidade:
“Olhando para o futuro, algumas empresas estão de olho em oportunidades oferecidas pela reembalagem de matérias para smart-speakers e pesquisa por voz. Mas nesta área, em que geralmente há apenas uma resposta a uma consulta de voz, os editores provavelmente serão ainda mais dependentes das plataformas. Por ser agregado no nível da plataforma, também há menos oportunidade para o editor obter o crédito total pelo conteúdo que criou. Os podcasts diários de formato mais longo, por outro lado, fornecem mais tempo para construir relacionamentos com os ouvintes e mais oportunidades para os valores da marca brilharem”.
Nic Newman acredita que é uma questão de tempo para que as opções sejam exploradas de forma a aumentar o papel do áudio no conjunto de mídias disponíveis para as organizações, mas salienta sua importância para o futuro das empresas jornalísticas:
“Os podcasts diários de notícias possivelmente serão apenas parte de uma estratégia de áudio mais ampla, mas para muitas empresas eles atrairão mais público, além de se constituirem em embaixadores essenciais da marca para a próxima geração de ouvintes”.
Os mais populares, país a país, são:
O relatório completo, com estudos de caso de todos os países, pode ser lido aqui.