• Entidade pede adiamento na implantação da tecnologia, citando prejuízos às empresas jornalísticas 
  • Órgão regulador que vai decidir sobre o pedido é o mesmo que publicou em julho relatório recomendando ao Governo a implantação de uma autoridade para controlar as plataformas digitais 
  • Na França, Google anunciou acordo para pagamento por conteúdo a jornais e revistas 

Veio do Reino Unido, que caminha a passos largos na direção de regular as plataformas digitais, mais uma iniciativa para limitar ações do Google. Desta vez o alvo é a Privacy Sandbox, anunciada pela gigante digital para entrar em vigor em 2021.

Nessa segunda-feira (23/11), a organização Marketers for Open Web (MOW), formada por empresas jornalísticas e de TI, formalizou um pedido à agência de controle de concorrência britânica (CMA) para interferir, determinando ao Google que adie o lançamento da tecnologia. 

Na mesma semana (em 27/11), o governo anunciou a criação de um órgão regulador para as plataformas digitais, que ficará sob o comando da mesma CMA. 

James Rosewell, Diretor da MOW, justificou a solicitação: 

“Os reguladores mundiais perceberam que o Google está tentando tomar conta da web, dominando áreas como busca, publicidade online e tecnologias de navegador. 

No entanto, seus esforços para mitigar esse poder de monopólio serão em vão se o Google conseguir consolidar seu domínio com a introdução do Privacy Sandbox antes das alterações recomendadas pelos reguladores à lei que está sendo implementada. 

Se o Google lançar essa tecnologia, ele efetivamente tomará conta dos meios pelos quais as empresas de mídia, anunciantes e empresas de tecnologia alcançam seus consumidores. E essa mudança será irreversível”. 

O grupo apresenta-se como sendo formado por “empresas do ecossistema online que compartilham a preocupação de que o Google esteja ameaçando o modelo da web aberta, vital para o funcionamento de uma economia online e de mídia livre e competitiva”. Diz que seu objetivo é garantir igualdade de condições para permitir competição e inovação, cabendo aos reguladores intervir para criar um ambiente onde tal resultado seja alcançável.

Rosewell defende o conceito da internet aberta, baseada em um ambiente descentralizado e em padrões que não estejam sob o controle de uma única companhia.  

“Este modelo é vital para a saúde de uma mídia livre e independente, para um ambiente de negócios digital competitivo e para a liberdade de escolha de todos os usuários da web”. 

Ele sustenta que a introdução da tecnologia não tem nada a ver com privacidade, apesar do nome. E que ela seria simplesmente uma manobra para tirar a publicidade digital da web aberta e o Google ficar fora do alcance dos reguladores. O que traria prejuízos a empresas jornalísticas: 

“As mudanças negarão aos editores de notícias o acesso aos cookies que eles usam para vender publicidade, reduzindo assim suas receitas em cerca de dois terços (segundo um relatório do próprio órgão regulador), gerando perda de empregos e afetando sobretudo a imprensa regional”. 

A MOW observa que a própria CMA, bem como o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a Comissão Europeia, reconheceram que o Google tem poder dominante sobre as principais partes da cadeia de valor da web e estão no processo de desenvolver ou propor soluções competitivas de longo prazo para mitigar isso.  A carta pede que a introdução da Privacy Sandbox seja adiada até que tais medidas sejam implementadas.

Tim Cowen, Presidente da Prática Antitruste do escritório jurídico Preiskel & Co LLP, disse no comunicado à imprensa da MOW que a organização não deseja que o Google seja paralisado ou colocado em desvantagem: 

“Simplesmente pedimos que os governos tenham o tempo de que precisam para implementar a legislação adequada a fim de criar condições equitativas para todos os negócios digitais”. 

A CMA (Competitions Market Authority) deu uma resposta protocolar ao pedido: 

“Levamos muito a sério as questões levantadas na queixa e as avaliaremos cuidadosamente com o objetivo de decidir se abriremos uma investigação formal sob a Lei da Concorrência”.

“Se a urgência das preocupações exigir que intervenhamos rapidamente, também avaliaremos se devemos impor medidas provisórias para ordenar a suspensão de qualquer conduta suspeita de ser contrária à livre concorrência enquanto aguardamos o resultado de uma investigação completa”. 

A julgar pelo histórico da agência em relação ao tema, pode-se esperar no mínimo simpatia. E que a solicitação se transforme em mais um elemento no contexto das iniciativas por ela já adotadas. Em julho, a CMA publicou um relatório detalhado recomendando ao governo britânico a adoção de um regime regulatório de concorrência para lidar com o poder de mercado do Google e do Facebook. 

“Se a mudança for bem-sucedida, será a primeira vez que a CMA utilizará seus amplos poderes para desafiar o controle cada vez maior das plataformas online da internet”, disse a MOW em sua carta. 

A controvérsia da Privacy Sandbox 

Ao anunciar o pedido de adiamento, a MOW explicou o que é a Privacy Sandbox, ainda pouco conhecida por muita gente. Segundo o grupo de pressão, atualmente os sites na internet associam conteúdo a indivíduos usando IDs armazenados em cookies, pequenos pedaços de texto que são colocados em seu computador para lembrar informações como preferências ou nome de login. A tecnologia que rege esses cookies é baseada em padrões comumente aceitos, que não são controlados por nenhuma organização comercial.

A organização diz que a Privacy Sandbox substitui alguns desses cookies por um sistema proprietário do Google em seu navegador Chrome e ferramentas de desenvolvedor Chromium, o que significa que o Google controlará efetivamente como os sites podem monetizar e operar seus negócios. 

“Isso tem implicações importantes a respeito de como as empresas jornalísticas podem usar a publicidade online para financiar suas operações e quais fornecedores da cadeia de suprimentos eles podem escolher para operar em seus sites. Também forçará as pessoas a fazer login em um site para obter acesso a informações relevantes ou à maioria das notícias”, avalia a MOW. 

Para ela, isso significa que qualquer empresa que compra ou vende publicidade dependeria do Google para uma parte do processo, querendo ou não. E isso reduziria a capacidade dos players independentes de competir com plataforma, fortalecendo o monopólio do comércio online. 

“O impacto na prática é que mais informações pessoais precisam ser entregues a um número menor de oligopólios americanos de trilhões de dólares. Também terá impacto em uma grande variedade de outras tecnologias baseadas em cookies em áreas como detecção de fraude e segurança online”, disse a organização. 

O que diz o Google 

Ao anunciar a novidade, em agosto de 2019, Justin Schuh, Diretor de Engenharia do Chrome, explicou a ideia da Privacy Sandbox em um post (cuja íntegra pode ser lida aqui) intitulado “Construindo uma internet mais privada”. 

“A privacidade é fundamental para nós, em tudo o que fazemos. Então hoje estamos anunciando uma nova iniciativa para desenvolver um conjunto de padrões abertos para melhorar fundamentalmente a privacidade na web. Estamos chamando isso de Privacy Sandbox”. 

No texto ele defende que  “a tecnologia que editores e anunciantes usam para tornar a publicidade ainda mais relevante para as pessoas agora está sendo usada muito além de sua intenção original de design – a um ponto em que algumas práticas de dados não correspondem às expectativas do usuário quanto à privacidade. Recentemente, alguns outros navegadores tentaram resolver esse problema, mas sem um conjunto de padrões acordado, as tentativas de melhorar a privacidade do usuário estão tendo consequências indesejadas”. 

E que a ideia da Privacy Sandbox é “encontrar uma solução que realmente proteja a privacidade do usuário e também ajude o conteúdo a permanecer acessível gratuitamente na web. (…) Coletivamente, acreditamos que todas essas mudanças irão melhorar a transparência, a escolha e o controle”, afirmou.

Segundo o site de tecnologia Gizmodo, a ideia não foi tão bem recebida. Em um artigo publicado em agosto, o editor sênior Adam Clark Estes questionou a ideia: 

O Google quer as duas coisas. Seu anúncio recente veio envolto em muitas palavras alegres sobre a importância da privacidade e como o bloqueio de cookies impulsionaria a prática de impressão digital do navegador, um método relativamente raro de rastreamento online que usa métricas como fontes instaladas ou tamanho da tela para criar perfis exclusivos de cada usuário. 

Logo após esse argumento, no entanto, o Google aponta que bloquear os cookies também impediria os editores de veicular anúncios relevantes e ganhar dinheiro, o que “compromete o futuro de uma web vibrante”. O Google falha em admitir aqui que seu principal negócio é vender esses anúncios para editores. Assim, no que dois pesquisadores de Princeton estão chamando de “privacidade gasosa”, o Google insiste que acredita na privacidade do usuário, mas se recusa a tomar as medidas necessárias para proteger a privacidade do usuário”. 

Na França, pagamento por notícias 

Se no Reino Unido o problema para o Google ainda não se concretizou, na França a gigante global teve que ceder. Na semana passada, o Google anunciou por meio de um post em seu blog um acordo com seis jornais e revistas francesas para pagar direitos autorais.

E disse estar em negociações com outros grupos de mídia da França para chegar a um acordo mais amplo até o final do ano. 

Entre os beneficiados estão os principais diários nacionais − Le Monde, Le Figaro e Liberation − e as revistas L’Express, L’Obs e Courrier International.

Não foi exatamente um ato de bondade. Segundo a Reuters, o acordo chegou após meses de discussões entre o Google e empresas jornalísticas francesas sobre como aplicar as regras de direitos autorais renovadas da UE, que permitem que as editoras exijam uma taxa de plataformas online que exibam trechos de suas notícias.

A Reuters lembrou que a empresa tentou resistir à ideia de pagar aos editores pelo conteúdo, dizendo que seus sites beneficiaram-se com o maior tráfego gerado pelo Google. Mas há um mês a justiça francesa ordenou que a empresa americana abrisse negociações com as empresas jornalísticas. 

Os acordos com os seis jornais franceses baseiam-se em critérios como a “contribuição da editora para informações políticas e gerais”, o volume diário de publicações, o tráfego mensal de internet e a utilização do conteúdo na plataforma do Google. 

No Reino Unido, o duro relatório da CMA

A pandemia fez com que o Google ganhasse mais algum tempo no Reino Unido. Em um documento altamente crítico publicado em julho passado, a CMA não esconde sua opinião sobre a necessidade de regular as plataformas digitais.

Este relatório deu origem à criação da Unidade de Mercados Digitais, anunciada no dia 27/11. 

O relatório atribui à crise provocada pela pandemia a decisão de não adotar naquele momento medidas mais drásticas. E colocou nas mãos do governo britânico a responsabilidade de fazê-lo dentro de um ano, a contar da publicação. 

Um dos motivos alegados para a necessidade de medidas é o entendimento de que o  domínio dos gigantes digitais nos mercados de publicidade está tendo um impacto “profundo”  sobre o jornalismo. 

Ao divulgar o relatório, que levou um ano para ser elaborado, a CNA é categórica ao afirmar que “as leis existentes não são adequadas para uma regulamentação eficaz”, razão pela qual recomenda um novo regime regulatório pró-concorrência para reger o comportamento das principais plataformas financiadas pela publicidade digital, como Google e Facebook.

A CMA diz ter usado seus poderes estatutários de coleta de informações para desvendar como a receita de publicidade impulsiona o modelo de negócios das principais plataformas.

Os pesquisadores apuram que a despesa do Reino Unido com publicidade digital foi de cerca de £ 14 bilhões em 2019, equivalente a cerca de £ 500 por família. E afirmaram que cerca de 80% disso é auferido apenas pelo Google e pelo Facebook.

O trabalho contabilizou que o Google tem uma participação de mais de 90% no mercado de publicidade em buscas (£ 7,3 bilhões) no Reino Unido, enquanto o Facebook tem uma participação de mais de 50% no mercado de publicidade online, alcançando a cifra de £ 5,5 bilhões. E afirma que a receita do Google advinda de buscas mais que dobrou desde 2011, enquanto a receita média do Facebook por usuário aumentou de menos de £ 5 em 2011 para mais de £ 50 em 2019.

“Os serviços fornecidos pelo Facebook e Google são altamente valorizados pelos consumidores e ajudam muitas pequenas empresas a alcançar novos clientes. Embora ambos tenham crescido originalmente oferecendo melhores serviços do que as principais plataformas do mercado da época, a CMA está preocupada com o fato de eles terem desenvolvido posições de mercado inatacáveis ​​de forma que os rivais não possam mais competir em igualdade de condições”, diz o relatório. 

O órgão destaca o que entende como sendo problemas: 

    • Sua grande base de usuários é uma fonte de poder de mercado − isso significa que o Facebook é uma rede “obrigatória” para os usuários permanecerem em contato uns com os outros e permite que o Google treine seus algoritmos de busca de uma forma que outros mecanismos de busca não conseguem.
    • Cada um tem acesso incomparável aos dados do usuário, permitindo-lhes direcionar anúncios a consumidores individuais e personalizar os serviços que fornecem.
    • Ambos usam configurações padrão para induzir as pessoas a usar seus serviços e fornecer seus dados. Por exemplo, o Google pagou cerca de £ 1,2 bilhão em 2019 para ser o provedor de pesquisa padrão em dispositivos móveis e navegadores no Reino Unido, enquanto o Facebook exige que as pessoas aceitem publicidade personalizada como condição de utilização do seu serviço.
    • Sua presença em muitos mercados diferentes, parcialmente adquiridos por meio de muitas aquisições ao longo dos anos, também torna mais difícil para os rivais competirem.

Para a CMA, essas questões são importantes para os consumidores:

“A fraca concorrência em buscas e mídias sociais leva à redução da inovação e da escolha, bem como ao fornecimento de mais dados pelos consumidores do que gostariam. Além disso, se os £ 14 bilhões gastos no Reino Unido no ano passado em publicidade digital for maior do que seria em um mercado mais competitivo, isso será sentido nos preços de hotéis, voos, produtos eletrônicos, livros, seguros e muitos outros produtos que fazer uso intenso de publicidade digital”. 

A CMA diz ter descoberto que os preços do Google no Reino Unido são cerca de 30% a 40% mais altos do que os do Bing diante de comparações semelhantes no desktop e no celular.

O problema não é só para quem compra online, mas também para o jornalismo: 

“As posições de mercado do Google e do Facebook têm um impacto profundo sobre jornais e outras editoras. Os jornais dependem do Google e do Facebook para quase 40% de todas as visitas a seus sites. Essa dependência potencialmente reduz sua participação nas receitas de publicidade digital, prejudicando sua capacidade de produzir conteúdo valioso”. 

A News Media Association, que reúne grandes jornais, gostou do relatório e uniu-se ao coro para cobrar ação do governo: 

“Esperamos que o governo agora aja rapidamente para implementar essas recomendações e restaurar o equilíbrio de um ecossistema digital que por muito tempo deixou as empresas jornalísticas incapazes de perceber o verdadeiro valor de seu jornalismo”. 

O novo regime proposto pela CNA 

A conclusão do extenso relatório é de que “a escala e a natureza dessas questões significam que um novo regime regulatório pró-concorrência é necessário para que os usuários possam continuar a se beneficiar de novos serviços inovadores; empresas rivais possam competir em igualdade de condições e as empresas jornalísticas não percam receita”.  

A CMA propôs, dentro do novo regime, da Unidade de Mercados Digitais anunciada em 27/11, com capacidade de:

  • aplicar um código de conduta para garantir que as plataformas com uma posição de poder de mercado, como o Google e o Facebook, não se envolvam em práticas exploratórias ou excludentes, ou práticas que possam reduzir a confiança e a transparência. E que imponham multas, se necessário.
  • ordenar que o Google abra seus dados de clique e consulta para buscadores rivais a fim de permitir que melhorem seus algoritmos e possam competir adequadamente. Isso seria projetado de uma forma que não envolvesse a transferência de dados pessoais, respeitando a privacidade.
  • solicitar que o Facebook aumente sua interoperabilidade com plataformas de mídia social concorrentes. As plataformas precisariam garantir o consentimento do consumidor para o uso de seus dados.
  • restringir a capacidade do Google de garantir seu lugar como mecanismo de busca padrão em dispositivos móveis e navegadores, oferecendo mais opções para os usuários.
  • solicitar ao Facebook para dar aos consumidores a opção de receber publicidade personalizada.
  • introduzir um dever de “justiça no design” nas plataformas para garantir que facilitem ao máximo a liberdade de escolha.

A Unidade havia sido proposta pela primeira vez em um relatório publicado pelo Digital Competition Expert Panel (DCEP), um grupo presidido pelo professor Jason Furman, ex-economista-chefe quando Barack Obama era presidente em março de 2019. O CMA acredita que deveria haver um código de conduta que garanta que o Facebook e o Google não se voltem para “práticas de exploração ou exclusão” ou façam qualquer coisa que possa reduzir a confiança e a transparência do público. Caso descumpram o código, o grupo teórico também poderá aplicar multas, segundo o CMA.

Ela também teria o poder de separar plataformas Facebook e Instagram, por exemplo, ou Google e YouTube se necessário para “garantir uma competição saudável”.

As recomendações da agência dependem de aprovação do Governo, e é de se esperar que ajustes sejam feitos. Mas o poder de influência global é grande, dada a profundidade do levantamento. O órgão regulador reconhece isso, afirmando no relatório: “Embora essa recomendação seja focada no Reino Unido, muitos dos problemas que a CMA identificou são de natureza internacional”. 

Na época do lançamento, Andrea Coscelli, CEO da agência reguladora, disse ao Financial Times que estava se preparando para montar investigações sobre os dois gigantes da internet se o Governo não agisse rápido o suficiente para restringir seus poderes. E que caso ele não implantasse dentro de um ano um regime regulatório para as grandes plataformas tecnológicas, incluindo um novo órgão regulador digital, a CMA  entraria em ação. 

“Se o poder de mercado dessas empresas não for controlado, as pessoas e as empresas sairão perdendo.”

Agora, as atenções estão voltadas para a decisão da CMA em relação ao pedido de adiamento da Privact Sandbox. Façam suas apostas. 

O relatório completo do CMA pode ser consultadoaqui.


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Redação MediaTalks
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